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Revolução egípcia gera um auge de fecundações in vitro

Uma clínica de fertilização no Cairo. Foto: Rachel Williamson
Uma clínica de fertilização no Cairo. Foto: Rachel Williamson

 

Cairo, Egito, 4/10/2013 – O jovem casal que chegou à clínica de fertilidade do médico Bassem Elhelw sabia exatamente o que queria: ter filho homem por meio da fecundação in vitro (FIV). Após apenas quatro meses de casamento, já tinham bastante experiência nisso. Já haviam falado com outros dois médicos especialistas em fertilização, e a jovem se submetera a duas induções de ovulação.

Elhelw disse que se tivesse sido aconselhado a ter paciência e tentar procedimentos menos invasivos antes de optar pela FIV, o casal teria conversado com um quarto médico. As técnicas de reprodução assistida (TRA) estão no auge no Egito. Segundo especialistas como Elhelw, este se converteu em um campo promissor para médicos que querem fazer muito dinheiro.

Os tratamentos de FIV aumentaram significativamente desde a revolução de janeiro de 2011. Com a queda de Hosni Mubarak (1981-2011) acabaram muitas restrições para a publicidade na televisão, e por isso clínicas de FIV no Cairo e na cidade de Alexandria podem promover melhor seus serviços. Elhelw observou que agora os comerciais de longa duração na TV podem ser vistos em províncias rurais antes isoladas, e isso gerou expectativas enormes sobre o que as TRA podem propiciar.

Além dessas mudanças específicas, trabalhadores da saúde consideram que a revolução de 2011 e a instabilidade criada desde então também geraram uma nova dinâmica. “Creio que a mudança agora é a atitude em relação à infertilidade”, afirmou Elhelw à IPS. “As atitudes mudaram porque nos últimos dois anos as coisas aconteceram muito rapidamente. O ritmo de vida no Cairo costumava ser muito lento”, acrescentou.

A contagem de esperma dos egípcios é baixa, como documentou a pesquisadora Marcia Inhorn, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em seu estudo de 2004 As Masculinidades do Oriente Médio na Era das Novas Tecnologias Reprodutivas: A Infertilidade Masculina e o Estigma no Egito e Líbano. Além disso, a prevalência da síndrome de ovário policístico entre as mulheres do Oriente Médio é superior à média, e a obesidade tem uma grande incidência na infertilidade das egípcias, detalhou Inhorn à IPS. E esses problemas se exacerbam desde a revolução, segundo pessoal da área médica.

O desemprego e as tensões sociais geraram uma rápida mudança nos costumes. Os homens e as mulheres jovens passam mais tempo em cafés fumando shisha (narguilé), permanecendo por longas horas em ambientes cheios de fumaça. O tabaco é uma conhecida causa de infertilidade. “O tabaco é hematotóxico. Não é bom para a qualidade do esperma”, explicou Inhorn, acrescentando que pelo menos 50% dos homens no Oriente Médio fumam.

Ashraf Sabry, diretor de três clínicas de fertilidade no Cairo, disse que entre 60% e 70% dos casos que atende são de homens inférteis. O médico atribui isto, em parte, ao consumo de cigarro e outro tanto ao fato de os jovens passarem mais tempo em cafés de narguilé. Hoje “é muito fácil fumar. Estes jovens ficam mais tempo nesses cafés, podem fumar dois ou três narguilés cada vez”, afirmou. Agora funcionam muitos cafés sem licença, e seus proprietários permitem que moças e rapazes passem longas horas ali, ressaltou.

Esses fatores estão fazendo com que cada vez mais egípcios busquem ajuda médica para conceber, segundo pessoal da saúde. “O que vemos é que o número de casais que vem em busca de um tratamento para a infertilidade masculina está crescendo”, disse Gama Serour, diretor da Unidade de FIV da Universidade Al Azhar, do Cairo, e especialista em direito reprodutivo islâmico. Ele acrescentou que a infertilidade masculina e feminina afeta entre 10% e 15% dos casais egípcios.

Desde a queda de Mubarak, não houve tentativas por parte do governo para regular os tratamentos médicos. Um projeto de lei apresentado em 2010 para regulamentar certos aspectos da FIV, com escolha do sexo do bebê, ficou pelo caminho. Mohammad Fathalla, porta-voz do Ministério da Saúde, se recusou a informar se o governo estuda adotar uma legislação para controlar os centros de fertilidade. O setor é supervisionado apenas pelo Ministério e pelo Sindicato Médico Egípcio, e teoricamente se guia pela lei islâmica.

Enquanto o governo se foca em outros problemas, as más práticas florescem. Os pacientes se submetem a procedimentos caros e desnecessários. Às vezes recebem um tratamento completo de FIV quando bastaria uma regulação hormonal. Elhelw indicou que atendeu muitas mulheres prejudicadas fisicamente por outros médicos, mas reconheceu que esses casos não são muito comuns.

Por sua vez, Sabry disse que atendeu “muitas” egípcias afetadas física, mental e financeiramente por médicos imprudentes. “Ficaria feliz com uma regulação maior. Esses aventureiros estão prejudicando nosso negócio”, protestou. Sabry acrescentou que sua clínica não aceita doação de óvulos. Esta prática é proibida pela lei islâmica, embora a FIV a aceite.

A fecundação assistida foi introduzida no Egito em 1986, quando foi criada uma série de pautas de acordo com a fé islâmica para implantá-la. Desde então, os pedidos para que sejam registradas as clínicas, designado um supervisor nacional e elaborada uma lei que as regule caíram em ouvidos surdos, enquanto os egípcios se focam em outros temas políticos e sociais mais preocupantes. Portanto, não se conhece o número preciso de clínicas de fertilidade que funcionam no país e dos médicos que nelas atendem.

Ragaa Mansour, um dos pioneiros da fecundação assistida neste país e diretor do Egyptian IVF&ET Centre, afirmou à IPS que “não há um credenciamento nacional específico para a FIV e não existe órgão que supervisione a prática em cada centro” de fertilização. Outros, como Serour, não creem que seja necessária uma legislação, pois isso inibiria a flexibilidade em relação às novas tecnologias.

O custo de um tratamento básico de FIV varia entre US$ 870 e US$ 1.740. Para escolher o sexo do bebê o preço sobe para US$ 3,6 mil e US$ 4,3 mil. Isto é bastante acessível segundo os padrões do Norte industrializado, mas não no Egito, onde o salário mínimo equivale a US$ 105. Contudo, os casais tentam conseguir o dinheiro de alguma forma, afirmou Sabry. “É fácil para os ricos, mas a fertilidade é tão importante para todos os egípcios que os pobres pedem dinheiro para fertilização”, destacou. Envolverde/IPS