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Gays paquistaneses obrigados a viver atrás de fachadas

Um mural do artista paquistanês Asim Butt. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS
Um mural do artista paquistanês Asim Butt. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

Carachi, Paquistão, 1/10/2013 – O paquistanês Sameer* é pai de dois filhos e já tem mais de 50 anos. Há três, após mais de duas décadas de casamento e simulações, decidiu sair do armário. Agora vive com Ahmed*, um aspirante a cantor que tem a metade de sua idade. Sameer disse que chegou a um ponto em que sua vida de “mentiras e mais mentiras” se tornara asfixiante. “É como se tivesse tirado um peso de cima. Finalmente posso ser eu mesmo”, declarou à IPS este empresário de Carachi.

É difícil precisar números, mas o Paquistão conta com uma considerável população de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT). Um site da comunidade tem 25 mil membros registrados de todo o país, dos quais 8.500 são de Carachi. “Naturalmente, entre estes figuram apenas os que manejam tecnologia” informatizada, disse Akbar*, médico de 36 anos que mantém uma relação com Alí*, de 31, publicitário. “Deve haver muitos que não sabem usar computadores ou preferem continuar no armário”, observou Akbar à IPS.

A conservadora lei paquistanesa, influenciada pela fé muçulmana, considera a homossexualidade um pecado. O Artigo 377 do Código Penal castiga os atos “contra a ordem da natureza” com até dez anos de prisão e multa. Mas ainda não há casos de condenação. A sociedade em geral é mais tolerante, desde que os homossexuais mantenham as aparências. “Muitos ministros participam de atos homossexuais. Eu mesmo recebi suas atenções”, garantiu Ahmed.

Talvez por isso os gays com os quais a IPS conversou não tenham se lembrado de terem sofrido ou presenciado atos de homofobia. “Enquanto você permanecer no armário e não exigir seus direitos, estará seguro”, pontuou Akbar. Porém, a pressão para ser discreto é muito forte e os homossexuais se sentem podados em suas liberdades. “Nem  mesmo podemos deixar que nos vejam juntos em um café, não há espaços públicos onde possamos ser nós mesmos”, lamentou Sameer.

Existem várias zonas de Carachi conhecidas por serem pontos de encontro de homossexuais, como os arredores do mausoléu de Abdalá Shah Ghazi, patrono da cidade, e os jardins do Frere Hall, histórico prédio da época colonial britânica. Os gays com mais dinheiro viajam para o exterior e organizam festas privadas. Os e-mails e os programas de bate-papo também facilitaram os encontros. “Agora podemos nos reunir somente apertando um botão”, disse Akbar.

Entretanto, as relações homossexuais estáveis são mais complicadas, e não necessariamente incluem fidelidade. Embora Sameer e Ahmed jurem amor mútuo, não definem sua relação como monógama. “Em nossa comunidade todos têm sexo com outros”, explicou Sameer.

Akbar também admitiu que pode ter relações casuais com outras pessoas apesar de estar “apaixonado por Alí”, acrescentando que “pelo menos não enganamos nossos parceiros, como fazem alguns homens heterossexuais. Quase todos os homens heterossexuais casados que conheço têm uma relação extraconjugal. Não têm reparos em serem infiéis desde que tenham a oportunidade e não sejam descobertos”.

A IPS consultou um banqueiro heterossexual casado, que pediu para não ser identificado, sobre sua opinião a respeito, e ele respondeu: “Fico surpreso que estas pessoas, que se queixam de serem reprimidas pela sociedade, pareçam ser tão moralistas conosco quanto somos com elas”. Por outro lado, Alí Aamir, profissional das finanças, admitiu que pode haver certa verdade nas palavras de Akbar. “A sociedade e a religião deram ao casamento um caráter sagrado, mas por trás dessa fachada tudo pode acontecer”, afirmou à IPS.

Ahmed contou que conhece muitas pessoas que mantêm uma fachada de vida matrimonial tradicional e têm um amante do mesmo sexo. Ele mesmo disse estar aberto à ideia de formar um casamento heterossexual. “A vasta maioria dos casamentos no Paquistão é acordada, não foi construída com base no amor. Eu seria honesto sobre minha orientação sexual antes de casar”, acrescentou.

De acordo com Ahmed, muitas mulheres amigas não rejeitam a ideia de se casar com um homem homossexual. “Conheço muitos gays que tratam bem suas esposas, e inclusive desempenham bem na cama”, comentou. “Na verdade, estamos muito em harmonia com as necessidades das mulheres, e, portanto, podemos ser melhores maridos”, ressaltou. No entanto, enquanto Ahmed está disposto a levar essa vida dupla, Sameer vê o casamento como uma prisão.

É mais fácil ter uma relação homossexual quando se é jovem, disse Sameer. “Ir à escola masculina, ter amigos homens, ou mesmo passar a noite com eles nunca chama a atenção. Só quando se chega à idade de se casar é que começa a pressão. Mesmo quando a família já sabe, tenta te pegar e pensa que o casamento vai te curar do que pensam ser uma fase passageira”, argumentou Akbar.

Akbar também se sente frustrado porque, embora mantenha uma relação com Alí há oito anos, não pode torná-la pública, ainda que sua família tenha aceitado sua orientação sexual. “Estou cansado de dizer que é meu primo, meu amigo. Quero dizer ao mundo que somos um casal”, afirmou.

A situação se complica mais quando se trata de fazer um seguro ou obter cobertura médica, com descobriu Akbar quando tentou comprar um seguro de vida e lhe disseram que não poderia incluir Alí como beneficiário. “Tinha que ser um familiar de sangue ou uma esposa”, explicou. “Hoje os gays no Ocidente exigem direitos iguais para casais do mesmo sexo. No Paquistão falta muito para se chegar a isso”, opinou Jumana*, consultora em desenvolvimento. Mas “o fato de pelo menos estarem dispostos a falar publicamente sobre suas dificuldades é um primeiro e valente passo”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS

* Os nomes são fictícios.