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“Orçamentos com gênero ajudam a pensar nas pessoas”

Lorena Barba, especialista em orçamentos sensíveis ao gênero. Foto: Cortesia da entrevistada.

Caracas, Venezuela, 28/11/2011 – Os orçamentos sensíveis ao gênero (PSG), a ferramenta da ONU Mulheres para reduzir a desigualdade, “ajudam a pensar a partir das pessoas e a usar os recursos de maneira mais eficiente”, disse à IPS Lorena Barba. Responsável pelos PSG da ONU Mulheres Região Andina, com sede em Quito, Lorena analisou, em entrevista à IPS, os processos de planejamento e orçamento com enfoque de gênero estabelecidos por três países da região: Bolívia, Equador e Peru, considerados modelos de maneiras diferentes de alcançar o objetivo.

O Peru vinculou a eficácia da cooperação internacional com os grandes projetos, os prioritários para o Estado, para que sejam seus eixos para irradiar o enfoque de gênero a todas as políticas públicas e subordinar a ele a ajuda ao desenvolvimento. A Bolívia partiu de processos muito locais e com grande força das mulheres na base. Já o Equador conta com uma Constituição que obriga a que, no planejamento e no orçamento, sejam reduzidas as desigualdades, e o orçamento tem um classificador para identificar e promover o gasto de gênero.

IPS: Por que a ONU Mulheres Andina privilegia os PSG para impulsionar a igualdade, o desenvolvimento e a cooperação internacional?

LORENA BARBA: Os PSG são uma ferramenta superútil para a região, para os Estados, para as políticas públicas, porque ajuda a ver com clareza quais os resultados do desenvolvimento e que tipo de desenvolvimento se constrói, além disso, permite identificar as desigualdades maiores para se encontrar a forma efetiva de combatê-las. Nesse sentido, o orçamento e o planejamento com enfoque de gênero ajuda a pensar a partir das pessoas, porque as políticas públicas, quando analisadas apenas a partir do macro, têm visões e metodologias que levam, por exemplo, a ver as famílias de maneira igualitária. Não registram os diferentes acessos ao trabalho, a renda e os programas sociais de seus membros. A perspectiva de gênero permite ver as desigualdades profundas entre homens e mulheres, entre pessoas, e aprofundar em suas razões. A partir daí, é facilitada a identificação das brechas e das melhores estratégias para combatê-las. Os PSG ajudam a usar os recursos de maneira mais efetiva, porque falar de planejamento e orçamentos com enfoque de gênero não é necessariamente aumentar recursos, mas usá-los de maneira mais eficiente.

IPS: Trata-se, então, de redirecionar os recursos para promover igualdades, principalmente a de gênero?

LB: Claro, muitas experiências mundiais mostram que programas com enfoque de gênero têm melhores resultados, não apenas em programas sociais, mas também em programas de infraestrutura, estradas, água, onde melhoram muito os impactos e resultados ao se acrescentar esse enfoque. Requer envolver as mulheres no projeto destes programas, no acesso aos recursos gerados, nas tomadas de decisão ou em temas simples como o do cuidado, para ter em conta onde e quando ocorrem as reuniões, espaços onde as crianças sejam cuidadas enquanto seus pais estão nessa atividade. Esta é a causa mais comum de as mulheres não participarem, por não poderem estar em um lugar na hora marcada e, se estão, devem cuidar dos filhos.

IPS: Por que se diz que o processo do Peru é tão especial?

