O debate fiscal no Congresso dos Estados Unidos segue girando quase exclusivamente em torno da questão dos cortes no orçamento, sem que se dê atenção às enormes fortunas dos super-ricos que seguem com uma baixa tributação. Mas então, por que os porta-vozes das grandes fortunas dos Estados Unidos começaram a suar? Porque se deram conta do novo clamor – por parte dos sindicatos e da sociedade civil em todo o país – pedindo maiores impostos para os “multimilionários”. E porque deram também uma olhada nas pesquisas: quase 80% dos estadunidenses querem que o imposto dos nossos ricos aumente. O artigo é de Sam Pizzigati.
Gráfico interativo sobre o impressionante processo de concentração de renda nos Estados Unidos
O crescente clamor público para que se aumente os impostos para os ricos nos Estados Unidos tem deixado os conservadores cada vez mais preocupados. E com razão. Os dados não estão do seu lado… e tampouco a História.
Ao longo de todo o país, começa-se a ouvir uma consigna simples, mas poderosa, contra os cortes selvagens do gasto público. “Como acabar com o déficit?” – proclamam os manifestantes. “Aumentar, aumentar, aumentar os impostos dos ricos!”.
Essa ideia, infelizmente, ainda não se materializou nas propostas dos legisladores. Uma exceção: na semana passada, em Washington, o republicano Jan Schakowsky, de Illinois, lançou uma proposta para aumentar os impostos das rendas superiores a US$ 1 milhão, passando dos atuais 35% para um leque que variaria entre 45% e 49%.
Mas o debate fiscal no Congresso segue girando quase exclusivamente em torno da questão dos cortes, sem que se dê atenção alguma às enormes fortunas dos super-ricos que seguem com uma baixa tributação. E nos parlamentos estaduais é quase sempre a mesma história.
Então, por que os porta-vozes das grandes fortunas dos Estados Unidos começaram a suar? Porque se deram conta do novo clamor – por parte dos sindicatos e da sociedade civil em todo o país – pedindo maiores impostos para os “multimilionários”. E porque deram também uma olhada nas pesquisas: quase 80% dos estadunidenses, assinalam os últimos levantamentos, querem que o imposto de nossos ricos aumente.
Os apologistas da classe ultra-acomodada, diante do avanço desta onda que grota “mais impostos para os ricos”, começaram a organizar seu contra-ataque preventivo. Subir os impostos dos ricos, reza seu novo argumento, dificilmente servirá para enxugar o déficit porque, como sustenta o editor da National Review, Kevin Williamson, “não há número suficiente de ricos” para isso.
A National Review, publicação mais reverenciada da direita, lançou duas bombas de profundidade na semana passada, que iam nesta linha. Williamson, editor adjunto da revista, terminou seu artigo voltando de novo aos velhos mitos e tópicos fiscais da direita. Os ricos, diz, ou bem vão se livrar do aumento de impostos mediante artifícios legais ou vão marchar a jurisdições com menor pressão fiscal.
Seu colega na National Review, Robert VerBruggen, tratou de abordar a questão em números a partir das declarações de imposto de renda de 2008, para sustentar sua afirmação de que “se não pudermos subir também os impostos para todas as pessoas que não são ricas, o imposto sobre a renda não será de muita ajuda para aumentar a arrecadação”. Mas os dados, se analisados no detalhe, não apoiam essa conclusão.
Em 2008, o ano mais recente com registros completos do IRS (a agência tributária dos Estados Unidos), os contribuintes que ganhavam mais de US$ 200 mil anuais pagaram ao governo federal, depois de explorar todos os vazios legais que puderam encontrar, somente 21,8% do total de suas receitas. Isso é consideravelmente menos do que pagavam os mais opulentos – também depois de buscar toda evasão possível – há 50 anos. Em 1961, os contribuintes que ganhavam mais de US$ 27 mil – o equivalente a uns US$ 200 mil atuais – pagavam em média impostos de 31,3% sobre seus rendimentos totais.
