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O dólar rosa é a nova moeda do turismo asiático

As lésbicas Sarah Welton e Courtney Mitchell se casam no Nepal sob a órbita da Blue Diamond Society, que promove os direitos das pessoas LGBT. Foto: Sudeshna Sarkar/IPS
As lésbicas Sarah Welton e Courtney Mitchell se casam no Nepal sob a órbita da Blue Diamond Society, que promove os direitos das pessoas LGBT. Foto: Sudeshna Sarkar/IPS

 

Kolkata, Índia, 5/9/2013 – Quando Naomi Fontanos saiu de férias em 2002, não viu pessoas transgênero em hotéis, restaurantes ou em outras empresas de Boracay, o popular destino turístico do sul de Manila, nas Filipinas. Contudo, agora percebe uma mudança. Boracay refletia “a estreiteza mental generalizada da sociedade filipina daquela época em relação a lésbicas, gays, bissexuais e transgênero (LGBT)”, disse à IPS a fundadora da Gender and Development Advocates Filipinas, uma organização de defesa dos direitos das pessoas transgênero em seu país. “Muitos nunca haviam visto uma mulher transgênero”, observou.

Porém, na última década, mudanças importantes transformaram os destinos turísticos. Ao voltar à ilha, em novembro de 2012, Fontanos viu hasteada em seu hotel uma bandeira com as cores do arco-íris, sinal de boas-vindas a turistas LGBT. Outros estabelecimentos também se promoveram como amigáveis com os homossexuais. Tris Reid-Smith, diretor e editor do Gay Star News, um site de notícias sobre questões LGBT em todo o mundo, também observou mudanças em Londres. Ele está reformando a seção de viagens de seu site para aproveitar a crescente importância dos “dólares rosa” na indústria turística.

“As pessoas LGBT viajam mais, saem mais de férias”, disse Reid-Smith à IPS. “Com a recessão na Europa e América do Norte, as famílias heterossexuais têm dificuldades para viajar de férias se precisam atender suas prioridades econômicas como alimentação, calefação, educação dos filhos. Já as famílias LGBT são menores, e viajar é mais acessível para elas”, acrescentou. Esta mudança econômica ajudou a indústria de viagens a perceber que, se quisesse melhorar sua margem de lucro, deveria cortejar este segmento cada vez mais importante.

Em razão das promoções para atrair visitantes da Austrália e da China, dois de seus maiores mercados turísticos, a Tourism New Zealand (TNZ), a organização responsável por “vender” a Nova Zelândia como destino de viagens, agora se centra neste setor desatendido. O disparador é a nova Lei de Emenda Matrimonial, que legalizou os casamentos entre pessoas do mesmo sexo nesse país a partir de 19 de agosto.

No dia anterior, foram baixados da internet mais de mil formulários matrimoniais, triplicando a média habitual, segundo o Departamento de Assuntos Internos da Nova Zelândia. A TNZ organizou um desses casamentos por meio de concurso. Venceu o casal gay australiano formado pelo veterinário Paul McCarthy e seu noivo Trent Kandler. Por sua vez, a empresa aérea nacional Air New Zealand patrocinou o casamento a bordo de um de seus aviões das lésbicas Lynley Bendall e Ally Wanika, de Auckland.

As reformas legais e a defesa dos direitos dos homossexuais por líderes como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o papa Francisco, também estimulam o turismo rosa. “Nos últimos tempos, muitos países aprovaram o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo”, apontou Reid-Smith, entre eles “Grã-Bretanha e alguns Estados norte-americanos. Na Ásia, é debatido na Tailândia e no Vietnã. Na Índia são questionadas as leis coloniais” contra a homossexualidade. “Tudo isto fez a comunidade acreditar que o governo e a sociedade estão de seu lado”, acrescentou.

Há uma década, muitos hotéis se negavam a ceder quartos com camas duplas a casais do mesmo sexo, que tinham que suportar a discriminação. “Mas agora, com leis que os reconhecem como 100% iguais a outros cidadãos, os casais gays esperam mais respeito”, destacou Reid-Smith. A internet e as redes sociais tiveram um papel fundamental. “Os meios sociais permitiram às pessoas descobrirem o que acontece no mundo, e comentar. Isto criou relações, confiança e uma comunidade global contra a homofobia”, afirmou.

Quando o ativista gay Eric Ohene Lembembe foi assassinado, em julho em Camarões, houve protestos em Londres. E quando o governo da Rússia exibiu suas inclinações anti-homossexuais, surgiram vozes vindas de diferentes partes do mundo, pedindo um boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno 2014, que acontecerá na cidade russa de Sochi.

“É importante que a comunidade LGBT mostre que está disposta a boicotar acontecimentos, países ou indivíduos homofóbicos”, opinou à IPS a ativista Jean Chong, fundadora da Sayoni, uma plataforma para mulheres lésbicas, bissexuais, queer e transgênero, com sede em Cingapura. “Podemos levar nosso dinheiro para outro lugar, e podemos escolher”, afirmou.

Cingapura é vista como mais tolerante do que seus vizinhos Malásia, Indonésia e Brunei, de maioria muçulmana. É anfitriã de festivais de cinema gay e sua reunião anual de gays Pink Dot reuniu este ano 21 mil pessoas. Também ali o opositor Vincent Wijeysingha pôde se converter no primeiro político a “sair do armário”. De todo modo, tem leis que penalizam as relações sexuais entre homens e desestimulam o turismo. Ainda existe a vigilância e a censura, e é pouco frequente o patrocínio de acontecimentos gays.

“Os turistas gays não confiarão em países que não lhes derem as boas-vindas, porque neste momento há muitas outras opções”, indicou Chong. “As políticas discriminatórias também criam um obstáculo para acontecimentos que buscam criar consciência e abastecer a comunidade LGBT”, acrescentou.

Os direitos dos gays estão profundamente influenciados pela forma como estas comunidades são tratadas na Índia e na China, os dois gigantes asiáticos com uma população combinada de 2,5 bilhões de pessoas, observou Sunil Babu Pant, fundador do movimento dos homossexuais do Nepal. Este país, outrora um reino hindu conservador fechado ao mundo exterior, reconheceu os homossexuais como “pessoas naturais” em 2008. O Supremo Tribunal pediu ao governo que legislasse para proteger seus direitos e permitir casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Pant acredita que China e Índia, vizinhos do Nepal, estão ficando para trás. A China deixou de assinalar a homossexualidade como uma doença mental em 2001, e as demonstrações públicas de afeto entre gays são vistas com indulgência durante o festival de Qixi, paralelo ao chinês Dia de São Valentin. Mas o Festival de Cinema Queer de Pequim tem sido reiteradamente fechado pelo Estado. E, embora Xangai, a capital comercial, realize um festival gay anual desde 2009, ainda não são permitidas as marchas públicas.

Na Índia, aumentou a aceitação social desde 2009, quando o Supremo Tribunal revogou parte de uma lei anti-homossexual que convertia em delito penal as relações sexuais entre homens “Vemos mais pessoas gays saindo do armário, uma vibrante vida noturna gay e marchas do orgulho gay em cidades importantes”, contou Suraj Laishram, assessor turístico na Indjapink, uma agência de viagens gay com sede em Nova Délhi. Porém, ainda não é suficiente. Envolverde/IPS