Ambiente

Aquecimento global atinge níveis sem precedentes e dispara "alerta vermelho" para a humanidade

O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) liberado hoje (9) fala sobre tendências irreversíveis no que diz respeito à mudança climática global. Pela primeira vez, o IPCC quantificou o grau de influência das mudanças climáticas à frequência e à intensidade de eventos extremos, como secas prolongadas, ondas de calor, tempestades e furacões. Segundo a entidade, que reúne os maiores especialistas no tema, a temperatura média do planeta tende a elevar em 1,5ºC nas próximas duas décadas, trazendo devastação generalizada.

Com quase mil páginas de extensão e anos de desenvolvimento, o documento sistematiza trabalhos científicos disponíveis sobre a crise climática e projeta o que deve acontecer com o planeta nas próximas décadas. Uma das maiores revelações do relatório é que mudanças climáticas induzidas pelo comportamento humano já estão influenciando em eventos climáticos extremos em todas as regiões do planeta. Os cientistas também estão observando a confirmação de previsões no impacto na atmosfera, nos oceanos, calotas de gelo e na terra.

Um dos pontos de maior destaque na série de estudos publicados pelo IPCC é que muitas das mudanças descritas são sem precedentes. Algumas estão em andamento agora, enquanto outras — como o aumento contínuo do nível do mar — permanecerão “irreversíveis” por séculos a milênios.

Abrindo brecha para a esperança, especialistas do IPCC deixam claro que ainda há tempo para limitar as mudanças climáticas no que de mais devastador elas acarretam. Reduções radicais e constantes nas emissões de dióxido de carbono (CO2) e outros gases de efeito estufa, por exemplo, poderiam melhorar rapidamente a qualidade do ar. Caso isso seja feito, de 20 a 30 anos as temperaturas globais poderiam se estabilizar.

Para ler o relatório completo em inglês, acesse aqui.

Alerta vermelho – Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, o relatório do IPCC é um alerta vermelho para a humanidade. “O documento deve ser uma sentença de morte para o carvão e os combustíveis fósseis antes que eles destruam o planeta”, disse. Em resposta aos novos dados, Guterres acionou a comunidade internacional a tempo da COP 26, a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU, que acontecerá de 31 de outubro a 12 de novembro na cidade escocesa de Glasgow.

“Os alarmes de emergência estão soando, e a evidência é irrefutável”, disse Guterres, assim que o relatório foi liberado. O chefe da ONU também observou que o teto estabelecido no Acordo de Paris, que limita o aumento médio das temperaturas globais até 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, está “perigosamente próximo”.

“Corremos o risco iminente de atingir 1,5 grau no curto prazo. A única maneira de evitar ultrapassar

esse limite é com urgência intensificando nossos esforços e perseguindo o caminho mais ambicioso.”

Ainda reagindo ao relatório, o chefe da ONU disse que as soluções eram claras. “Economias inclusivas e verdes, prosperidade, ar mais limpo e melhor saúde são possíveis para todos, se respondermos a esta crise com solidariedade e coragem”, resumiu ele.

Guterres também reiterou o papel central da Conferência global em Glasgow, em novembro, a COP26. Na ocasião, todas as nações — especialmente as economias mais prósperas — serão instadas a se juntar à coalizão de emissão zero, e reforçar a promessa de desacelerar e reverter o aquecimento global por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, da sigla em inglês), uma série de diretrizes que detalham os passos de acordo com a realidade de cada país.

O que diz o estudo – Preparado por 234 cientistas de 66 países, o relatório destaca que a ação humana foi responsável por aquecer os sistemas climáticos até níveis sem precedentes em pelo menos 2 mil anos.  Em 2019, as concentrações de CO2 na atmosfera estavam mais altas do que em qualquer outro momento durante os últimos dois milênios, e as concentrações de metano e óxido nitroso eram mais altas do que em qualquer momento nos últimos 800 mil anos.

A temperatura da superfície global aumentou em um ritmo mais acelerado desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos em pelo menos dois mil anos. Para exemplificar, o relatório mostra que as temperaturas durante a década mais recente (2011-2020) excederam aquelas do período mais quente de vários séculos, há cerca de 6.500 anos.

Enquanto isso, o nível global médio dos mares aumentou mais rápido desde 1900 do que em qualquer outro século precedente em pelo menos 3 mil anos.

O relatório do IPCC também mostra que as emissões de gases do efeito estufa derivadas de atividades humanas foram responsáveis por um aumento de temperatura de aproximadamente 1.1° entre os anos de 1850 e 1900 e constata que, em média nos próximos 20 anos, a temperatura global deve atingir ou ultrapassar 1,5°C de aquecimento.

O tempo está acabando – Um dos pontos de preocupação imediata levantado pelos cientistas do IPCC é que o aquecimento global, originalmente previsto para 2°C, vai ser extrapolado antes mesmo do fim deste século. A menos que sejam promovidas nas próximas décadas reduções dramáticas e rápidas na emissão de CO2 e de outros gases do efeito estufa, cumprir a meta estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, está “fora de alcance”.

“Há décadas está claro que a temperatura da terra está mudando, e o papel da influência humana no sistema climático é indiscutível”, defendeu a vice-presidente do Grupo de Trabalho I do relatório, Valérie Masson-Delmotte. “Ainda assim, o novo relatório reflete avanços enormes na ciência da atribuição, que se debruça sobre o entendimento do papel da mudança climática na intensificação de eventos climáticos específicos”, concluiu.

