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Dinheiro de emigrantes sustenta a economia birmanesa

Ponto de entrada em Myanmar (como os militares governantes chamam a Birmânia) a partir da Tailândia. Foto: Preethi Nallu/IPS

 

Bangcoc, Tailândia, 27/5/2013 – Nangnyi Foung se dirige à secadora de roupas, retira uma calça jeans e coloca sobre a tábua de passar. “Ainda tenho mais roupa para lavar”, disse quando o relógio marca 21 horas, e já faz 14 que ela está trabalhando. Desde sete horas da manhã está de pé nesta lavanderia na cidade tailandesa de Chiang Mai. Pensava ter acabado quando chegaram mais dois clientes.

Nangnyi não está em condições de rejeitar nenhum. “Preciso do dinheiro. Minha família precisa que eu trabalhe”, explicou à IPS, enquanto sua voz tem um tom de desespero ao colocar mais roupa na máquina de lavar. Na entrada deste local há seis lavadoras. Os degraus de uma escada levam à sua casa, para onde volta altas horas da noite, apenas para cair rendida antes de se levantar e começar tudo de novo.

Oriunda do Estado de Shan, na vizinha Birmânia, Nangnyi chegou a Bangcoc afundada em dívidas. Fugindo da violência que persiste em seu país natal, fez empréstimos e pagou elevadas quantias a intermediários para que a levassem com segurança para a Tailândia, onde, conforme ouvira falar, a esperavam oportunidades de trabalho. Dez anos mais tarde, ainda continua trabalhando para pagar as dívidas, acordando diariamente para cumprir seu rigoroso turno de 14 horas, lavando, secando e passando roupa de outras pessoas.

Ao fim de sete dias de trabalho ininterrupto seu ganho é de apenas pouco mais de US$ 6, boa parte dos quais envia para sua família na Birmânia. Junto à tábua de passar, esta mulher contou à IPS que economiza dinheiro dormindo no sótão da casa. Se também tivesse de pagar por alojamento não poderia mandar nada para as quatro pessoas de sua família. Os birmaneses, que representam cerca de 80% dos 2,5 milhões de imigrantes que compõem a força de trabalho da Tailândia, ajudam desse modo vital seus parentes sufocados economicamente.

A Birmânia é um dos países mais pobres do sudeste asiático, e luta para se recuperar após décadas de paralisação econômica. Atualmente, o salário mínimo neste país equivalente a cerca de US$ 180 mensais, permite comprar entre oito e dez vezes menos produtos básicos de consumo diário, como arroz, sal, açúcar e óleo para cozinhar, do que há 20 anos. Neste país o cidadão médio vive com menos de um dólar por dia.

Embora a Birmânia seja o maior exportador mundial de jade, pérolas, rubis e safiras, e tenha lucrativas indústrias extrativistas como a mineira e a madeireira, além da geração de eletricidade, muito pouco da riqueza natural do país chega às massas. Aproximadamente, 32% da população vive abaixo da linha de pobreza, e o desemprego é de 5,4%.

Um estudo de 2006 sobre os trabalhadores emigrantes da Birmânia, realizado pelo Centro de Pesquisas Asiáticas para as Migrações, mostra que dois terços dos 600 consultados admitiram estar desempregados antes de emigrarem para a Tailândia. Apesar de preencherem lacunas cruciais no mercado de trabalho tailandês e suas remessas de dinheiro representarem 5% do produto interno bruto da Birmânia, nenhum dos dois governos procura facilitar o fluxo de dinheiro entre essas pessoas e suas famílias.

Apesar de existirem bancos comerciais ou locais oficiais de Xpress Money (dinheiro expresso), a maioria dos imigrantes prefere usar o canal informal de remessas conhecido como sistema “hundi”. Estas transações não autorizadas envolvem pessoas na Tailândia que transmitem as mensagens a membros de sua rede na Birmânia, os quais em seguida entregam a quantia necessária à família. Alguns imigrantes dependem de amigos e outras pessoas amigas que viajam entre os países vizinhos para atuarem como transportadores, dessa forma evitando caras taxas de transferências bancárias.