Mesmo os contribuintes que ganhavam ainda mais, há 50 anos, pagavam também mais do que agora ao Tio Sam. Em 1961, as rendas anuais acima de US$ 400 mil – cerca de US$ 3 milhões hoje – enfrentavam uma carga tributária de 91%. Hoje, em troca, as rendas superiores a US$ 3 milhões pagam cerca de 35% de impostos.
Esse índice de 91%, cabe lembrar, só era aplicado em 1961 às rendas que superassem os US$ 400 mil. As rendas abaixo desse limite pagavam taxas mais baixas. E alguns tipos de receitas acima dos US$ 400 mil, as taxas de capital, por exemplo, também enfrentavam tributações menores. Assim, sobre que parte de sua renda total pagavam impostos de verdade os autênticos ricos de 1961? Os contribuintes com uma renda acima dos US$ 135 mil anuais – o equivalente a US$ 1 milhão hoje – acabavam pagando uma média de 43,1% de sua renda em impostos federais.
Em 2008, aqueles que ganharam mais de US$ 1 milhão deram ao Tio Sam somente 23,1% de sua renda. Em outras palavras, os autênticos ricos pagavam há 50 anos quase o dobro de impostos ao governo federal do que pagam os ricos de agora.
Quanto o governo poderia arrecadar a mais se nossos ricos contemporâneos pagassem como impostos a mesma proporção de sua renda que pagavam os ricos de 1961?
O Comitê Conjunto sobre Impostos, do Congresso, fez uma previsão no ano passado estimando que os contribuintes que ganham mais de US$ 1 milhão declarariam à Receita um total de mais de US$ 1,1 bilhão. E as declarações daqueles que ganham entre US$ 200 mil e US$ 1 milhão somariam outros US$ 1,9 bilhão.
Toda essa gente poderia pagar uns alucinantes US$ 382 bilhões a mais em impostos se tivessem que tributar segundo as taxas efetivas de 1961 que, de fato, afrontavam os ricos de 50 anos atrás depois de aproveitarem toda brecha legal possível.
Isto é quase quatro vezes mais que os US$ 100 bilhões que os conservadores no Congresso tratam de cortar do orçamento deste ano, afetando um amplo conjunto de políticas, como o programa Head Start (para atender a saúde e a educação infantil de crianças de famílias de baixa renda), os auxílios para estudantes universitários e a própria televisão pública.
Os defensores dos cortes no orçamento vão também atrás do IRS. Querem eliminar outros US$ 285 milhões dos fundos que a Agência dispõe para controles fiscais, no momento em que, após os obscuros anos de Bush, o IRS finalmente começou a ser algo mais sério nas auditorias das declarações de impostos das classes abastadas dos Estados Unidos. No ano passado, as auditorias de declarações acima dos US$ 10 milhões quase duplicaram, registrando um aumento de 18,4%.
Por que precisamos de mais controles na parte superior da distribuição de renda? O último informe do IRS sobre a evasão fiscal (IRS Oversight Board Report) estima que perdemos algo na ordem de US$ 290 bilhões ao ano em impostos não pagos. Segundo um estudo de 2008, os contribuintes de maiores rendimentos escondem três vezes mais renda do que um cidadão médio.
Assim, a conclusão é a seguinte: taxar os ricos com os índices que existiam há meio século – esforçando-se mais para garantir que paguem o que devem pagar – faria com que, este ano, se arrecadasse em nível federal aproximadamente meio trilhão de dólares a mais.
Aumentar, aumentar, aumentar os impostos dos ricos, portanto!
* Sam Pizzigati é editor do Too Much, um semanário eletrônico sobre abusos e desigualdades, publicado pelo Instituto de Estudos Políticos, sediado em Washington.
** Publicado originalmente no Too Much, traduzido por Katarina Peixoto e retirado do site da Carta Maior.