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Tribunal para genocídio ruandês desenterra uma verdade parcial

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Sobreviventes do genocídio exumam os corpos de seus familiares assassinados em 1994. Foto: Edwin Musoni/IPS

Arusha, Tanzânia, 10/9/2013 – Inúmeros analistas reconhecem os êxitos alcançados pelo Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR), que concluirá sua missão no final de 2014, após várias prorrogações, mas também acreditam que não cumpriu totalmente seu mandato. O TPIR, com sede em Arusha, na Tanzânia, foi criado em 1994 para processar os responsáveis pelo genocídio de Ruanda ocorrido naquele ano.

O genocídio deixou cerca de 800 mil mortos, especialmente tutsis, segundo dados oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU). Faltando um ano e meio para terminar seu trabalho, o Tribunal já processou 75 pessoas, condenou 46 e absolveu 12. Dos 46 condenados, 17 esperam uma decisão da Câmara de Apelações, embora a maioria destas instâncias esteja bastante avançada.

A organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, é observadora regular do trabalho do TPIR, que começou efetivamente em 1997. Carina Tertsakian, pesquisadora da divisão África da HRW, destacou o “importante papel” desempenhado pelo TPIR no processo dos responsáveis pelo genocídio dos tutsis em Ruanda. Segundo ela, o sistema de justiça ruandês não poderia deter figuras do antigo regime do país.

Entretanto, Tertsakian também reconhece algumas debilidades do Tribunal. “Acreditamos que um dos principais pontos fracos do TPIR é que não abriu um só caso por crimes de guerra cometidos por membros do ex-grupo rebelde Frente Patriótica Ruandesa (FPR), apesar de ser parte de seu mandato”, apontou à IPS. “Há provas de crimes cometidos por soldados da FPR, e é uma parte importante do mandato do TPIR que não foi realizada”, ressaltou.

Em Kigali, os sobreviventes do genocídio, que criaram o grupo Ibuka (“recorda”, em língua kinyarwanda), agradecem ao Tribunal a forte mensagem que enviou aos responsáveis pelas matanças, especialmente aos que ainda estão fugitivos. E também expressaram reservas. “O TPIR se preocupa, o que é motivo de comemoração. No entanto, não é muito se pensarmos em todos os meios que tem à sua disposição”, pontuou Naphtal Ahishakiye, secretário-executivo do Ibuka.

Ahishakiye também disse se sentir consternado por ainda haver nove responsáveis fugitivos, entre eles o multimilionário Félicien Kabuga, considerado o principal fornecedor de fundos para o genocídio. Segundo o porta-voz do TPIR, Roland Amoussouga, o trabalho do Tribunal consumiu US$ 1,6 milhão até 31 de dezembro de 2011.

O Ibuka também questionou algumas sentenças. “Em numerosos casos o Tribunal absolveu ou deu sentenças muito indulgentes, apesar das provas sólidas apresentadas”, lamentou Ahishakiye, que também acredita que o TPIR “não contribuiu praticamente em nada com a reconciliação” em Ruanda.

“O TPIR, e em particular a Câmara de Apelações, absolveu nos últimos meses vários membros do gabinete, muitos dos quais haviam recebido uma dura condenação em primeira instância”, protestou o diplomata ruandês Olivier Nduhungirehe, em um debate sobre a justiça penal internacional, organizado pela ONU em 21 de junho. Funcionários do TPIR se negam a realizar comentários sobre as críticas “puramente políticas”.

A oposição ao governo ruandês também se queixa do trabalho do TPIR. As Forças Democráticas Unidas, partido fundado no exílio que atualmente tenta seu registro em Ruanda, afirma que o principal fracasso do tribunal de Arusha é não ter buscado os responsáveis pelo atentado contra o avião em que viajava o então presidente Juvenal Habyarimana, derrubado por um míssil em 6 de abril de 1994.

“A falta de vontade para processar os responsáveis pelo atentado que desatou o genocídio é uma enorme falha. Está claro que houve pressão política de alguns setores”, afirmou, da Bélgica, Jean-Baptiste Mberabahizi, porta-voz do partido. “É a justiça do vencedor sobre o vencido”, opinou.

O acadêmico francês, especialista na região dos Grandes Lagos, André Guichaoua, afirmou que “a análise dos êxitos qualitativos e quantitativos do TPIR poderão ser controversos, mas o Tribunal marcou um caminho”. E ressaltou que “a promotoria, os juízes e seu pessoal processaram os principais arquitetos do genocídio, criaram jurisprudência e fixaram padrões em matéria de justiça e verdade”.

Guichaoua, testemunha especialista em vários casos do TPIR, reconheceu que o Tribunal “priorizou o processo e julgamento dos arquitetos do genocídio contra” os tutsis. No entanto, não processar os membros das hoje dissolvidas forças rebeldes, responsáveis pelos crimes cometidos em 1994 e atualmente no governo, “prejudica a credibilidade do Tribunal, o alcance de suas sentenças, o conhecimento da verdade e a compreensão do ocorrido”, ressaltou à IPS.

Guichaoua acredita que os diferentes promotores do Tribunal, com o consentimento do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), sucumbiram à pressão de Kigali. Por isso, ele afirma que a missão do TPIR não foi totalmente cumprida. O mandato do Tribunal caducava no final de 2008, mas suas autoridades pediram prorrogação até finais de 2009. No final de 2010, o Conselho de Segurança aprovou uma resolução que estendeu até fim de 2014 o prazo para o TPIR encerrar sua missão. Envolverde/IPS