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Fraturas da Somália são difíceis de soldar

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Somalianos se manifestam pela paz em Mogadíscio. Foto: Ahmed Osman

Mogadíscio, Somália, 10/9/2013 – Atores políticos importantes boicotaram a conferência nacional realizada na Somália para discutir o futuro político do país, afirmou o analista político Jaylani Mujtar. “Creio que os somalianos concordam em muitas coisas sobre seu futuro, mas a questão do federalismo é o maior obstáculo que o país enfrenta, gerando muito debate durante a conferência”, pontuou o especialista à IPS.

No dia 2, o Governo Federal da Somália lançou uma conferência de cinco dias para discutir assuntos estratégicos do país, entre eles a implantação do sistema federalista, a reforma da Constituição e a realização de eleições em 2016. Contudo, do encontro não participaram representantes dos Estados separatistas desta nação do Chifre da África. O Estado semiautônomo de Puntlandia anunciou que não participaria do encontro e acusou o governo federal de “manipular” a Constituição.

O ex-presidente interino Mohammad Osman Jawari rechaçou essas acusações. A república separatista de Somalilandia, no noroeste, tampouco enviou representação oficial à conferência. Porém, Mohammad Jama, um dos organizadores, declarou que a conferência, na realidade, tinha o objetivo de reunir todos os Estados e também “especialistas e a intelectualidade nacional” para analisar e traçar o rumo do país.

“Nunca se pretendeu que este fosse um encontro onde vários grupos, sejam Estados regionais ou facções políticas, apresentassem suas posturas, mas que fosse uma plataforma para que especialistas, intelectuais e público em geral discutissem e debatessem a direção política futura”, explicou Jama à IPS. E acrescentou que, uma vez concluído o debate, os participantes da conferência apresentariam uma série de recomendações ao governo.

A implantação do federalismo continua sendo o principal ponto de atrito. Muitos acreditam que dar certa autonomia aos Estados, enquanto continuam submetidos à autoridade de um governo central, é a única forma de solucionar duas décadas de guerra civil. Porém, outros afirmam que esse sistema só agravaria o conflito e desencadearia a criação de vários miniestados governados por clãs.

Segundo um acordo entre o Governo Federal de Transição, que concluiu seu mandato em agosto de 2012, e os Estados e facções locais do centro e sul do país, seria adotado o federalismo como sistema. Entretanto, Mujtar apontou que esse acordo foi concretizado entre líderes políticos, sem consulta ao povo somaliano. O acadêmico destacou que um tema de caráter institucional deve ser votado pela população.

Por sua vez, o especialista político Ahmed Daahir, da cidade de Bossaso, em Puntlandia, norte do país, argumentou que o federalismo poderia ser uma forma adequada de aproximar o governo do povo. “Fomos governados diretamente por Mogadíscio durante anos, desde a independência, e isso trouxe a destruição e o colapso do Estado. Então, o que as pessoas dizem é que se deve dar mais poder aos cidadãos por meio de Estados federados”, afirmou à IPS.

O último Estado a se separar foi o de Jubalandia, no sul. No dia 15 de maio, a milícia local Ras Kamboni elegeu Ahmed Mohammad Islã, mais conhecido como xeque Madobe, líder do grupo e presidente de um autodeclarado Estado regional autônomo no sul, ao qual deram o nome de Jubalandia e estabeleceram a capital na cidade de Kismayo.

Entretanto, o governo central somaliano se negou a reconhecer essa jurisdição, que compreende três regiões do sul: Gedo, Baixo Juba e Juba Médio. Os milicianos argumentaram que a Constituição lhes dava o direito de formar o Estado, mas o governo disse que este não incluía todos os clãs da área, e alertaram que isso pode derivar em um conflito e em mais derramamento de sangue.

Após a mediação da Etiópia, o governo conseguiu um acordo com líderes locais para estabelecer uma administração interina de dois anos nessa região. O acordo supõe uma dura prova para o governo. O sistema federal é rejeitado por muitos clãs de Jubalandia, que não estiveram representados nas conversações de paz. Muitos consideram que o governo, de fato, entregou o controle da região à Ras Kamboni, ignorando o direito de outros clãs.

“O Acordo de Addis Abeba demonstrou que, para alguns, federalismo significa criar um miniestado para um clã dentro da Somália, inclusive à custa e excluindo outros”, opinou Mujtar, acrescentando que outros Estados “cresceram naturalmente” na Somália, como Somalilandia e Puntlandia. Outros Estados somalianos autoproclamados autônomos são Galmudug, Himin e Heeb, no centro do país.

Daahir teme que o debate ocorrido na conferência possa agravar ainda mais a desconfiança entre os diversos clãs e facções. “O que mais precisamos hoje na Somália é de uma genuína e real reconciliação para curar as feridas das três últimas décadas. Só então teremos uma plena discussão sobre o futuro do país”, ressaltou. Envolverde/IPS