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Uganda filma suas próprias histórias

O ator Earnest Sseruaayna, de 36 anos, e o diretor, produtor e roteirista Isaac Godfrey Nabwana, de 40 anos, no assentamento precário de Wakalinga, em Kampala, Uganda. Foto: Amy Fallon/IPS
O ator Earnest Sseruaayna, de 36 anos, e o diretor, produtor e roteirista Isaac Godfrey Nabwana, de 40 anos, no assentamento precário de Wakalinga, em Kampala, Uganda. Foto: Amy Fallon/IPS

 

Kampala, Uganda, 4/9/2013 – Isaac Godfrey Nabwana viveu durante quatro anos da fabricação e venda de tijolos no assentamento de Wakalinga, na capital de Uganda. Mas agora trabalha para construir o que, espera, se converterá na versão ugandense da Nollywood, a indústria cinematográfica da Nigéria. “Vendia tijolos e graças ao que ganhava comprei uma câmera. Trabalhei duro para conseguir”, disse o diretor, produtor e roteirista à IPS enquanto mostrava seus estúdios de som e cinema no assentamento.

Nabwana, de 40 anos, fez 35 filmes nos últimos cinco anos. Atualmente produz “entre três e cinco” por ano, todos na língua local luganda, com legendas em inglês. “Tenho um computador que construí comprando as peças. Tenho refletores, que não são profissionais, mas funcionam. A indústria cinematográfica em Uganda está começando, é incipiente, mas de rápido crescimento”, afirmou.

Sua produtora, a Ramon Films, é uma das quatro que funcionam em Wakalinga. Outras estão dispersas por Kampala. “Creio que será a Hollywood de Uganda, e da África, porque fazemos filmes de ação que não se faz em nenhum outro lugar do continente. Com atores ugandenses, editados por ugandenses e produzidos por ugandenses”, insistiu Nabwana.

No entanto, falta muito ainda para que a indústria cinematográfica de Uganda tenha um impacto continental. O setor produz cerca de 30 filmes por ano, enquanto a nigeriana Nollywood ronda os 70 por semana. Mas a Nigéria tem 162 milhões de habitantes, bem mais do que os 34,5 milhões de Uganda. Não há dúvidas de que a indústria cinematográfica local está nas fraldas.

A Comissão de Comunicações realizou, de 26 a 31 de agosto, o primeiro Festival de Cinema de Uganda, em Kampala. Durante a semana houve apresentações, painéis e cursos com mentores da África do Sul, Suécia e Nigéria. Também houve fóruns de discussão sobre interesses empresariais e foram projetados 189 filmes ao ar livre, em diferentes pontos da capital. “O principal objetivo é ver o status da indústria”, disse à IPS o diretor de programação da Comissão de Comunicações, Jonas Bantulaki.

Uganda não chegou a um acordo sobre um nome para sua indústria cinematográfica, disse o jornalista e crítico Moses Serugo. “Foi proposto Pearlwood – porque Uganda é chamada de a pérola (pearl) da África – mas se ouve muito Ugandawood ou Ugawood”, acrescentou, afirmando que há duas correntes cinematográficas no país.

A dos “cineastas da parte alta da cidade”, entre os quais há formados pelo Laboratório Maisha Film, uma iniciativa sem fins lucrativos para talentos da África oriental criada em 2004 e que tem à frente a diretora indiana Mira Nair, que foi indicada para o Oscar da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. “E também existem os da parte baixa, que são mais comerciais e produzem muitos filmes distribuídos em formato DVD”, explicou Serugo.

No Cineplex, no centro comercial Oasis, de Kampala, estão em cartaz Officer Down, protagonizado por Stephen Dorff. O Fundamentalista Reticente, dirigido por Nair, e Guerra Mundial Z, com Brad Pitt. Derrick Musuguya, de 24 anos, que trabalha no cinema há um ano, disse que não são exibidos filmes locais, apesar da boa recepção que teve uma coprodução entre Uganda e Nigéria. Talvez o Cineplex comece a apresentar filmes em língua luganda no começo do próximo ano, acrescentou o jovem.

“Os filmes ugandenses estão decolando”, disse o artista e músico Denis Dhikysuuka, de 25 anos, que vai ao cinema pelo menos uma vez na semana. “Mas me encantam os filmes ocidentais porque há muito que aprender com eles”, ponderou. Nabwana produz seus filmes com menos de dez milhões de chelines ugandenses (US$ 3.875), que financia com seu negócio de venda de tijolos. Uma vez terminada a produção, vende as cópias em DVD de porta em porta por US$ 1,16 cada. A produção e até os atores, que frequentemente devem custar até o transporte, levam seu próprio vestuário e maquiagem, não cobram e recebem algum dinheiro quando os filmes são vendidos.

Nabwana disse que não ganha muito. Pode chegar a investir US$ 4 mil em um filme, mas só recupera um quarto desse soma. Sua última produção, Revenge (Vingança), é a história de um empresário ugandense de bom coração que ajuda os amigos, mas um dia morre vítima de um golpe e aparece um fantasma para vingá-lo. “A história se baseia em um fato real”, contou o diretor. O filme foi apresentado em um cinema de Likwanga, subúrbio de Kampala, há três semanas.

Earnest Sseruaayana, de 36 anos, interpreta um dos maus de Revenge. Vive em Wakalinga com seus dois filhos e antes de alcançar seu sonho de ser ator ganhava a vida como soldador, vendia carvão e lavava carros. A filmagem dessa produção demorou um ano e ele recebeu US$ 232 por seu trabalho. “Ganho muito dinheiro com isso”, disse Sseruaanya, que figurou em 15 produções da Ramon Films nos últimos cinco anos “É melhor do que outro trabalho. Mas, nem todos podem viver disto”, afirmou.

Serugo disse que Uganda não tem comissão cinematográfica, apesar de a indústria ter condições de criar milhares de postos de trabalho para jovens profissionais desempregados. “Creio que precisamos de uma comissão desse tipo. Há iniciativas na África do Sul, onde tem o Fundo Nacional de Filmes e Vídeos ou a Comissão Cinematográfica Gauteng”, opinou.

Na vizinha Ruanda o setor não é “mais avançado” do que em Uganda, mas conta com “mais iniciativas que reconhecem o cinema como grande contribuinte para a economia criativa”, pontuou. A Junta de Desenvolvimento de Ruanda, país conhecido como “a terra das mil colinas”, financia o setor cinematográfico e criou Hillywood (hill, colina em inglês), o festival de cinema ruandês.

Bantulaki concorda que a criação de uma comissão cinematográfica seria uma “situação ideal” e que é algo “que estudaremos”. Mas a falta de uma comissão reguladora não fará com que Nabwana deixe de filmar. “Estamos fazendo, estamos fazendo”, disse orgulhoso. “Em outros países da África, talvez os norte-americanos cheguem com seus projetos. Mas aqui nós mesmos fazemos”, comemorou. Envolverde/IPS