A divulgação pelo Banco Central, na última semana, do indicador IBC-Br – uma previsão do desempenho do PIB – mostrou a desaceleração da atividade econômica brasileira em 0,53%, maior que o esperado pelo mercado. O resultado despertou o pessimismo de analistas, que passaram a duvidar da previsão de crescimento de 3,5% em 2011, estipulada como piso pelo Ministério da Fazenda.
Outro efeito provocado pelo indicador foi a mudança de opinião de diversos analistas do mercado financeiro sobre o corte, em agosto, da Selic. Na época, o Comitê de Política Monetária do Banco Central reduziu a taxa básica de juros de 12,5% para 12%, sob o coro de decisão equivocada de ex-presidentes da instituição, como Carlos Langoni e Gustavo Loyola, para evitar uma desaceleração bruta da economia. Tendência comprovada pelo IBC-Br e pela queda de 0,4% no varejo e 0,2% na produção industrial em agosto.
Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, defensor do corte da Selic em agosto, diz, em conversa com o site de CartaCapital, que o indicador do BC aponta um terceiro trimestre fraco, com possível crescimento negativo. “É uma queda mais generalizada, pois até o meio do ano a sensação era de que apenas a indústria declinava. Agora, a retração da indústria está refletindo no varejo e puxando outros setores”, diz o analista, estimando a taxa de crescimento para 2011 abaixo de 3,5% e entre 3% e 3,5% para 2012.
Segundo Almeida, doutor em economia e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), a Selic deve fechar o ano em 11% e com um alívio na pressão inflácionária para 2012, causado pela crise mundial e a retração da atividade econômica brasileira. Um cenário favorável a novas reduções a fim de estimular a economia. “Um aumento da Selic tem como resultado esperado resfriar a demanda, mas a desaceleração já em curso na economia do país e do mundo desenvolvido cuidará disso.”
Contudo, isso não significa descuidar da inflação, diz o economista, pois há problemas sérios. Para ele, mesmo com uma desaceleração ampla, o índice pode superar o centro da meta de 4,5% em “boa parte de 2012”. “O governo deveria começar a pensar no médio prazo, ou seja, desindexar a economia, retirar certas rigidezes existentes em mercados de bens e serviços no Brasil, para diminuir a resistência atual da inflação.”
As perspectivas, porém, para o quarto trimestre de 2011 são ligeiramente melhores. A atividade econômica deve apresentar um resultado melhor, aponta o consultor do IEDI, beneficiada, mesmo que timidamente, pela valorização do dólar. Com isso, os produtos nacionais conseguiriam enfrentar de forma mais eficiente os importados no mercado interno. “A desvalorização do real não deve ajudar tanto a melhorar as exportações, pois o clima externo é desfavorável.”
Um cenário de dificuldades que se mantém, mesmo com o melhor resultado da história da balança comercial (a diferença entre as exportações e importações) para um mês de setembro.
No período, o Brasil somou US$ 23,3 bilhões em exportações (cerca de R$ 40 bilhões) e US$ 20,2 bilhões em importações (cerca de R$ 35 bilhões), com um superávit de US$ 3,1 bilhões (cerca de R$ 5,3 bilhões). No ano, o saldo positivo é de US$ 23,6 bilhões (cerca de R$ 41 bilhões), no entanto, o resultado positivo é garantido majoritariamente pelas commodities, como minérios de ferro, aço e grãos, que estão com o preço elevado no mercado internacional.
Acompanhe abaixo a íntegra da entrevista.
CartaCapital – As projeções do BC apresentaram uma queda de 0,53%, maior do que o esperado pelo mercado. A que se deve essa queda?
Júlio Sérgio Gomes de Almeida – É uma queda mais generalizada, pois até o meio do ano a sensação era de que apenas a indústria declinava. Agora, a retração da indústria está refletindo no varejo, ou seja, no comércio. Em agosto, o varejo caiu 0,4% e a indústria 0,2% e creio que também está arrastando alguns setores de serviço. Isto se deve a uma generalização maior da nossa desaceleração, partindo da indústria e arrastando, no entanto, outros setores.
CartaCapital – Especialistas já começam a acreditar que o corte de juros do BC em agosto foi acertado, após fortes críticas. Como o senhor vê um novo corte?
