“A sustentabilidade vai deixar de ser moda”

“Temos feito um trabalho bastante importante e daqui para frente, a sustentabilidade deixa de ser moda para entrar na arquitetura”, diz Patricia O'Reilly. Foto: Atelieroreilly

A ampliação do debate sobre as mudanças climáticas e o papel de empresas, governos e sociedade para tentar minimizar o problema colocou em destaque a perspectiva de desenvolvimento sustentável. O tema acabou abraçado pelo mercado, que começa a se movimentar para atender as necessidades e desejos “verdes” de seus clientes.

A pesquisa Green Brands Global Survey de 2011 mostra que os consumidores de França e Alemanha, entre outros países, estão dispostos a gastar mais em produtos não prejudiciais ao meio ambiente. No Brasil, por exemplo, esta também é a opção de 77% dos entrevistados; outros 74% dizem acreditar que ser ambientalmente consciente é um atributo importante de uma marca.

A mesma lógica começa a ser adotada nas construções habitacionais e comerciais, que, segundo o Pnuma, órgão das Nações Unidas para o Meio Ambiente, respondem por mais de 40% do uso de energia e 30% das emissões de gases de efeito estufa no mundo. “As empresas atentaram para essa nova forma de fazer arquitetura em função da necessidade global, um pensamento que precisa integrar o edifício com o seu entorno para utilizar melhor os recursos naturais”, diz a arquiteta e urbanista Patricia O’Reilly, que participou de um projeto de revitalização portuária em L’lobregat, região próxima a Barcelona, na Espanha, em conversa com o site de CartaCapital.

Segundo O’Reilly, mestre em Arquitetura Ambiental e Energia pela Universidade Politécnica da Catalunha, o Brasil ocupa uma posição de destaque no segmento, embora a Europa conceda mais incentivos a construções sustentáveis. “Temos feito um trabalho bastante importante e, daqui para frente, a sustentabilidade deixa de ser moda para entrar na arquitetura.”

E os dados apoiam o raciocínio da arquiteta brasileira, pois o país aparece na quinta posição em um levantamento da ONG Green Building Council Brasil de construções verdes, com 23 empreendimentos certificados em 2010, atrás apenas de Estados Unidos, Emirados Árabes, Canadá e China.

O’Reilly defende que o Brasil pode investir mais em construções sustentáveis, a começar pelos empreendimentos financiados pelo governo, pois os preços já são viáveis. “O governo tem a responsabilidade de educar a população”.

A especialista comenta também a necessidade de o país criar uma lei para apoiar esse tipo de empreendimento e da possibilidade de reduzir o consumo de energia de um prédio apenas alterando o desenho do seu projeto.

Veja abaixo a entrevista na íntegra.

CartaCapital – Barcelona é um exemplo bem-sucedido de revitalização da área portuária, devido aos Jogos Olímpicos de 1992. A senhora acha possível que o Rio de Janeiro consiga ter um resultado semelhante na revitalização do seu porto para a Olimpíada de 2016?

Patrícia O´Reilly – O espaço que é denominado pela geração urbanística, somado ao efeito da globalização pelas políticas de ocupação do território, procura concentrar as transformações mais vistosas ao investimento público, aquilo que vai ser maximizado e valorizado. Nesta região, são poucas as áreas e elas estão sob o controle das grandes corporações financeiras. Acredito que vamos conseguir bons resultados, de forma que os projetos urbanos usados como estratégia política vão estruturar os recursos da cidade, colocando o empreendimento como uma mercadoria.

CC – Como a senhora vê a necessidade atual de as empresas se adaptarem a empreendimentos sustentáveis? Elas já estão se preparando para isso?

POR – O mercado se atentou para essa nova forma de fazer arquitetura em função do crescimento e da necessidade global causada pelo deterioramento do planeta. Por isso, as empresas construtoras e incorporadoras começaram a investir em pesquisas e soluções para reduzir o impacto ambiental das construções, que são demasiadamente evasivas. Apenas recentemente os fabricantes começaram a melhorar os materiais para minimizar esse problema, logo, é algo ainda em novo, mas por ser um pensamento global começa a se firmar.

CC – Como o Brasil se posiciona neste mercado?

POR – O Brasil está em segundo lugar no desenvolvimento de estratégias e aplicação de materiais sustentáveis no mundo, atrás apenas da Alemanha. Temos feito um trabalho bastante importante e daqui para frente, a sustentabilidade deixa de ser moda para entrar definitivamente na arquitetura.

Construções sustentáveis começam a ganhar espaço na arquitetura moderna, em meio à preocupação com as mudanças climáticas. Foto: Aminu Abubakar

CC – Um projeto sustentável exige uma mudança grande na maneira de pensar a arquitetura?