A avaliação é baseada em dados aprimorados sobre o aquecimento histórico, bem como no progresso na compreensão científica da resposta do sistema climático às emissões causadas pelo homem.

Mudanças extremas – Os especialistas do IPCC revelam que a ação humana afeta todos os principais componentes do sistema, sendo que alguns respondem a essas atividades há décadas e, outros, há séculos. Mudanças extremas documentadas recentemente, como ondas de calor, precipitações pesadas, secas e ciclones tropicais, estão mais recorrentes, e não há dúvidas quanto à atribuição humana desses fenômenos.

Os cientistas também alertam que à medida que avança o aquecimento global as mudanças no sistema climático se acentuam. Isso inclui aumentos na frequência e intensidade de extremos de calor, ondas de calor marinhas e precipitação intensa; secas agrícolas e ecológicas em algumas regiões; a proporção de ciclones tropicais intensos; bem como reduções no gelo do mar Ártico.

O relatório deixa claro que, embora os fatores naturais modulem as mudanças causadas pelo homem, especialmente em níveis regionais e no curto prazo, eles terão pouco efeito no aquecimento global de longo prazo.

Um século de mudanças – As projeções dos cientistas do IPCC indicam que, nas próximas décadas, a mudança climática vai se intensificar em todas as regiões. Ondas de calor crescentes, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas acompanharão os 1,5°C de aumento de temperatura. Ao atingir 2°C de aumento de temperatura é provável que a humanidade ultrapasse os limites críticos de tolerância para agricultura e saúde.

Mas as mudanças climáticas não se limitam ao aumento de temperatura. Elas estão intensificando, por exemplo, a produção natural de água. Isso traz chuvas mais intensas e inundações associadas, bem como secas mais drásticas em muitas regiões.

O relatório também alerta que o aumento de temperatura também afeta os padrões de precipitação. Em altas latitudes, é provável que a precipitação aumente, enquanto se prevê que diminua em grandes partes das regiões subtropicais. Além disso, as áreas costeiras verão o aumento contínuo do nível do mar ao longo do século 21, contribuindo para inundações costeiras mais frequentes e severas em áreas baixas e erosão costeira.

Eventos extremos relacionados ao nível dos mares que antes aconteciam uma vez a cada cem anos podem acontecer uma vez ao ano até o fim deste século.

O relatório também indica que o aquecimento adicional ampliará o degelo dos solos congelados, ou permafrost, e a perda da cobertura de neve sazonal, o derretimento das geleiras e mantos de gelo e a perda do gelo marinho do Ártico no verão.

As mudanças nos oceanos, incluindo o seu aquecimento, ondas de calor marítimo mais frequentes, a acidificação das águas e a redução dos níveis de oxigênio afetam tanto esses ecossistemas quanto as pessoas que dependem dele, e vão progredir até pelo menos o fim deste século.

Além disso, o relatório alerta que a ocorrência de eventos de baixa probabilidade, como o colapso do manto de gelo ou mudanças abruptas na circulação do oceano, não podem ser descartados.

Cidades em risco – Os especialistas do IPCC alertam que para as cidades alguns aspectos das mudanças climáticas serão intensificados, incluindo o calor, alagamentos devido à chuva e aumento dos níveis do mar em comunidades costeiras.

A respeito do que pode ser feito para limitar as mudanças climáticas em seus efeitos devastadores, o vice-presidente do Grupo de Trabalho I do IPCC, Panmao Zhai, é taxativo:

“A estabilização do clima exigirá reduções fortes, rápidas e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa

e alcançar emissões líquidas zero de CO2. Limitar outros gases de efeito estufa e poluentes do ar, especialmente

o metano, pode trazer benefícios tanto para a saúde quanto para o clima.” 

O relatório explica que, da perspectiva das ciências físicas, limitar o aquecimento global induzido pelo homem a um nível específico requer a limitação das emissões cumulativas de dióxido de carbono, atingindo pelo menos zero emissões líquidas de CO2, junto com fortes reduções em outras emissões de gases de efeito estufa.

“Reduções fortes, rápidas e consistentes nas emissões de metano também limitariam

o efeito de aquecimento resultante do declínio da poluição por aerossol”, destacam

os cientistas do IPCC.

Sobre o IPCC – O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima é o organismo da ONU promotor da ciência relacionada às mudanças climáticas. Ele foi criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) para equipar líderes políticos com avaliações científicas periódicas sobre as mudanças climáticas, suas implicações e riscos, bem como a proposição de estratégias de adaptação e mitigação.

No mesmo ano, a Assembléia Geral da ONU endossou a ação da OMM e do PNUMA quando os 195 estados-membros estabeleceram conjuntamente o IPCC.

Milhares de pessoas de todo o mundo contribuem para o trabalho do IPCC. Para os relatórios de avaliação, cientistas do painel disponibilizam o seu tempo para estudar o milhares de artigos científicos publicados todos os anos capazes de contribuir com uma compilação sobre o que sabemos a respeito da mudança climática e quais são suas causas, impactos e riscos, além de sinalizar como a adaptação e mitigação podem reduzi-los.

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

PNUMA – Programa das nações Unidas para o Meio Ambiente
OMM – Organização Mundial de Meteorologia
Imagem de destaque: Mudanças climáticas induzidas pelo comportamento humano já estão influenciando em eventos climáticos extremos em todas as regiões do planeta

Foto: © William Bossen/Unsplash
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