LB: É muito interessante o que o Peru faz no contexto da eficácia da ajuda ao desenvolvimento. Foi pesquisado quais projetos recebem mais fundos de cooperação internacional e quais os que têm maior incidência nos direitos de gênero. O programa tem o apoio da União Europeia e busca fazer um exercício real de como, com o fortalecimento dos sistemas e mecanismos nacionais de planejamento e orçamento, são estabelecidas políticas ou programas nacionais importantes, aos quais se alinha e a cooperação internacional também prioriza. É feito um trabalho muito interessante com o Ministério da Finanças, o Congresso, a Agência de Cooperação Internacional e a Defensoria do Povo para identificar como reformar os processos para que os temas de gênero sejam priorizados. Ali há uma lei que determina às instituições públicas que invistam em igualdade de gênero e prestem contas sobre isso, e a Defensoria do Povo faz um acompanhamento a respeito, enquanto o Ministério das Finanças lidera um processo com carteiras setoriais para fortalecer a incorporação do enfoque de gênero nos programas estratégicos, nos principais planos interssetoriais nos quais o Estado aposta prioritariamente. Com este processo busca-se fazer com que estes grandes projetos de investimento, prioritários para o Estado, que são os que receberão a maior quantidade de recursos naturais e da cooperação internacional, tenham enfoque de gênero para que, a partir do investimento, neles sejam gerados processos que reduzam a brecha de gênero.

IPS: Qual modelo do Equador o diferencia?

LB: Ali, o impulso inicial do mecanismo nacional de incorporar o gênero ao planejamento e às finanças se fortaleceu com a Constituição de 2008, que determina que o planejamento e o orçamento se orientem para reduzir as brechas e conseguir como resultado final a igualdade. Essa Constituição fortalece o trabalho e a demanda para todas as instituições públicas alcançarem esses objetivos últimos de desenvolvimento nacional.

IPS: Inclusive o Ministério das Finanças estabeleceu uma direção de igualdade de gênero…

LB: Sim, e com ela existe uma dinâmica diferente sobre como se vê o orçamento. Fortalece uma ferramenta financeira de acompanhamento orçamentário onde se demanda a todas as instituições públicas que destinem recursos para políticas de igualdade de gênero e, ainda, o Ministério das Finanças, com base em suas competências, faz um acompanhamento da execução desses recursos. Esses passos ajudaram a fazer com que outras instituições usem e potencializem a ferramenta, como a Assembleia Nacional, que tem de analisar e aprovar o orçamento, e, para isso, o classificador de gênero é de enorme utilidade, porque permite uma análise específica de onde estão investindo e ajuda em seu papel de fiscalizar as instituições. Além disso, ao ser informação pública, ajuda no trabalho de acompanhamento social por parte das organizações de mulheres.

IPS: E qual é a marca do modelo boliviano?

LB: Ali o processo se deu do nível local para o nacional. E com muita força das organizações de mulheres, cujo fruto é uma mesa nacional de trabalho em PSG onde participam organizações de mulheres e delegadas de governos locais. É uma experiência interinstitucional que protagonizam principalmente as mulheres da base, as que participam diretamente em seus territórios. Elas têm processo de capacitação e sensibilização, e conseguem incidir no planejamento de seus governos locais para que atendam suas demandas. No caso da Bolívia, é diferente o trabalho de base.

IPS: O que toca você especialmente nestes processos?

LB: Uma das coisas que mais me tocam é como muda a vida das pessoas, a partir de seu olhar mais pessoal. Trabalhar com os PSG dá muita sensibilidade, além de capacitação técnica. Há temas de estereótipos presentes em todos e é impactante como com a capacitação e o trabalho se tornam conscientes disso e mudam. Se vê nos funcionários que mudam a maneira como realizam seu trabalho e também a relação com seus cônjuges, filhos, colegas. Não é uma mudança da noite para o dia, mas ao menos pensam no que fazem, no trato cotidiano com as pessoas à sua volta, em atitudes discriminatórias que por falta de conhecimento e sensibilidade não percebiam. Também ocorre com as mulheres de base, que no começo do processo dificilmente podiam falar em público e expressar o que pensavam, e agora reclamam de seu prefeito por não ter feito o que prometeu. Agora, valorizam seus próprios conhecimentos, porque mais importante do que lhes dar conhecimento é ajudá-las a potencializar o que já sabem e fazem. Envolverde/IPS