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“A pena de morte carece de todo efeito dissuasivo”

Genebra, Suíça, 11/10/2011 – A pena de morte persiste porque em alguns países é usada como propaganda para pôr freio à criminalidade, o que não é certo, disse Federico Mayor Zaragoza, presidente de um órgão internacional de especialistas contra a pena capital, que ontem inaugurou sua sede nesta cidade suíça. Assim ocorre atualmente em um país centro-americano, onde um dos candidatos à presidência disse que, se eleito, colocará “os pingos nos is”, disse Zaragoza à IPS, durante o ato de instalação em Genebra da independente Comissão Internacional Contra a Pena de Morte (CIPM).

Zaragoza, diretor-geral entre 1987 e 1999 da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), se referia ao candidato direitista à Presidência da Guatemala, Otto Pérez Molina, um general da reserva do exército que, “pela situação de violência e pela angústia em que vive o país”, afirmou que aplicará a pena de morte. A sorte da Guatemala será definida no dia 6 de novembro, quando Molina e o candidato mais moderado Manuel Baldizón disputarão o segundo turno.

Zaragoza estimou que reações como a do militar guatemalteco podem ser compreensíveis “porque são lugares onde, sobretudo pelo narcotráfico, vive-se situações extremamente difíceis”. Também acontece agora no México, acrescentou. Às vezes têm origem em movimentos paramilitares, mas também no tráfico de drogas, acrescentou. Entretanto, a pena de morte carece de todo efeito dissuasivo e essa conclusão é o que devemos saber, insistiu. O mesmo acontece com o preço da droga, pois seu aumento não reduz o consumo, acrescentou.

A CIPM se concentra precisamente esta semana no exame da aplicação da pena capital aos crimes relacionados com as leis sobre drogas, disse outro membro do organismo Ruth Dreiffus, que foi presidente da Suíça em 1999. A situação na África, onde se esboça um movimento favorável à criação de um espaço livre da pena de morte, é outro tema de debate da Comissão. Europa e América do Sul já foram declaradas áreas livres da pena de morte. Nas duas regiões os países sustentam-se uns aos outros em sua vontade de ver desaparecer este castigo, destacou Dreifuss.

A Comissão também vai analisar o caso da China, onde se espera que o primeiro passo seja divulgar informação sobre a pena de morte no país. O número de execuções na China permanece sem ser conhecido exatamente, a ponto de a Anistia Internacional renunciar em seu último informe a citar números sobre as execuções, porque “essa informação não existe”, afirmou Dreifuss.

A ex-presidente suíça explicou que seu país recebe a secretaria da CIPM por sua condição de país militante pela abolição da pena de morte. Esses Estados a consideram um tratamento cruel, desumano e degradante que viola os direitos humanos. No plano internacional subsiste uma contradição, porque esses tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, como o caso da tortura, estão proibidos por tratados em vigor. Por outro lado, a pena de morte, a exaltação desses abusos, ainda perdura em 58 países, acrescentou Dreifuss.

Até agora, 104 Estados aboliram a pena de morte de seus sistemas legais, disse Zaragoza. Outros 35 a mantêm, mas não a aplicam. No total, são 139 países sem execuções, isso é uma boa notícia declarou, entusiasmado, o presidente da CIPM. O objetivo central da Comissão, como o de outras instituições que se ocupam da pena de morte, é conseguir sua abolição, disse Dreifuss. Entretanto, o órgão fixou uma meta mais imediata, com o estabelecimento de uma moratória global até 2015. Muitos países deram o primeiro passo para suspender as execuções para, sem seguida, se converterem em abolicionistas.

Dreifuss admitiu que a moratória universal sobre a pena de morte progride a cada ano na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), “mas ainda está longe de ser reconhecida por todos”. A moratória deve se estender também às condenações à pena de morte, não apenas às execuções, acrescentou.

A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, concorda com esse enfoque em uma declaração referente ao Dia Mundial contra a Pena de Morte, celebrado ontem. Pillay disse que a abolição da pena capital exige de muitos países um longo processo, que frequentemente só termina após um período de dificuldades e ainda de um acirrado debate nacional.

Até chegar a essa fase, exortou os Estados que ainda aplicam esse castigo a assumir uma moratória sobre seu uso com vistas, em última instância, a acabar totalmente com a pena capital em todas as partes do mundo, acrescentou Pillay. Ela também expôs seus pontos de vista aos membros da CIPM que a visitaram na sede do Palácio Wilson, às margens do Lago de Genebra, ou Lago Leman.

Um dos objetivos da mudança do local inicial da secretaria, Madri, foi precisamente a intenção de aumentar a visibilidade do órgão nas agências da ONU e nas organizações não governamentais estabelecidas nesta cidade.

Além de Zaragoza e Dreifuss, a CIPM está integrada por Giuliano Amato, ex-primeiro-ministro italiano, a canadense Luise Arbour, que foi Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Robert Badinter, ex-ministro da Justiça da França, Mohammed Bedjaoui, ex-chanceler da Argélia, e Michele Duvivier Pierre-Louis, ex-primeiro-ministro do Haiti.

Outros membros são a chefe do departamento de Filosofia e Direitos Humanos da Unesco, a turca Ionna Kuçuradi, a ex-presidente filipina Globira Macapagal-Arroyo, o ex-subsecretário de Direitos Humanos da Argentina, Rodolfo Mattarollo, e o governador do Estado norte-americano do Novo México, Bill Richardson. Envolverde/IPS