“Não se pode confiar nos bancos, que também exigem uma autorização de trabalho, uma carta de recomendação de nosso empregador e passaporte”, pontuou Nangnyi. Pouquíssimos estrangeiros têm acesso a esse tipo de documentação. Os imigrantes cujas famílias vivem em áreas rurais utilizam os serviços de intermediários, que entregam o dinheiro em efetivo na casa do destinatário, facilitando-lhe os trâmites.

Segundo um informe divulgado no dia 20 deste mês, pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, os países asiáticos despacharam cerca de 60 milhões de emigrantes pelo mundo, e estes “enviaram quase US$ 260 bilhões às suas famílias no ano passado. Isto representou 63% dos fluxos mundiais para os países em desenvolvimento”. Contudo, o continente parece mal equipado para fazer frente à chegada de remessas, que beneficiam uma em cada dez famílias asiáticas.

“Embora a grande maioria da população da região viva em áreas rurais, 65% dos lugares de pagamento ficam em áreas urbanas”, diz o informe. Na maior parte dos países asiáticos apenas os bancos estão autorizados a realizar transações de divisas, dificultando o acesso das comunidades rurais pobres a fundos procedentes do exterior. O documento ressalta a urgente necessidade de dar “opções” às famílias receptoras de remessas de receberem e gastarem este dinheiro, especialmente porque nove países asiáticos recebem atualmente remessas que “excedem 10% do produto interno bruto”.

O informe tem implicações políticas particularmente vitais para o sudeste da Ásia, onde 13 milhões de migrantes atualmente vivem e trabalham no exterior. A Tailândia se tornou uma “importadora” de mão de obra migrante, atraindo mais que o dobro da quantidade de migrantes para trabalhar em sua economia que se expande do que envia para fora de suas fronteiras.

As mulheres são quase 49% dos 214 milhões de trabalhadores migrantes no mundo e respondem pela maior parte das remessas. Muito conscientes das necessidades de suas famílias, como alimentação, moradia, educação para os filhos e irmãos menores, bem como cuidados com a saúde, frequentemente elas suportam condições extremas para enviar dinheiro para suas famílias.

O povoado de Mae Sot, na fronteira entre Tailândia e Birmânia, abriga a maior quantidade de trabalhadoras migrantes tailandesas, que trabalham mais de 15 horas diárias em fábricas de roupas. Estima-se que em 2012 este setor faturou US$ 6,3 bilhões, enquanto as operárias que mantêm a indústria funcionando receberam entre US$ 66 e US$ 100 por mês.

Kyoko Kusakabe, professora adjunta de gênero e desenvolvimento do Instituto Asiático de Tecnologia e coautora de A Força de Trabalho Oculta da Tailândia, afirmou à IPS que a maioria das imigrantes em Mae Sot “evita as greves e perder seus direitos” para manterem seus empregos. Segundo Kyoko, isto é parte de uma cultura que obriga as mulheres a serem “responsáveis”, desde quase ainda criança, enquanto seus pares do sexo oposto têm poucas obrigações.

Para a professora, esta cultura se reflete nos padrões das remessas: quando a economia está no auge, os envios de dinheiro feitos pelos homens aumentam, voltando a cair quando a economia está em crise. Por outro lado, os envios feitos pelas mulheres se mantêm estáveis independente do clima econômico geral, o que sugere que elas economizam mais e adiam suas próprias necessidades em épocas de austeridade econômica para preservar o sustento de suas famílias. A pesquisa de Kyoko conclui que, apesar de as mulheres não receberem o salário ou perderem o emprego, pedem dinheiro emprestado para enviar às suas famílias, temendo que seus filhos ou pais passem fome sem seu apoio financeiro. Envolverde/IPS