Cidade do Cabo, África do Sul, 21/9/2011 – Seus críticos a chamam de “lei do segredo”, e chega paradoxalmente em um momento em que vários países da África adotam promissoras legislações de acesso à informação. Ativistas afirmam que a Lei de Proteção à Informação da África do Sul representa um revés para todo o continente. Destinada a substituir uma legislação sobre segredos de Estado que data da era do apartheid (sistema de segregação racial em prejuízo da maioria negra), o projeto enfrenta várias críticas por parte de partidos de oposição, jornalistas e cidadãos comuns.
Estes condenaram os amplos poderes que outorgava originalmente ao governo para definir uma determinada informação como “segredo”, bem com a vaga definição de “interesse nacional” que justificava essa classificação. Diante da forte e sustentada pressão pública, o governo reviu a lei, mas ativistas continuam se opondo à falta de defesa do interesse público e à manutenção de penas severas para quem tiver acesso a dados oficiais.
O projeto de lei estabelece penas de prisão de até 15 anos para quem possuir informação relacionada com qualquer aspecto dos serviços de segurança. Também fixa penas de até 25 anos para os que tiveram acesso a informação classificada. “Ainda que o comitê tenha acrescentado limitadas proteções para os informantes, muitas outras cláusulas permitem que sejam julgados”, disse Sithembile Mbete, da Campanha Right2Know, coalizão da sociedade civil criada para opor-se ao projeto. Os ativistas realizaram, no dia 17, uma marcha diante do parlamento na Cidade do Cabo. O projeto deve ser apresentado hoje aos legisladores.
Por outro lado, em outras partes do continente há sinais positivos. A Nigéria adotou uma lei de liberdade de informação em 2010, como Uganda em 2005. Nesse último país, também foi discutido um projeto para proteger informantes, tudo com o objetivo de criar um ambiente que permita aos cidadãos divulgar livremente informação sobre condutas corruptas ou impróprias no setor público e privado.
No Quênia, ativistas e advogados pressionam o governo para que introduza mudanças para cumprir a Constituição, que garante o acesso à informação para todos os cidadãos. Paul Waihenya, jornalista em Nairóbi, disse que aos artigos da nova Carta Magna sobre acesso a informação representa um grande salto adiante para o governo em termos de transparência.
Entretanto, lamentou uma recente instrução dada pelo Ministério da Segurança Interna, exortando as autoridades a terem cuidado na hora de falar com a imprensa, depois que um funcionário local no norte ter informado a jornalistas sobre a severa fome em determinadas partes do país. “A interdição contra o chefe que deu a informação sobre sua comunidade é uma lembrança de que o direito de acesso a informação ainda não é absoluto”, disse o jornalista à IPS.
Outros observadores disseram que ainda é impossível conhecer detalhes das finanças públicas ou divulgar dados oficiais sobre investigações de corrupção. Foram apresentadas ações legais contra a demora nas respostas a pedidos de dados, bem como contra outros obstáculos para os cidadãos que querem obter informação, por exemplo, sobre propriedade de terras ou registros de veículos.
Entretanto, Laura Neuman, administradora do Projeto de Acesso a Informação do Centro Carter, vê sinais de progresso no continente. E destacou o papel central da sociedade civil na Libéria – ativamente apoiada pelo Centro – na redação da nova Lei de Liberdade de Informação. Por telefone desde Washington, Neuman disse à IPS que esta participação ajudará a garantir que a lei tenha um impacto positivo na vida diária dos cidadãos comuns. “É um mito pensar que estas leis são para a mídia ou para a elite, porque, francamente, esses grupos já têm acesso a informação. Vimos leis usadas em formas transformadoras em todo o mundo”, explicou Neuman.
“Vimos pessoas usá-las para promover seus direitos educacionais em vários países. Vimos que são usadas para proteger crianças em orfanatos. Há incontáveis bons usos do direito a informação para proteger o meio ambiente”, destacou Neuman. Além disso, acrescentou que um componente essencial é estabelecer processos pelos quais os governos possam fornecer informação, e no caso destes falharem deve dar aos cidadãos uma via clara e acessível para exigi-la.
É paradoxal que a África do Sul agora se encaminhe precisamente na direção oposta. “A África do Sul perdeu sua liderança na melhora do direito a informação no continente africano”, disse Mukelani Dimba, do Centro de Assessoramento para uma Democracia Aberta, com sede na Cidade do Cabo. “Na década iniciada com a adoção das leis de Liberdade de Informação e de Promoção do Acesso à informação (Paia), este país foi um importante ponto de referência para outros países do continente”, acrescentou.
Entretanto, Dimba disse que boas leis fracassaram na hora de serem executadas, e Mbete, da Campanha Right2Know, concorda. “O problema é que, de muitas formas, a Paia não foi funcional e sua implantação foi problemática”, afirmou Mbete. “A maioria dos pedidos fica sem resposta, o que, na verdade, é uma negação. E não há mecanismos independentes para apelar”, acrescentou. Envolverde/IPS
* Com colaboração de Miriam Gathigah (Nairóbi).