“Mudanças do clima afetam conhecimento tradicional”

A Colômbia não possui nenhum sistema de monitoramento de biodiversidade que mostre o que pode estar ocorrendo em relação ao aquecimento global, afirma nesta entrevista exclusiva a diretora do estatal Instituto Humboldt da Biodiversidade, Brigitte Baptiste.

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A vida reage de maneira surpreendente às pressões de qualquer tipo, afirma a bióloga especializada em transgênicos, Brigitte Baptiste.
Bogotá, Colômbia, 15 de agosto de 2011 (Terramérica).- O conhecimento ancestral da natureza, desenvolvido pelos povos nativos da Colômbia, está perdendo validade diante das manifestações da mudança climática que deixam descontrolados os seus sábios, afirma a bióloga Brigitte Baptiste. Trata-se de uma comprovação à qual chegou por contatos pessoais com sábios de povos indígenas, pois o Estado “não tem” políticas para facilitar ou reconhecer o conhecimento tradicional, disse ao Terramérica esta doutora em ciências ambientais de 47 anos, reconhecida catedrática e ativista ecológica com estreitas ligações com comunidades camponesas e indígenas.

O bom é que “o diálogo entre conhecedores indígenas está fluindo” sobre estes problemas, acrescentou Brigitte, que dirige o Instituto de Pesquisa de Recursos Biológicos Alexander von Humboldt da Colômbia, desde janeiro. Escreveu dezenas de artigos e capítulos de livros, incluídos textos sobre bioética e diversidade de gênero. O Terramérica conversou com ela sobre alguns pontos de sua intervenção no II Congresso Nacional do Clima, que aconteceu em Bogotá entre 3 e 5 deste mês.

TERRAMÉRICA: No Congresso a senhora afirmou que o conhecimento tradicional está perdendo validade diante das mudanças do clima. Já foram detectados efeitos concretos, por exemplo, na observação tradicional das comunidades indígenas?

BRIGITTE BAPTISTE: Não, porque não investigamos a fundo. O Estado não tem nenhuma política concreta para facilitar o conhecimento tradicional ou para reconhecer sua importância. Sabemos disso por relações pessoais com os taitas (sábios anciões) no Putumayo, com os curacas no Rio Mirití (Amazonas), ou com os “mamos” da Serra Nevada de Santa Marta, que começam a dizer que há sinais que estão variando em relação aos padrões com os quais tomavam decisões. Quando por três ou quatro anos certas plantas deixam de florescer, eles dizem: não temos memória de que isso tenha ocorrido no passado. O sistema de monitoramento indígena se baseia na memória das pessoas, alimentada por todo seu conhecimento ancestral, mas é muito local. Cabe a eles, como dizem, “conversar” para saber se alguém mais se recorda de isso ter ocorrido em outra parte e o que aconteceu depois: se era anúncio de uma grande seca, ou da deterioração do solo, ou se haveria dez ou 15 anos de malária. A vantagem é que estão fazendo isso. O diálogo entre sábios indígenas está fluindo, mas disso, realmente, temos pouquíssima notícia.

TERRAMÉRICA: A senhora também disse que não se sabe qual o efeito que terá a mudança climática sobre a diversidade colombiana. Em que reside esta dificuldade?

BB: A vida reage de maneira surpreendente às pressões de qualquer tipo. As espécies não se adaptam uma por uma. Alguém pode dizer que, se o clima esquenta, as espécies suscetíveis ao calor desaparecem. Mas, não. As espécies possuem uma informação genética diferenciada em todo seu organismo. Então, uma parte da população dessa espécie pode reagir de maneira diferente da outra. E as espécies estão encadeadas umas com as outras. Pensando nos números colombianos: 784 espécies de anfíbios, 1.714 de pássaros, 35 mil de plantas, não é uma por uma que reagirão, mas o farão em conjuntos ecológicos repletos de interações tróficas – quem come quem –, de depredação. Necessitamos de números e dados de dez, 20, 30 anos, e é isso que não temos. A Colômbia não possui nenhum sistema de monitoramento da biodiversidade que lhe mostre o que pode estar ocorrendo. Apenas agora temos imagens via satélite de boa qualidade, de uns 20 anos; certos registros muito preciosos de pesquisadores do Século 20, com 50, 60 anos. É informação confiável com a qual se pode começar a especular e criar modelos sobre como a biodiversidade responderá, no caso de aquecimento, mais chuvas ou secas.

TERRAMÉRICA: A senhora mencionava que há espécies de pássaros que estão mudando de piso térmico, de status relativo à altitude.

BB: Alguns estudos preliminares identificam algumas espécies que podem sofrer este problema. As aves estão associadas a um tipo de floresta, por exemplo, a mil metros de altitude. Eventualmente, a floresta se desloca para cima, e as aves também. Contudo, e se mais acima não houver solo apropriado para que exista essa floresta? Então, essa floresta já não poderá subir e, portanto, as aves não terão habitat.

TERRAMÉRICA: Quais são os “postos” mundiais da biodiversidade colombiana?

BB: A Colômbia é o país mais rico em aves. Mais de 15% dos pássaros vivem na Colômbia. É, provavelmente, o primeiro ou segundo em anfíbios, em rãs. Competimos com a Indonésia sobretudo quanto a endemismos: o que faz um país ter mais ou menos riqueza tende a ser as espécies exclusivas que se desenvolveram nos ambientes próprios do país. Em plantas também somos o primeiro ou segundo, equiparável somente com o Brasil. Estamos em terceiro ou quarto lugar em mamíferos. Também em peixes de rio e mar, embora estes últimos tenham a tendência de serem mais compartilhados. O Rio Magdalena é único no mundo. Corre de sul a norte cruzando quase todo o território equatorial. É tremendamente fértil, recebe todas as contribuições nutricionais das selvas de toda a sub-região andina. Quase toda sua fauna é endêmica. Cerca de 40% dos organismos que habitam o Magdalena se encontram somente lá, o que faz da bacia, em geral, um tesouro mundial de biodiversidade.

TERRAMÉRICA: Apesar de destruídas as margens?

BB: Os dados de extinção total ainda não indicam que a biodiversidade tenha sofrido colapso. Apesar do mercúrio ou da sedimentação excessiva, o Rio Magdalena continua tendo uma biodiversidade importantíssima.

TERRAMÉRICA: A biodiversidade também facilita nossa adaptação à mudança climática?

BB: Sim e é muito importante. Tentamos chamar a atenção dos setores produtivos para verem que na biodiversidade reside o melhor seguro para a produção. Porque é nela onde estarão os controles biológicos do amanhã, os serviços ecossistêmicos que posam amortizar os efeitos da seca ou de alguma disfunção nutricional. Os setores produtivos devem entender melhor o funcionamento no qual estão inseridos e reconhecer que, se perderem essas funções ecológicas, caberá a eles tirar dinheiro do bolso para substituí-las. Uma diversidade abundante e sadia é um claro sinal de que há menos gasto em controlar processos produtivos. Porque a biodiversidade amortece os efeitos do clima, embora não saibamos muito bem como. Há razões práticas para mantê-la e investir recursos em sua gestão, porque a biodiversidade perdida não volta.

* A autora é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.