Arquivo

O “paraíso” recruta crianças pobres no Paquistão

O Talibã se nutre nas áreas mais pobres do Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
O Talibã se nutre nas áreas mais pobres do Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 5/9/2013 – “Me considero afortunado por ter encontrado meu filho”, disse Mohammad Jabeen, vendedor de sucos em Bannu, um dos 25 distritos da província paquistanesa de Jiber Patjunjwa. O movimento Talibã havia levado seu filho, Mateen Shah, que estudava em uma “madraza”, ou escola islâmica. Os rebeldes o treinaram para integrá-lo às suas fileiras.

Jabeen contou que seu filho tinha 16 anos quando foi sequestrado, em outubro de 2011. Os talibãs o levaram para um prédio semidestruído no Waziristão, onde o instruíram na jihad (luta). “Seus captores teriam feito uma completa lavagem cerebral em seu cérebro para que se convertesse em um atacante suicida, caso não tivesse fugido quatro meses depois”, afirmou. Os outros dois menores sequestrados com Mateen Shah continuam desaparecidos.

Meninos como Shah, que moram em áreas pobres, são os mais vulneráveis ao Talibã. A desigualdade também os afeta nisto. “Em Bannu, há mais de cem escolas religiosas que admitem filhos de famílias pobres porque os pais não têm como pagar a educação em escolas modernas”, explicou à IPS Mohammad Jamal, professor de ciências políticas no Colégio de Pós-Graduação de Bannu. Os estudantes das madrazas recebem alimentos e roupas gratuitamente.

O Talibã vem recrutando centenas de meninos em Bannu há dez anos, detalhou Jamal. O distrito fica perto da Agência do Waziristão do Norte, um celeiro do movimento extremista. Os radicais islâmicos treinam os meninos no uso de armas, os ensinam a fabricar explosivos e os convertem em atacantes suicidas, com a promessa de chegarem ao paraíso, explicou. O oficial de polícia Jalid Jan disse à IPS que o Talibã sequestrou mais de 500 crianças nos últimos cinco anos. “Cerca de 40 conseguiram fugir, mas ainda se desconhece o destino dos demais”, afirmou.

Os órfãos são os mais vulneráveis ao recrutamento islâmico, porque estão facilmente “disponíveis”. O Talibã garante não ter menores em suas fileiras, mas Jan assegurou que o movimento recruta ativamente órfãos e meninos sem família. “As pessoas bem de vida enviam seus filhos para escolas modernas para receberem educação formal. Os terroristas caçam os famintos e os treinam para instalar bombas e armadilhas nas estradas, ou para combater e praticar atentados suicidas”, acrescentou.

Fazl Hanan, morador do distrito de Lakki Marwat, contou que seu sobrinho caiu nas mãos do Talibã depois que seu pai, afundado na pobreza, lhe conseguiu trabalho em um restaurante de estrada. “Desapareceu do lugar. Falaram que costumava se reunir frequentemente com alguns talibãs. Talvez tenha decidido unir-se a eles”, ponderou. Distritos como os de Lakki Marwat, Bannu, Dera Ismail Jan e Tank estão repletos de rebeldes islâmicos. Eles se refugiam nas vizinhas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata) desde que a invasão liderada pelos Estados Unidos os desalojou do Afeganistão, em 2001.

“Todos esses distritos são terreno fértil para recrutar meninos, especialmente os que estão nas madrazas ou os que têm emprego de meio período”, observou Jan. “Os talibãs tiraram meu filho de uma oficina mecânica em março de 2011, prometendo um trabalho lucrativo”, contou à IPS Shaukat Ali, verdureiro do distrito de Charsadda. “Três meses depois, telefonou para dizer que estava no Waziristão”, acrescentou.

Jawad Ali, que na época tinha 18 anos, era seu único filho. Trabalhava na oficina mecânica para colaborar com a renda da família, de 12 membros. “Esperávamos que Jawad regressasse. Mas talibãs me informaram que havia se imolado no Afeganistão”, contou Shaukat. “O Talibã me felicitou, dizendo que Jawad tinha ido para o paraíso”, acrescentou. O jovem teria morrido em um ataque suicida contra soldados norte-americanos.

Alguns poucos meninos recrutados à força pelo Talibã conseguem escapar. Por exemplo, cerca de 20 adolescentes fugiram em grupo no dia 1º de junho de 2009. “O Talibã nos sequestrou das escolas religiosas de Dera Ismail Jan e nos manteve em um grande esconderijo feito de barro no Waziristão, onde um homem de barba longa nos dava aulas”, contou à IPS o jovem Imran Ali, de 15 anos. Ali disse que alguns meninos estavam contentes por receberem alimento sem necessidade de fazer trabalho algum. “Eu também estava feliz, mas um dos meninos nos contou que cedo ou tarde morreríamos em um atentado suicida ou em outro ataque. Então, esperamos o momento oportuno para fugir”, contou.

De muitos meninos nunca se voltou a saber nada. Abdur Rehman, de 15 anos, foi sequestrado em 2006 no distrito de Swat, em Jiber Pajtunjwa. “Como acontece com outros 200 meninos desaparecidos em Swat, ainda não se sabe nada dele”, contou à IPS seu pai, Mohammad Rehman, trabalhador da construção. “Desde que desapareceu não há nenhuma pista. Não tenho dinheiro para viajar ao Waziristão para procurá-lo”, acrescentou. Segundo o policial Jan, cerca de 400 meninos recrutados pelo Talibã foram localizados e detidos. “Foram levados a centros de internação para reabilitação. Tiveram aulas de desenho, carpintaria, etc., para que possam começar seu próprio negócio”, explicou.

Gul Mohammad, de 19 anos, é um deles. Tinha 14 quando desapareceu de Swat. Em 2010, as forças de segurança paquistanesas o encontraram e o detiveram em um acampamento para treinamento do Talibã, e acabou na prisão. “Fui trazido para cá (o centro de reabilitação) há quatro meses, estou aprendendo desenho e começarei meu próprio negócio”, disse à IPS. “Agora estou livre do Talibã, e ajudarei meus pais”, acrescentou. Porém, ainda há muitos meninos pobres no lugar de onde ele veio. E ali é onde o Talibã busca e encontra. Envolverde/IPS