JSGA – Nas duas reuniões restantes do Comitê de Política Monetária em 2011, a taxa deve cair um ponto percentual. A redução do BC é correta, pois a economia interna está desacelerando expressivamente e não apenas na indústria. Além disso, a economia mundial também está em um processo de tangência à recessão, ou seja, as economias norte-americana e europeia no último trimestre do ano, ou estarão em recessão ou bem perto disso. Somando as duas coisas, o diagnóstico do BC é de uma retração do nível de atividade neste final de ano e início de 2012. Quer seja no plano interno ou externo, compondo o processo de menor nível de atividade interna. Isto significa dizer que a taxa de juros pode ser aliviada porque o que se espera de um aumento da Selic é o resfriamento da demanda, mas a desaceleração já em curso da atividade econômica brasileira e no mundo desenvolvido cuidará disso.
CartaCapital – Podemos então ficar um pouco mais despreocupados com a inflação, mesmo cortando a Selic?
JSGA – Do ponto de vista da demanda mais aquecida na qual estávamos, a desaceleração interna ou externa/recessão trarão um benefício para o controle da inflação. Mas é preciso observar que a inflação anda muito forte no Brasil, tem problemas sérios. Mesmo com uma desaceleração interna ou externa, pode ficar em um nível relativamente alto por boa parte de 2012, superando a meta de 4,5%. Caso a inflação permaneça em um nível desconfortável, o ideal é que o governo, além das medidas já adotadas, utilizasse outros instrumentos fora um novo aumento da taxa de juros. Refiro-me a uma restrição maior do crédito e a um controle maior do gasto do governo. Essa crise mundial vai permitir uma melhora no quadro inflacionário, mas é importante que o governo também comece a pensar no médio prazo, ou seja, desindexar a economia, retirar certas rigidezes que existem em mercados de bens e serviços no Brasil. Enfim, procurar diminuir a atual resistência da inflação.
CartaCapital – O senhor menciona o controle do crédito, mas se houver uma expressiva desaceleração da atividade econômica no Brasil seriam necessários incentivos. Como ficaria a inflação nesse cenário?
JSGA – Com a queda maior do que se imagina do nível de atividade, a inflação cede. Na verdade, não precisa apertar o crédito ou o gasto público. Eventualmente, o governo pode até ser obrigado a ampliar algum tipo de incentivo ao crédito, mas essas são alternativas a serem avaliadas com os dados concretos da situação. Caso a inflação continue resistente, mesmo com a desaceleração da economia, seria preferível um aumento da Selic, controle do crédito e gasto público.
CartaCapital – Esse é um cenário provável?
JSGA – Uma queda mais forte no nível de atividade do Brasil e lá fora é muito provável. Vivemos um contexto, já no quarto trimestre do ano, em que é difícil prever como as economias vão reagir em 2012, se haverá crescimento ou não. Creio que nas economias mais desenvolvidas o crescimento deve ser baixo ou negativo, mas ainda não é possível dizer o quanto. As economias emergentes, como a brasileira, têm uma chance de não ter um quadro tão ruim. Vai haver uma desaceleração, como já ocorre no Brasil, mas certamente permanecerão com uma boa capacidade de crescimento.
CartaCapital – Após os resultados negativos do terceiro trimestre, como o senhor analisa o quarto trimestre do ano?
JSGA – Ele pode ser um pouco melhor porque houve uma desvalorização do real e isso pode aumentar a competitividade da nossa produção doméstica, reagindo um pouco em termos do terreno que vinha perdendo para o produto importado. Não deve ser uma reação muito forte, no sentido de recuperar o que a nossa indústria tem declinado ao longo do ano, mas pode haver algum crescimento do setor.
CartaCapital – A valorização do real deve diminuir a pressão nas exportações ou não haverá uma percepção maior?
JSGA – A desvalorização do real vai ajudar o produto nacional no mercado interno a se contrapor e concorrer melhor com os importados e não tanto a melhorar as exportações. Isso porque o quadro do comércio internacional estará muito nebuloso, por conta da retração das economias centrais, como os Estados Unidos e a Europa. O exportador não vai ter muita capacidade de vendas e de aumentar sua colocação no exterior.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.