Arquivo

Acordo para reduzir emissões de mercúrio

O diplomata uruguaio Fernando Lugris conduziu bem as negociações para a Convenção Minamata sobre Mercúrio. Foto: Ministério de Relaciones Exteriores do Uruguai.

 

Genebra, Suíça, 21/1/2013 – A comunidade internacional adotou, no dia 19, um tratado que obrigará os países signatários a prevenirem as emissões de mercúrio, metal que prejudica a saúde humana e também os ecossistemas dos quais dependem. O mercúrio também é uma neurotoxina que afeta os rins e muitos sistemas corporais, como o nervoso, cardiovascular, respiratório, gastrointestinal, hematológico, imunológico e reprodutivo.

A denominada Convenção Minamata sobre Mercúrio, que dispõe medidas de controle e redução do uso de produtos e processos que empregam esse metal, foi aprovada por representantes de mais de 140 governos, será assinada em setembro e entrará em vigor após ser ratificada por 50 países. As disposições do acordo assinado em Genebra proibirão até 2020 a produção, exportação e importação de alguns produtos que contêm mercúrio.

A proibição alcançará diferentes tipos de pilhas, alguns tipos de lâmpadas fluorescentes, bem como sabões e cosméticos, alguns instrumentos médicos não eletrônicos, como termômetros e aparelhos de medição da pressão arterial. O tratado exclui a proibição de outros elementos que até agora careçam de substitutos livres de mercúrio, com as vacinas em que o metal é usado para sua preservação e outros empregados em atividades religiosas ou tradicionais.

As negociações da Convenção Minamata sobre Mercúrio, que leva o nome de uma região do Japão onde as emissões desse metal causaram graves danos humanos e ambientais no século 20, foram presididas pelo diplomata uruguaio Fernando Lugris, assessorado por técnicos do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma) e, em particular, por seu diretor executivo, Achim Steiner. Lugris que levou a bom porto quatro anos de negociações, reconheceu à IPS sua satisfação pelo acordo alcançado, durante entrevista concedida ao final dos trabalhos.

IPS: Que balanço faz deste processo?

FERNANDO LUGRIS: Creio que chegamos a um nível de ambição alto, onde as medidas de controle, sobretudo para regular as emissões de mercúrio no ar, no solo e na água, são realmente audaciosas. Poderemos obter reduções em nível global que serão muito importantes.

IPS: A quais tipos de emissões se refere o texto?

FL: Esse tratado não busca reduzir as emissões que são naturais, porque o mercúrio é um elemento da natureza que se encontra presente no planeta, mas tentamos reduzir aquelas emissões antropogênicas, geradas pelo uso em produtos ou processos do homem, e buscamos alternativas para sua substituição.

IPS: O convênio afetará a situação dos países?

FL: Basicamente, o tratado busca não impor limites ao desenvolvimento dos países, mas orientar para um desenvolvimento sustentável que faça justamente com que os processos e os produtos no futuro sejam livres de mercúrio, isto é, buscar alternativas sustentáveis para eles.

IPS: Representantes de organizações não governamentais questionaram as decisões aprovadas, por entenderem que são insuficientes para reduzir as emissões mundiais de mercúrio e que, inclusive, podem chegar a provocar um aumento da contaminação por esse metal.

FL: Digo que a sociedade civil tem que manter sua voz reclamando que os governos realizem esforços maiores e esse tratado é um ponto de partida muito importante. Até ontem não havia um esforço da comunidade internacional de caráter vinculante. Hoje contamos com ele. Contudo, este esforço poderá ser reforçado com ações futuras por meio da evolução do próprio tratado em sua conferência das partes.

IPS: Coube ao senhor durante as negociações lidar com a divisão Norte-Sul que caracteriza a maioria dos debates multilaterais.

FL: Em alguns assuntos a divisão Norte-Sul continua existindo. Mas em outros já percebemos que o mundo está mudando. Claramente isto se vê na questão das emissões aéreas, onde países como China e Índia são os grandes emissores na atmosfera pela combustão de carbono para a geração de energia. Na mesma linha se encontram Estados Unidos e União Europeia. E ficou muito claro que, nas discussões pelas reduções aéreas, o pacote negociador foi se estabelecendo entre os grandes emissores.

IPS: Notou algum outro agrupamento de países durante as negociações?

FL: Sim, nas liberações de mercúrio na água vimos que os países em desenvolvimento, especialmente da África e América Latina, apresentam uma realidade claramente similar, e que a necessidade maior é buscar cooperação e poder ajudar as populações vulneráveis.

IPS: O que ocorreu com a iniciativa sobre a questão da saúde do grupo de países da América Latina e do Caribe?

FL: O Chamado Grulac buscou introduzir claramente o tema saúde em toda a Convenção, e basicamente o texto acordado contém muitas medidas que incluem de forma integral aspectos de proteção nesse sentido. Além disso, o grupo insistiu na necessidade de contar com um artigo específico sobre saúde. Em princípio, os países industrializados entenderam que não era pertinente situar o item sobre saúde em um acordo de meio ambiente. Mas a persistência da América Latina e seu interesse tão claro na proteção da saúde humana conseguiu que o plenário acordasse um artigo específico relativo à saúde.

IPS: O texto aprovado prevê uma colaboração de fundos para sustentar essa proteção à saúde humana?

FL: Como a Convenção terá que ter um órgão financeiro que assistirá sua implantação, é claro que as medidas que serão tomadas afetarão de forma positiva a proteção da saúde humana. E, sobretudo, é preciso destacar que a saúde humana, em matéria de contaminação de mercúrio, não é protegida apenas com medidas nesse sentido, e que o controle das emissões atmosféricas é a ação mais importante para preservar os humanos.

IPS: No último momento, alguns países, como Bolívia, França e Grã-Bretanha, rejeitaram uma proposta boliviana para incorporar ao texto uma referência às populações indígenas. Como foi esse debate?

FL: A comunidade internacional conseguiu, por meio de um acordo não vinculante como a Declaração sobre os Povos Indígenas, ter claramente plasmado esse termo, mas, lamentavelmente, em nível de um acordo vinculante ainda existem alguns países que se opõem a essa denominação. Não é o caso da América Latina.

IPS: Qual sua opinião a respeito?

FL: A América Latina apoia a declaração dos povos indígenas e se refere claramente aos direitos coletivos que foram reconhecidos nesse acordo, também adotado em Genebra com apoio do Uruguai e sob a presidência do Peru. Envolverde/IPS