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A União Africana deve fazer mais pela paz

Anos de guerra obrigaram Passion, de 13 anos, a viver nas ruas de Goma, leste da República Democrática do Congo. Foto: Einberger/argum/EED/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 28/5/2013 – “Meu marido e meu filho mais velho, incapazes de suportar a guerra, perderam a razão. Dois dos meus filhos foram crianças-soldados e uma filha de oito anos foi sequestrada. Não os veremos nunca mais”, disse Mariamu Dong sobre o conflito de 21 anos entre o norte e o sul do Sudão, agora dois países separados. Seus sete filhos cresceram nesses anos sangrentos, mas apenas um conseguiu superá-los.

“Me sinto como alguém a quem cortaram os membros, pois perdi meu marido e meus filhos na guerra. Somente o mais novo pôde sobreviver e agora vive no Quênia. E todo esse tempo o mundo nos olhava de longe”, lamentou Dong. O sul se converteu em país independente em 9 de julho de 2011. Dong vive no que hoje é o Sudão do Sul, em Torit, parte do Estado de Equatoria Oriental. Entretanto, diariamente recorda a guerra que o mundo e a Organização para a Unidade Africana (OUA), agora chamada União Africana (UA), permitiram que continuasse por mais de duas décadas.

Foi um órgão regional, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento da África Oriental (Igad) que finalmente conseguiu o Acordo Geral de Paz de 2005 entre o governo assentado de Cartum e o Movimento de Libertação do Povo do Sudão, que levou posteriormente ao fim da guerra e à independência do sul. A Igad é formada por Djibuti, Eritreia, Etiópia, Quênia, Somália, Sudão, Sudão do Sul e Uganda.

Especialistas em conflitos afirmam que a implantação de estratégias não violentas para acabar com as guerras deve ser prioridade quando o continente comemora o Dia da África, celebrado no dia 25, juntamente com os 50 anos da criação da OUA, transformada em UA em 2001. “A UA, e antes a OUA, dormiram durante boa parte dos conflitos africanos. Os milhões de vidas que se perderam no continente constituem o testamento do fracasso dessas organizações”, afirmou à IPS o especialista em paz e segurança congolense Lionel Ibaka.

Um exemplo é a guerra da República Democrática do Congo (RDC) que, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), deixou cinco milhões de mortos desde que começou em 1998, pontuou Ibaka. Em março, o Conselho de Segurança da ONU resolveu enviar uma brigada de intervenção para neutralizar grupos rebeldes que atuam no leste dessa nação do centro da África. Mas essa intervenção pode ter chegado tarde. “O banho de sangue e o terror na RDC são considerados os piores e mais destrutivos desde a Segunda Guerra Mundial”, advertiu Ibaka.

Um informe de 2010 da Agência das Nações Unidas para os Refugiados indica que a violência na RDC está “acompanhada por um uso evidentemente sistemático da violação e do ataque sexual por parte de todas as forças combatentes”. O documento acrescenta que 30 mil crianças foram recrutadas como soldados e viveram uma “violência indescritível”.

Nisa Luambo, uma jovem de 27 anos da província de Kivu Sul, foi obrigada a passar por algo semelhante. Embora não tenha perdido a vida, a violência matou uma parte de seu ser. Tinha 12 anos quando começou a guerra e se viu separada de sua família. “Fui abusada sexualmente tanto por soldados como por civis. Sofri quatro abortos nessa época, e não tinha cuidados médicos nem comida”, contou à IPS.

“As pessoas me perguntam o que quero para o futuro, e eu respondo com meu silêncio. Onde estavam quando nos violavam e batiam na gente até quase morrermos? Sim tivemos sorte porque muitas morreram”, acrescentou Luambo. O país continua instável e não se vislumbra o fim do conflito. “Quando penso no amanhã não sinto alegria. Sei que não há amanhã para um povo que vive em guerra”, afirmou.

Vincent Kimosop, diretor-executivo do não governamental Instituto Internacional para Assuntos Legislativos, que dá assistência jurídica a órgãos do governo, parlamentares e outros atores do processo legislativo, acredita que a ausência de governança está no coração do conflito africano. “A UA deve fazer mais para apoiar o desenvolvimento de instituições de governança, pois a institucionalidade do Estado é a base para que um país funcione”, disse à IPS.

Para Javas Bigambo, especialista em governança, direitos humanos e desenvolvimento, a “UA não pode ser cega diante das atrocidades e dos horrores cometidos por presidentes africanos. É lamentável, mas a UA raramente encontrou algum erro em um líder africano ou proporcionou soluções para os problemas econômicos e de governabilidade”. A história continental de conflitos violentos “aponta para essa destroçada fábrica social e política. A África está em perpétua agitação”, afirmou.

O genocídio de Ruanda, uma carnificina na qual foram assassinadas 800 mil pessoas, e a violência pós-eleitoral do Quênia em 2007, na qual mil pessoas morreram e 600 mil foram forçadas a fugir, também são parte dessa lógica africana. No entanto, Julius Mucunguzi, acadêmico ugandense especializado em notícias de conflitos, acredita que as coisas estão mudando. “A África está em um caminho de renovação. Está melhorando. Embora a OUA tenha sido criada há 50 anos, a UA tem pouco mais de uma década e já está criando estruturas para aprofundar a paz e a segurança”, disse à IPS.

Contudo, “instituições como seu Conselho de Paz e Segurança devem investir em mecanismos de alerta para detectar sinais de possíveis conflitos e evitar que aconteçam”, ressaltou Mucunguzi. Para o desenvolvimento da África é crucial existirem meios de comunicação independentes, pluralistas e vibrantes, e a UA deve criar um clima que celebre a liberdade de imprensa e o direito à informação, recomenda o especialista. No ano passado, 18 jornalistas foram assassinados na Somália.

Em Uganda, a intolerância estatal contra a mídia ficou evidente no dia 20 deste mês, quando o governo fechou o Daily Monitor, principal jornal desse país da África oriental. O impresso, o site e duas emissoras de rádio que faziam parte do mesmo grupo também foram fechados por informarem sobre uma carta que envolvia o presidente, Yoweri Museveni, em operações para assegurar que seu filho assuma a Presidência.

Contudo, e apesar da atual instabilidade e das turbulências, “a África está conseguindo progressos significativos”, insistiu Mucunguzi. A economia da integração também é fundamental. Segundo Bigambo, a UA “deve fortalecer blocos econômicos”, como a Igad, a Comunidade Africana Oriental e o Mercado Comum da África Oriental e Meridional. “O comércio regional é um componente estratégico para promover uma África integrada, próspera e pacífica”, concluiu. Envolverde/IPS