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Escândalo de espionagem atinge várias agências dos Estados Unidos

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Spokane, Estados Unidos, 26/8/2013 – Um ex-promotor dos Estados Unidos acredita que ele e seus colegas podem ter sido títeres em um programa ilegal da Agência Federal Antidrogas (DEA), por meio do qual seus serviços de inteligência eram usados para operações secretas contra o narcotráfico. A agência de notícias Reuters revelou, no começo deste mês, que uma divisão especial da DEA acessava uma vasta base de dados com registros telefônicos e de informantes, entre outras práticas ilegais.

O ex-promotor Patrick Nightingale disse à IPS acreditar que o governo federal os usou, ele e seus colegas, em seu esforço para enganar os acusados e o próprio sistema judicial, violando os direitos constitucionais de cidadãos e cidadãs dos Estados Unidos. “Nenhum de nós tinha a mais remota ideia de que havia um programa secreto da DEA que instruísse seus agentes a encobrir a fonte” da informação, assegurou Nightingale, ex-promotor do condado de Allegheny, no Estado da Pennsylvania, e membro da Law Enforcement Against Prohibition (Leap).

A Leap está integrada por policiais em atividade e aposentados, bem como por outros funcionários do governo contrários à “guerra contra as drogas”. Nightingale afirmou que “meu juramento enquanto advogado e promotor foi como guardião da Constituição e não para ganhar a qualquer preço. Esse programa segue uma mentalidade de ganhar a todo custo: se é constitucional ou não, vamos fazer do mesmo jeito e esconder”.

Integram Divisão de Operações Especiais (SOD) da DEA cerca de duas dúzias de agências federais, entre elas o Escritório Federal de Investigações (FBI), a Agência Central de Inteligência (CIA), Agência Nacional de Segurança (NSA), Serviço de Rendas Internas (IRS) e Departamento de Segurança Interna. Tudo o que se refere à SOD é secreto, inclusive seu orçamento e a localização de seus escritórios.

A Reuters indentificou o IRS como destinatário da informação com base em um antigo manual de capacitação do órgão que se refere ao programa da SOD. De forma rotineira, a SOD oferece informação a diferentes autoridades locais do país, graças às quais estas podem iniciar investigações contra cidadãos norte-americanos com base em certos elementos falsos, uma prática conhecida como “construção paralela”.

Por exemplo, um policial pode receber a ordem de buscar um motivo para deter um veículo em particular, com se fosse um controle habitual de trânsito, e uma vez encontrada a droga as autoridades mentem argumentando que foi encontrada em uma operação de rotina. O documento do IRS detalha como os funcionários recebem instruções para esconder de promotores, advogados de defesa, e até da justiça, os métodos pelos quais se identifica um suspeito de narcotráfico, e depois o detêm.

“A SOD tem a capacidade de coletar, armazenar, analisar, avaliar e divulgar informação e dados de inteligência procedentes de várias fontes em todo o mundo, inclusive de projetos classificados”, diz o manual de capacitação do IRS de 2005 e 2006, segundo informou a Reuters. “A SOD converte informação extremamente delicada em pistas e pautas que são entregues aos agentes de campo para realizar atividades em tempo real contra grandes organizações internacionais do narcotráfico”, afirma o documento.

A Fundação Electronic Frontier (EFF), uma organização que defende a liberdade de expressão e questões de privacidade, chamou esse procedimento de “lavagem de inteligência”. Desde que o assunto veio à tona, no dia 5, soube-se que o Departamento de Justiça revisaria o programa. Entretanto, sem nada mencionar sobre as violações dos direitos constitucionais que, ao que parece, foram cometidos. “Nosso sistema de justiça penal se baseia na presunção de inocência e nossa Constituição requer um procedimento imparcial. Obriga os promotores a revelarem à defesa tanto o bom quanto o mau”, explicou Nightingale.

“Se a fonte de informação é tão sensível que uma agência de segurança recebe instruções para ocultá-la até de sua própria equipe (incluídos promotores locais e federais) porque sabe que estão obrigados a revelá-la à outra parte (a defesa), então é um problema”, insistiu Nightingale. O ex-promotor disse à IPS que desconhecia o programa, apesar de ser promotor e ter trabalhado em muitos casos onde teve que pedir autorização judicial para grampear um telefone apresentando determinadas provas.

Atualmente desconhece e não tem como saber quantos desses casos podem ter tido origem em pistas secretas da SOD. “Isso muda as regras do jogo para que possam encobrir a fonte e usar informação suja e impedir que a defesa e os acusados se beneficiem de um julgamento justo como manda a Constituição”, enfatizou Nightingale.

Hanni Fakhoury, advogado do EFF, disse à IPS que “os dados da NSA são recopilados e depois usados com diferentes fins”. Também afirmou que a informação guardada pela NSA “deve” ser algo aprovado pelo Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira dos Estados Unidos, embora não haja como sabê-lo. “Essas ordens têm um amplo alcance. Não são públicas, não se sabe com que parecem nem como funciona realmente o tribunal”, apontou.

“A maior preocupação é que não estão sendo francos quanto ao fato de usarem a informação para fins que não estão relacionados com a segurança nacional nem comunicam à justiça nem aos acusados a verdadeira fonte da informação”, explicou Fakhoury. “Há mais provas de que a explicação pública da NSA não é totalmente fidedigna”, acrescentou. “É outro motivo para haver muito mais cuidado na hora de analisar as explicações do governo para este tipo de programa”, ressaltou.

O programa da SOD viola a quinta e a sexta emendas juntas, afirmou Fakhoury. A Constituição dos Estados Unidos consagra o direito de contar com a informação completa e de forma justa na sexta emenda: “Em todos os processos penais o acusado terá direito a ser informado da natureza e da causa da acusação”. A quinta emenda estabelece que “nenhuma pessoa será privada de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”.

A divulgação pública deste tipo de prática ilegal apresenta a possibilidade de as pessoas condenadas nos últimos 20 anos por acusação de narcotráfico, ou mesmo crimes relacionados com o IRS, possam mudar sua condenação diante da possibilidade de no processo de investigação ter sido usada evidência secreta. “Creio que veremos muito esse tipo de argumentos. Se terão sorte ou não é difícil prever. Acredito que será algo interessante de ver”, opinou Fakhoury. Envolverde/IPS