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Cada gota conta quando a água escasseia

As secas chamuscaram algumas partes da zona seca do Sri Lanka e devastaram os cultivos. Foto: Photostock
As secas chamuscaram algumas partes da zona seca do Sri Lanka e devastaram os cultivos. Foto: Photostock

 

Uxbridge, Canadá, 12/9/2013 – O esgoto pode ser uma solução diante das secas e da escassez crônica de água, que segundo vários especialistas terão um papel significativo, por exemplo, na instabilidade reinante em boa parte do Oriente Médio. A demanda por água já excede a oferta em regiões onde habitam mais de 40% da população mundial. A proporção de pessoas afetadas pode chegar a 60% na próxima década, segundo um estudo.

“As regiões onde escasseia a água não podem cultivar o suficiente para alimentar sua própria população”, apontou o coautor da pesquisa, Manzoor Qadir, do Instituto para a Água, o Meio Ambiente e a Saúde, da Universidade das Nações Unidas, com sede no Canadá. Cerca de 70% da água doce do mundo – e até 95% em alguns países – é usada para irrigação. Há intensa competição por este recurso entre seus usos municipal, industrial e agrícola. Cada vez mais a agricultura sai perdendo, particularmente em regiões com escassez, afirmou Qadir à IPS. Entre 2006 e 2011, até 60% da terra na Síria experimentou a pior seca de sua história, bem como uma série de perdas de cultivos.

Em 2009, a Organização das Nações Unidas (ONU) informou que mais de 800 mil sírios perderam seus meios de sustento e fugiram para as cidades em consequência da falta de água. Toda a região do Mediterrâneo atravessa uma prolongada seca vinculada à mudança climática, segundo estudo do Escritório Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica (NOAA) dos Estados Unidos. Se as emissões de carbono, que alteram o clima, continuarem no ritmo atual, a situação vai piorar e se prolongar na região.

Com a queda no fornecimento hídrico, muitas regiões usam esgoto urbano, um recurso muito valioso se tratado adequadamente, afirma o estudo Global, Regional, and Country Level Need for Data on Wastewater Generation, Treatment, and Use (Necessidade de Dados Sobre Geração, Tratamento e Uso de Águas Residuais nos Níveis Mundial, Regional e Nacional), publicado no dia 5 na revista Agricultural Water Management. Trata-se do primeiro estudo com foco em como é usado o esgoto em 181 países. Uma das principais conclusões é que apenas 55 nações possuem bons dados.

Sintetizando a informação disponível, pesquisadores descobriram que os países de alta renda tratam 70% de seu esgoto, enquanto os de renda média tratam entre 28% e 38%. Apenas 8% do esgoto gerado em países de baixa renda recebe algum tipo de tratamento. “Desde tempos mais remotos, a maior parte do esgoto foi realmente desprezada. Porém, este é um vasto recurso se for tratado adequadamente, o que inclui separar o esgoto municipal e o das indústrias”, afirmou o diretor do Instituto para a Água, o Meio Ambiente e a Saúde, Zafar Adeel.

O volume de esgoto potencialmente disponível a cada ano em todo o mundo equivale ao caudal que flui do rio Mississippi para o Golfo do México no período de 14 meses, destacou Adeel à IPS. Em países pobres com escassez hídrica, o esgoto é usado amplamente para irrigar terras agrícolas. Alguns estimam que em 300 milhões de hectares produzem 10% dos alimentos do mundo, segundo o estudo. Porém, há poucos dados para confirmar isto. Muitos países têm um “segredo sujo”: boa parte dos alimentos consumidos em áreas urbanas é cultivada com água de esgoto sem tratamento.

Essas águas são valiosas porque têm um elevado nível de nutrientes, incluindo potássio, nitrogênio e fósforo, o que elimina a necessidade e o custo dos fertilizantes. Entretanto, o esgoto não tratado pode transmitir doenças como o cólera. O Chile registrou focos dessa doença e proibiu o uso de esgoto não tratado em 1992. Focos de doenças gerados a partir desse tipo de líquido “ocorrem, mas raramente isto é citado como a causa” do problema, advertiu Qadir.

Um motivo é que são feitos poucos estudos. Há poucos anos, Qadir e seus colegas descobriram maiores proporções de enfermidades originadas da má qualidade da água, como gastroenterite em crianças do Mediterrâneo que comiam alimentos cultivados com esgoto não tratado. Na década de 1990, as exportações de frutas e verduras da Jordânia estiveram proibidas por motivos semelhantes. Desde então, esse país implantou uma campanha agressiva para reabilitar e melhorar as estações de tratamento de esgoto e introduziu padrões.

“Israel emprega quase cada gota de seus esgotos com fins específicos determinados pela qualidade”, indicou Qadir. Muitas casas no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, têm sistemas separados de águas negras e águas cinzas. Estas últimas, derivadas do chuveiro e da lavagem da louça da cozinha, são reutilizadas para regar gramados e jardins, segundo o informe. As pessoas costumam ser reticentes a comerem alimentos cultivados com o uso de esgoto, mas é perfeitamente seguro se for tratado adequadamente, enfatizou Qadir. “Infelizmente, muitos países não consideram que o tratamento da água seja uma prioridade”, acrescentou. Envolverde/IPS