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“Quando as pessoas estão zangadas, começam a reagir”

Existem suficientes ferramentas digitais para que os cidadãos participem das decisões políticas, afirma Raquel Diniz. Foto:Bernardo Gutiérrez - Cortesia da entrevistada

Nova York, Estados Unidos, 29/8/2011 – O combate à corrupção assumiu protagonismo no governo da presidente Dilma Rousseff, e determinou a renúncia ou destituição de vários ministros em poucos meses. A sociedade civil brasileira busca na mídia digital uma via para protestar contra a corrupção tão enraizada na política e na economia do país, que lhe custa US$ 43 bilhões por ano, segundo o mais recente estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), divulgado em maio de2010.

Em poucos dias, uma convocação por meio da rede Facebook para uma manifestação no dia 20 de setembro no Rio de Janeiro sob o lema “Todos juntos contra a corrupção”, recebeu apoio de 13.130 pessoas. Mas o protesto não é suficiente. Os cidadãos também têm um papel na vigilância dos recursos públicos e na denúncia de casos de malversação, afirmou a jornalista e cineasta Raquel Diniz, criadora do Mapa Colaborativo da Corrupção no Brasil, em entrevista à IPS.

“Minha ideia era que as pessoas atuassem de alguma forma, que entendessem a gravidade do problema e lutasse por um país sem corrupção”, afirmou em resposta a um questionário via correio eletrônico. A iniciativa, que está online desde maio, inspirou-se em mapas espanhóis: o do Movimento Nolesvotes, o da corrupção do Partido Popular espanhol e o que foi usado pelos “indignados” para planejar os acampamentos diante da Porta do Sol, em Madri e outros lugares da Espanha e do mundo, que deram lugar ao Movimento 15 de Maio (15M).

Seus promotores afirmam que a intenção é chamar a atenção das classes dirigentes. “Os políticos não entendem muito e estão isolados lá no alto de sua pirâmide. Cedo ou tarde terão de entender que tudo mudou. Os governantes precisam ceder parcelas de poder para que a sociedade seja realmente democrática”, argumentou Raquel. No mapa, os usuários podem apontar casos de corrupção por zona geográfica, sempre que estejam apoiados por referências na imprensa. Desta forma, se constrói uma espécie de memória coletiva que, na teoria, ajudaria a população a ter mais informação sobre os políticos antes de votar novamente neles.

IPS: Por que é importante ter um mapa da corrupção no Brasil?

RAQUEL DINIZ: Para que as pessoas se informem sobre os casos, participem da construção do mapa, para que se estimule o interesse pelo assunto. É importante que ao olhar o mapa as pessoas se revoltem. Creio que quando se está zangado é quando começamos a querer mudar as coisas e a reagir diante do problema. No Brasil é muito grave, mas as pessoas já estão acostumadas aos escândalos de corrupção e não se mexem muito para mudar essa prática tão comum na política, na polícia e, consequentemente, em toda a sociedade.

IPS: Há ferramentas semelhantes na região para denunciar o crime e a violência. De onde tirou a ideia?

RD: Fui viver na Espanha justamente quando começou a crise econômica de 2008. Vi o surgimento de muitos movimentos contra o governo e o imenso crescimento das comunicações nas redes sociais. Foi quando fiquei conhecendo o Mapa da Corrupção do Movimento Nolesvotes e o Mapa da Corrupção do Partido Popular, o mais conservador da Espanha, criado por Leo Bassi em sua página PPLeaks. Voltei ao Brasil e continuei acompanhando o crescimento do 15M. Quando chegou até a mim um mapa do Google onde as pessoas podiam acampar virtualmente na Porta do Sol, me dei conta de que o mundo árabe e a Europa viviam um momento de profunda transformação social, e aqui no Brasil ocorria o contrário. A grande maioria das pessoas está contente com o crescimento macroeconômico e virando as costas para os problemas sociais. No mesmo dia pela manhã um casal de ecologistas que vivia na Amazônia foi assassinado e, à tarde, foi aprovada (com meia sanção) uma mudança no Código Florestal que legaliza a utilização de terras desmatadas irregularmente, antes consideradas protegidas. Nesse dia me senti muito revoltada, senti que precisava fazer algo, e criei o mapa.

IPS: Quais os principais resultados?

RD: O principal resultado foi aparecer nos maiores jornais do Brasil e as pessoas se inteirarem do Mapa e ajudarem a construí-lo. Minha ideia era que as pessoas agissem de alguma maneira, que entendessem a gravidade do problema e lutassem por um país sem corrupção. Como o Mapa é aberto, recomendo que tudo que seja colocado nele tenha uma referência na imprensa. Assim os dados terão legitimidade. O Brasil é especialista sem investigar casos de corrupção, mas os corruptos quase nunca vão para a prisão. Além disso, aqueles que vão, pagam multa, ficam livres e disputam a próxima eleição. Muitos voltam a ganhar e a governar.

IPS: Considera que a internet é eficiente como ferramenta para pôr a sociedade em contato com os governantes?

RD: Poderia ser muito eficiente porque é uma maneira de interagir e informar-se mutuamente. No mundo existem suficientes ferramentas digitais, muitas abertas, para que os cidadãos participem das decisões políticas. Seria muito fácil aplicar sistemas de democracia participativa nas decisões políticas, mas ainda estamos conhecendo esta nova forma de interagir. Os políticos não entendem muito e ficam isolados no alto de sua pirâmide. Cedo ou tarde, terão de entender que tudo mudou. Os governantes precisam ceder parcelas de poder para que a sociedade seja realmente democrática.

IPS: Vários estudos indicam que a América Latina é líder em presença nas redes sociais, com Twitter e Facebook. A que se deve essa característica da região?

RD: Na América Latina as pessoas são mais sociáveis do que em outros continentes, se interessam em conhecer pessoas. Além disso, a sociedade é muito vertical. Há pouca dinâmica para que a base da sociedade participe da construção do país, e os meios de comunicação de massa estão controlados pela elite, além de dependerem de publicidade política. As redes sociais substituem, de alguma maneira, os meios de comunicação tradicionais. Envolverde/IPS