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Tunísia se cansa da transição

Membros da Ennahda com a bandeira de seu partido. Foto: Louise Sherwood/IPS
Membros da Ennahda com a bandeira de seu partido. Foto: Louise Sherwood/IPS

Tunes, Tunísia, 2/7/2013 – Quando transcorre o terceiro ano da derrubada do ditador Zine El Abidine Ben Ali, a verdadeira democracia ainda é uma obra em construção na Tunísia. “A liberdade é uma decisão, mas a democracia é um processo de transformações”, disse à IPS o diretor de programas do Centro Al Kawakibi para a Transição Democrática, Amine Ghali. “Até agora, nossas expectativas sobre a vida depois da revolução não foram atendidas”, destacou.

Segundo Ghali, “atravessamos uma importante transformação imediatamente depois da revolução que levou às eleições em outubro de 2011. Porém, desde então houve uma falta de cumprimento dos processos democráticos, incluída a justiça de transição, a independência do Poder Judiciário, a melhoria da economia e a luta contra a corrupção. Precisamos estabelecer datas. Não podemos permanecer definitivamente na transição”.

Para Ghali, a luta pela democracia tem lugar em meio aos problemas econômicos da Tunísia. “Temos inflação, depreciação do dinar (moeda nacional) e uma queda do poder aquisitivo. As pessoas não podem comer a Constituição, beber as eleições ou comprar liberdade de imprensa. Precisam de alimentos para seus filhos, educação e transporte barato”, pontuou. Apesar destes problemas, a transição para a democracia na Tunísia tem relativo êxito. Ao contrário das prolongadas e sangrentas revoluções na Líbia ou na Síria, a saída de Ben Ali foi mais rápida e mais pacífica.

O país também evitou muitas das dificuldades enfrentadas pelo Egito, onde o crescente ressentimento contra o governo posterior à revolução derivou em protestos e episódios de violência. As eleições democráticas na Tunísia, avaliadas como livres e limpas, foram realizadas apenas dez meses depois que Ben Ali fugiu do país, e fizeram com que o governo do partido islâmico moderado Ennahda, que obteve a maioria dos votos, liderasse uma coalizão. Porém, o governo de transição enfrentou grandes desafios.

Ben Ali abandonou a Tunísia apenas um mês após iniciada a revolução, sem deixar nenhuma chance de passagem de poder cuidadosamente planejado. Décadas de ditadura significaram que muitas instituições estatais foram corruptas, e foi preciso desmantelar um brutal serviço de segurança. Além disso, a forte repressão política e as perseguições implicaram que não houvesse nenhuma oposição significativa pronta para assumir o poder. Os políticos que haviam sido jogados nas prisões de Ben Ali careciam de experiência política e das necessárias habilidades de governo.

Osama Al Saghir, integrante do partido Ennahda e da Assembleia Constituinte, admitiu que isto pode ter contribuído para algumas das dificuldades enfrentadas pelo governo. Porém, disse à IPS que “o que tentamos fazer é ter um funcionamento limpo e aprender a liderar o país”, acrescentando que “os tunisianos preferem um governo que está aprendendo do que ter políticos que roubam e se envolvem em corrupção, prendem, torturam e negam seus direitos. Hoje é muito diferente do primeiro dia de governo, e amanhã será ainda melhor”.

No entanto, a população está cada vez mais impaciente por uma mudança. Havia expectativa de que a nova Constituição estivesse pronta no prazo de um ano após as eleições, mas essa data venceu há muitos meses. A consulta aberta e os debates sobre sua redação contribuíram para prolongar o processo, embora alguns suspeitem que há outros motivos para o atraso. “É uma tática”, opinou Ghali. “A popularidade do Ennahda estava caindo há quatro ou cinco meses, e pode ter melhorado levemente agora. A demora em finalizar a Constituição, o que deve preceder as eleições, lhes dará tempo para recuperar sua popularidade”, acrescentou.

Nas ruas de Túnis, a capital, alguns têm outras ideias. “O atraso na nova Constituição tem a ver com dinheiro”, disse o taxista Mekni Abdesatta. “Os deputados recebem um bom salário, por isso querem manter o processo em marcha por três ou quatro anos e continuar recebendo”, opinou. Porém, Saghir disse que “tais argumentos não são corretos”, explicando que “queremos uma grande Constituição, por isso não temos um prazo rígido. Até agora elaboramos quatro rascunhos e estamos para começar a versão final”.

Saghir afirmou que “temos um diálogo aberto com políticos de partidos eleitos e não eleitos, com especialistas nacionais e internacionais, a sociedade civil e cidadãos de todas as regiões, e é por isso que o processo demora tanto. Não queremos estar em uma situação como a do Egito, onde se apressaram em fazer a Constituição e agora falam em mudá-la novamente”.

Além da Constituição, uma das preocupações mais graves na nova Tunísia democrática é a reforma judiciária. O governo está em processo de criar a Alta Comissão dos Magistrados, que separará claramente os poderes Executivo e Judiciário. No entanto, vários casos de alto perfil colocam em destaque as sentenças aparentemente arbitrárias que são emitidas atualmente.

No mês passado, um rapper tunisiano foi condenado a dois anos de prisão por escrever e interpretar uma canção que insultava a polícia. Três ativistas europeias da organização feminista Femen foram condenadas a quatro meses de prisão por protestarem seminuas diante do Palácio da Justiça. Após uma apelação, elas tiveram a sentença revogada. Em outro caso, os 20 homens acusados de atentarem contra a embaixada dos Estados Unidos em Túnis, em 2012, tiveram suas sentenças de prisão suspensas.

“Essas decisões são tomadas devido à pressão. O governo quer meter a mão no sistema judiciário”, disse à IPS o advogado esquerdista Mehdi Zaoui, ativista pela democracia. “O ministro da Justiça anterior destituiu, no ano passado, 82 juízes (que estavam sob suspeita de corrupção). Penso que esta foi uma mensagem clara aos demais magistrados: se não querem seguir instruções, serão destituídos”, destacou Zaoui. É provável que no período anterior às eleições o clima fique mais tenso. Nos últimos dias houve um acalorado debate sobre uma lei apresentada para a “imunização da revolução”.

Segundo o governo, esta lei impedirá que ex-membros do governo de Ben Ali e de seu partido político, bem como outros associados, se candidatem nas eleições. A oposição afirma que a lei pode afetar cerca de 60 mil pessoas e que é uma maneira de o governo bloquear seus opositores políticos. Este debate é particularmente sensível, já que os tunisianos ainda não se recuperaram do impacto deixado pelo assassinato de Chokri Belaid, um líder da oposição morto a tiros em fevereiro, no que é apontado como um ataque com motivação política. Envolverde/IPS