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Desarmamento nuclear dá dois passos para trás

Foto: Reprodução/ Internet
Foto: Reprodução/ Internet

Moscou, Rússia, 5/9/2013 – A possibilidade de o Kremlin fazer alguma concessão em matéria de desarmamento nuclear está mais longe do que nunca, porque o presidente russo, Vladimir Putin, e seu colega norte-americano, Barack Obama, aproveitam a tensão atual entre seus países para fortalecerem suas próprias agendas políticas, segundo especialistas.

Em um discurso proferido em junho, em Berlim, Obama defendeu uma redução drástica das armas nucleares, gerando esperanças de se propor uma diminuição dos arsenais atômicos em uma cúpula prevista para 2016. O presidente norte-americano também promoveu o que será a primeira reunião de alto nível da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre desarmamento, prevista para este mês.

No entanto, como a Rússia concedeu asilo ao ex-funcionário de inteligência que revelou segredos dos Estados Unidos, Edward Snowden, levando Washington a cancelar a cúpula entre Obama e Putin, alguns analistas acreditam que a Casa Branca poderia usar esse distanciamento como pretexto para não realizar avanços em matéria de desarmamento. E o Kremlin, por certo, está mais do que contente de fazer o mesmo.

Nikolai Sokov, do Centro para o Desarmamento e a Não Proliferação, de Viena, declarou à IPS que “o que promove o desarmamento nuclear nos dois países é a política interna, não a externa. O confronto é útil para a agenda política russa, bem como para a das autoridades norte-americanas. O impasse atual serve às duas partes”. “A Rússia não tem necessidade de mudar sua posição em matéria de armas nucleares e o presidente Putin não tem absolutamente nenhuma pressão interna para fazê-lo. Não há ninguém no governo russo contra, nem mesmo em privado”, ressaltou.

Estados Unidos e Rússia controlam 90% do arsenal nuclear mundial e, desde o fim da Guerra Fria, houve vários acordos para reduzir o número de ogivas. O último chamado de Obama objetivava que os dois países reduzissem seu arsenal em um terço. Contudo, mesmo nas melhores circunstâncias, historicamente o Kremlin se mostra reticente em realizar cortes drásticos pelas diferenças de armamentos de cada um, porque teme ficar em desvantagem.

Moscou também se mostra precavida em relação aos planos de defesa com mísseis que os Estados Unidos promoveram na Europa. Por não ter garantias de que não serão usados contra a Rússia, o Kremlin hesita em realizar concessões em matéria de armas nucleares. Em declarações à televisão local, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse que só se deve considerar a redução de armas nucleares se participarem todos os países, posição defendida pelo próprio Putin.

Entretanto, as últimas tensões na relação entre os dois países dão ao Kremlin a possibilidade de se entrincheirar em sua posição e de obter rendimentos políticos com seu eleitorado. “O público russo não se opõe à atual posição antinorte-americana. Os Estados Unidos não têm uma boa imagem na Rússia agora. As pessoas observam a situação na Síria e pensam: não se pode tratar com os norte-americanos, só querem lançar bombas”, pontuou Sokov à IPS. “O público russo gosta do tom duro que está sendo usado com os Estados Unidos”, afirmou.

As últimas pesquisas de opinião mostram que os entrevistados aprovam o que fez Snowden e estão a favor do asilo concedido por Moscou a ele. As pesquisas também mostram que piora a imagem de Obama. Alguns analistas na Rússia afirmam que a posição do Kremlin em matéria de desarmamento não é nem mesmo antinorte-americana, mas simplesmente uma proteção normal dos interesses nacionais.

Tatiana Gomozova, editora de política da rádio FM Kommersant, em Moscou, disse à IPS: “Não creio realmente que a Rússia se oponha aos Estados Unidos neste assunto, só pensa em si mesma. A verdade é que o que Obama propôs em Berlim é de longo prazo. É um objetivo que nem ele mesmo pode cumprir. Foi mais uma declaração política do que um plano específico. Além disso, foi um discurso para seus aliados, mais do que para a Rússia. Embora não esteja na agenda atual de Moscou nem de Washington, não diria que algum dia a Rússia não apoiará a ideia” de uma redução drástica de armas nucleares.

Embora a grande imprensa na Rússia apoie a linha política do Kremlin sobre muitos assuntos, algumas vozes defenderam um enfoque mais conciliador de ambas as partes. Um longo editorial publicado no começo deste mês pelo jornal Nezavisimaya Gazeta, pediu urgência tanto à Casa Branca quanto ao Kremlin para trabalharem juntos pela segurança global, incluindo o desarmamento nuclear, e abrirem o caminho para uma nova comunidade internacional mais segura.

“Os problemas de desarmamento nuclear, não proliferação e prevenção do terrorismo nuclear recaem principalmente sobre nossos dois países”, dizia o editorial. “O senso comum indica que, cedo ou tarde, Rússia e Estados Unidos terão que se associar para construir um novo sistema de política internacional do século 21. É de se esperar que ocorra mais cedo do que tarde, pois o preço da demora poderá ser muito alto”, acrescentava o jornal.

Porém, os especialistas são pessimistas quanto aos dois países conseguirem avanços em matéria de desarmamento em um futuro próximo. Seria bom para as duas partes conseguir um acordo de desarmamento, mas é pouco provável que façam concessões, e não creio que aconteça nada positivo em um futuro próximo”, enfatizou Sokov. Envolverde/IPS