POR – Muda bastante, porque temos que entender que a tecnologia deve ser uma ferramenta para nos ajudar neste processo. Não muda para um novo pensamento e sim para um resgate. É a forma de entender o edifício com o seu entorno, com o clima, a organização da cidade, os interesses sociais e as necessidades sociais. Aí passa a se desenhar uma arquitetura preocupada em integrar e utilizar os recursos naturais em busca de um melhor resultado arquitetônico e um conforto térmico.

CC – A senhora está envolvida no projeto daquele que deve se tornar o primeiro bairro sustentável do Estado de São Paulo. O que há de diferente nele?

POR – Tínhamos uma área degradada e buscamos revitalizá-la do ponto de vista paisagístico e ambiental. Trouxemos espécies nativas para a região, trabalhamos com o desenvolvimento urbano e analisamos o clima e elementos predominantes para desenhar terrenos com melhor insolação. Desenhamos espaços para as pessoas se encontrarem e ciclovias para não impactar o entorno. A grande preocupação do desenvolvimento urbano é não impermeabilizar o solo, então as vias públicas foram trabalhadas com materiais que deixam o solo permeável. A captação de água da chuva é feita utilizando as linhas de drenagem naturais do terreno, formando bolsões de onde sairá a água para a irrigação de um campo de golfe.

CC – Uma construção totalmente sustentável já é viável financeiramente?

POR – Não existe a noção de algo totalmente sustentável, pois a partir do momento em que se constrói há impacto no meio ambiente. Sempre vamos buscar, porém, maximizar o impacto positivo, por exemplo, recuperando a mata nativa de um terreno. O custo depende do percentual de sustentabilidade desejado para o empreendimento, é possível fazer uma construção sustentável em graus diferentes, de acordo com as necessidades de quem vai ocupar aquele espaço. O custo para fazermos a iluminação pública fotovoltaica (com energia solar) no bairro sustentável foi igual ao da iluminação pública convencional, por exemplo. Neste caso, houve uma equiparação, uma prova de que é possível ser sustentável utilizando recursos disponíveis no mercado.

CC – A senhora acha possível adotar essas tecnologias sustentáveis em construções habitacionais realizadas pelo governo?

POR – É possível, principalmente porque o governo tem a responsabilidade de educar a população. O custo é absolutamente viável, pois muitas vezes o que vai determinar o consumo energético de um edifício é simplesmente o seu desenho. Por exemplo, uma casa com uma abertura e uma ventilação cruzada retira o calor do prédio, minimizando o uso do ar condicionado. Logo, só com a alteração do desenho já há uma economia do consumo energético, algo que poderia ser utilizado em projetos financiados pelo governo. Isto já é uma atitude de sustentabilidade e redução de impacto.

CC – Em geral, como é o apoio aos empreendimentos sustentáveis no Brasil?

POR – Desenvolvemos algumas estratégias urbanísticas em parceria com algumas prefeituras para reduzir o Imposto Predial (IPTU), uma vez que são adotadas estratégias sustentáveis. Estamos buscando esses acordos para premiar as casas sustentáveis em diversos municípios do país. Já utilizamos também energia fotovoltaica, captação de água da chuva, arquitetura bioclimática e tratamento da água utilizada. Porém, já desenvolvemos essa mesma parceria com a prefeitura de Barcelona. Na Espanha há um software do governo que certifica os edifícios sustentáveis, os pontua e realiza a redução do imposto. É normativo, não é possível construir sem o certificado.

CC – Como a senhora analisa as construções sustentáveis na Europa em comparação com o Brasil?

POR – Desenvolvi muitos projetos na Espanha e a normativa deles tem mais incentivos. No Brasil, ainda hoje não temos uma norma que restrinja a construção tradicional, ou seja, que delimite a utilização de algumas estratégias para ter uma eficiência energética melhor. A grande diferença entre Brasil e Europa é a legislação, apesar de caminharmos para isso. A normativa vai ajudar a sustentabilidade e a implantação de projetos sustentáveis, que na Europa já são obrigatórios em casos estratégicos. Em função da adesão ao Protocolo de Kioto, a Espanha se comprometeu a reduzir as emissões de gases CO2. Então, o CO2 economizado nas construções entra para um crédito, que é algo interessante e incentivador, embora ausente no Brasil.

CC – Como a senhora enxerga o desafio de adotar estratégias sustentáveis em metrópoles como São Paulo, onde o espaço para novas construções é reduzido?

POR – Deveríamos trabalhar em São Paulo a questão da cidade compacta, utilizar a mobilidade para melhorar a qualidade do ar. Investir em transporte público, otimizar a mobilidade e melhorar a comunicação interligando a cidade com a empresa.

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.