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Papillon protesta na Califórnia

Foto: Reprodução/ Internet
Foto: Reprodução/ Internet

Washington, Estados Unidos, 25/7/2013 – Uma greve de fome em massa no sistema penitenciário do Estado norte-americano da Califórnia entrou na terceira semana consecutiva, e ativistas alertam que as autoridades carcerárias tentam acabar com ela violando os direitos dos detentos. O Departamento Correcional e de Reabilitação (CDCR) informou que 986 presos em 11 penitenciárias californianas continuam se negando a receber alimentos. A greve começou no dia 8 por cerca de 30 mil presos em 33 prisões, em protesto contra os castigos de isolamento prolongado, que consideram desumanos e que são usados para controlar as gangues carcerárias.

Embora se trate do terceiro protesto deste tipo na Califórnia desde 2011, desta vez o número de participantes é o maior até agora. Para acabar com a greve, funcionários do CDCR redobraram suas medidas disciplinares, incluindo castigos ainda mais severos em celas solitárias. A organização Anistia Internacional alertou que o CDCR, agindo assim, está “violando obrigações internacionais de direitos humanos”. “Os presos que buscam acabar com as condições desumanas não devem ser submetidos a medidas punitivas por exercerem seu direito de realizar protestos pacíficos”, afirmou Angela Wright, investigadora da Anistia, que acompanha de perto o sistema carcerário da Califórnia.

Por sua vez, Justin Mazzola, também da Anistia, disse à IPS que, “neste ponto, limitar ainda mais esses prisioneiros constitui uma violação ao seu direito de questionar o tratamento que recebem. Colocar os presos em condições ainda mais restritivas não deve ser a resposta ao que estes tentam fazer, que é chamar a atenção para as condições em que são mantidos”. No dia 11, o CDCR divulgou uma nota dizendo que se os presos participam de qualquer “distúrbio em massa” ou rejeitam tarefas a eles destinadas estão violando leis estaduais.

Portanto, anunciou que qualquer preso que aderisse à greve seria enviado para uma unidade de “segregação administrativa”. Por sua vez, os grevistas afirmam ser vítimas de “represálias” e de serem castigados com “condições ainda mais tortuosas” de isolamento. Além disso, ativistas denunciaram que as autoridades carcerárias limitam a correspondência dos grevistas com seus advogados e confiscam seus pertences. “Lembrem-se que em uma prisão não há o mesmo direito de expressão que no mundo exterior. Esse é o objetivo de uma prisão, é uma sanção ao comportamento criminoso”, disse à IPS o secretário de imprensa do CCR, Jeffrey Callison.

“Contudo, os prisioneiros podem apresentar sua preocupações sobre suas condições. Há mecanismos formais pelos quais apresentar queixas, que são todas examinadas. Sempre que um preso faz uma queixa legítima, o assunto é solucionado”, assegurou Callison. O secretário de imprensa qualificou de falsos os informes de que houve limitação no acesso dos grevistas à assistência legal.

Também admitiu que as autoridades impediram temporariamente que um advogado entrasse no centro de reclusão Pelican Bay, onde começou a greve, mas afirmou que as razões dessa medida são confidenciais. Callison rechaçou a acusação de que os prisioneiros em greve em Pelican Bay estão sendo castigados com “ar gelado”, afirmando que a instalação não conta com equipamentos de ar-condicionado.

Na década de 1980 a Califórnia adotou um agressivo programa para neutralizar e desarticular as gangues das prisões. Os integrantes destes grupos são isolados de forma prolongada nas Unidades de Alojamento Especial. Porém, críticos afirmam que muitos prisioneiros são submetidos a esse castigo simplesmente por serem acusados por outro preso de integrar a gangue. A identidade dos delatores é mantida em segredo e suas denúncias não podem ser rebatidas pelo acusado.

Ativistas calculam que 12 mil presos estão em celas solitárias, e que centenas estiveram incomunicáveis de forma indefinida na última década. Estes só podem ver a luz do Sol durante uma hora por dia, e não podem manter contato humano direto. Ativistas denunciam que estes castigos são tratamentos cruéis e desumanos, e, portanto, violam as obrigações internacionais dos Estados Unidos em matéria de direitos humanos.

Esta postura foi corroborada em 2011 pelo relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a tortura, Juan Méndez, ao afirmar que o isolamento de presos por mais de 15 dias deveria ser “absolutamente proibido”, porque está cientificamente demonstrado que pode causar danos psicológicos de longo prazo. Na semana passada, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apoiou essa posição, expressando sua “preocupação” pelas causas por trás da greve de fome na Califórnia e pelo “excessivo” uso dos castigos em celas solitárias nos Estados Unidos.

“A CIDH reitera que a proibição da tortura e dos tratamentos cruéis, desumanos e degradantes não deve ser abolida e é universal”, declarou. Portanto, os países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual a CIDH faz parte, “devem adotar medidas fortes e concretas para eliminar o uso do isolamento prolongado ou indefinido sob qualquer circunstância”, acrescentou a Comissão.

Apesar de tudo, os protestos dos presos conseguiram uma resposta das autoridades carcerárias californianas, que reconheceram que o método usado para delatar supostos membros de gangues é inadequado. Em outubro de 2012, o CDCR iniciou uma série de reformas para suspender os castigos a presos que demonstraram já não estarem mais ligados às gangues. O CDCR informou que revisou 382 casos e tirou 208 presos das Unidades de Alojamento Especial. Porém, críticos afirmam que esta revisão é muito lenta, especialmente para os que já estão na solitária há mais de uma década.

“Naturalmente comemoramos qualquer coisa que dê aos presos o direito de questionar a indefinição de seu confinamento, mas este é um processo muito longo”, pontuou Mazzola. “Devem passar quase dois anos antes que um indivíduo que iniciar o programa possa sair da Unidade de Alojamento Especial. Assim, isso não atende realmente à preocupação básica aqui”, destacou. No começo do mês que vem, haverá a primeira audiência de uma demanda legal apresentada em maio deste ano por vários presos confinados em solitárias. Envolverde/IPS