Nova York, Estados Unidos, 13/9/2011 – Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo possuem diferentes tipos de necessidades especiais, e a maioria enfrenta grandes dificuldades para ter acesso a um emprego. Foi o que afirmou Ronald McCallum, presidente do Comitê das Nações Unidas para os Direitos de Pessoas com Necessidades Especiais (CRPD) e professor de direito trabalhista na Universidade de Sydney, entrevistado pela IPS. McCallum participou há poucos dias, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), da quarta sessão da Conferência dos Estados-Parte da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Necessidades Especiais.
Do encontro participaram mais de 500 delegados de governos, agências da ONU, instituições acadêmicas e organizações não governamentais, sob o lema “Permitindo o desenvolvimento, concretizando os direitos das pessoas com necessidades especiais”. McCallum se referiu aos desafios que enfrentam essas pessoas, a situação nos países em desenvolvimento e sua experiência pessoal como primeiro professor completamente cego em uma universidade australiana.
IPS: Um dos principais temas abordados na conferência diz respeito aos desafios trabalhistas das pessoas com necessidades especiais. Por que isto é considerado tão significativo?
RONALD MCCALLUM: Não creio que eu tivesse recebido o mesmo respeito na Austrália se não estivesse trabalhando. Quando se fala com alguém, em dez minutos se pergunta em que trabalha. Porque o que fazemos nos define. O mais importante de tudo é que as pessoas com necessidades especiais querem trabalhar. Gostaríamos de nos manter, e se temos famílias, mantê-las. Não queremos viver do serviço social. O custo para pessoas como nós é enorme. Milhares de milhões de euros gastos com invalidez.
IPS: Das pessoas com necessidades especiais, 80% vivem nas nações do Sul em desenvolvimento. Como vê sua situação e como vocês cooperam com os governos?
RM: Quando se trata com representantes de países desenvolvidos se pergunta coisas como: “está crescendo o nível de emprego?”, ou “o que estão fazendo pelas pessoas com problemas mentais em suas leis de proteção?”. Entretanto, a conversa com países em desenvolvimento é: “tem uma lei contra discriminação da criança deficiente?”, ou “as mulheres com necessidades especiais estão autorizadas a casar? É nesse nível. Certa vez estava sentado junto a um rapaz. Tinha uns 19 anos e havia perdido as duas pernas ao pisar em uma bomba de fragmentação no Afeganistão. Então, perguntei a ele como era a situação no Afeganistão, e ele disse: “olhe, em seu país, vou a um prédio e tem elevador. Em Cabul, não há nenhum que funcione. Fico parado no primeiro andar”. Gostaria de destacar que países como o Quênia estão melhorando. Creio que tivemos um grande efeito na América Latina. Pois há países melhorando.
IPS: As mulheres com necessidades especiais enfrentam problemas específicos? Quais as ações de seu comitê nestes casos?
RM: Cada vez que temos diálogo com um país perguntamos o que ocorre com as mulheres. Tristemente, os níveis de educação dessas mulheres são menores do que os dos homens. E os números sobre mulheres com necessidades especiais são bem altos. Muitas com problemas mentais sofrem ataques sexuais, em geral por parte dos que sabem que é difícil para elas apresentar evidências na justiça. Também há a questão da esterilização de mulheres com necessidades especiais. Às vezes, pais de mulheres adolescentes querem que isso seja feito. Os direitos de as mulheres terem filhos e cuidarem deles é um grande tema.
IPS: A Convenção dos Direitos das Pessoas Deficientes entrou em vigor em maio de 2008. Do que estão orgulhosos e quais suas futuras metas?
RM: Primeiro, estou orgulhoso por muitos países a ratificarem, porque 103 é um bom número em mais de três anos. A Convenção mais rapidamente ratificada diz respeito aos direitos da infância, e a segunda é a das pessoas com deficiências. A segunda coisa da qual me orgulho é a atitude dos Estados, que elegeram para a CRPD, entre 18 pessoas, 15 com deficiências.
IPS: O senhor é um homem de sucesso, e sua carreira pode servir de modelo para outros. Como sua deficiência afetou seus estudos de direito? Sofreu alguma discriminação?
RM: Gostaria de poder trabalhar no tribunal, mas não poderia ler documento. Assim, decidi ser acadêmico. Pelo menos posso ler o material de antemão. O que aconteceu em meados dos anos 1980 foi que colocaram vozes sintetizadas nos computadores e assim podia ler o que estava na tela. Isto me deu grande liberdade. Contudo, creio que foi após casar e ter filhos que as pessoas me viram no centro da sociedade. Antes era visto como um acadêmico muito incomum que vivia à margem da sociedade, o que é muito diferente. Além da minha mulher e dos meus filhos, o mais importante que faço é ensinar direito. Ensino durante um ano, e creio que no final já não pensam da mesma forma sobre as pessoas com necessidades especiais. Envolverde/IPS