A chanceler Angela Merkel, chefe do governo da Alemanha, tem revelado uma expectativa moderadamente pessimista em relação ao crescimento da economia mundial, mas não alivia quando diz o que pensa sobre o futuro da economia europeia. Ela escreveu no seu sítio pessoal na internet (às vésperas de seguir para o encontro do G-20 em Cannes) que os países europeus vão precisar de uns dez anos para solucionar seus problemas financeiros…
A senhora Merkel é uma ardente defensora do sistema europeu, da mesma forma que seu mentor e conselheiro, o ex-chanceler Helmut Kohl (que teve ação decisiva na reunificação alemã e na criação da moeda comum). Ela entende que a Eurolândia é bem mais do que uma arquitetura econômica: é uma construção política de extraordinária importância, que veio para garantir a paz num continente assolado por guerras há mais de mil anos.
A zona do euro não foi mal concebida, apenas a sua implementação acolheu muitas falhas durante o processo, sem coibir, inclusive, a desobediência mal disfarçada ao controle da moeda exercido por um Banco Central Europeu e aos ditames básicos de uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal. Pelo Tratado de Maastricht, nenhum país poderia ter um déficit fiscal maior que 3,5% em relação ao PIB e a relação dívida/PIB não deveria superar 60%. Garantiram absoluta liberdade de movimento de capitais, ampla liberdade para a movimentação da mão de obra e, com o tempo, se teria uma área monetária ótima, apesar de dúvidas levantadas quanto à viabilidade de se juntarem países com níveis de produtividade diferentes.
A história mostra que todos os países descumpriram o tratado, enquanto mentiam uns aos outros (inclusive a Alemanha): enganaram seus povos e a sociedade mundial, contando com a participação de um sistema financeiro corrupto e com a aprovação de agências de avaliação de riscos ainda mais corruptas. A destruição do equilíbrio do sistema europeu não se deve a nenhum erro de concepção, mas à cobiça financeira que envenenou seus membros.
Minha expectativa é, entretanto, menos pessimista que a da senhora Merkel: os países europeus precisam de uns dois anos para se livrar das dificuldades mais dramáticas. Os reflexos desse processo sobre a economia brasileira são de mensuração difícil, mas devem ter algum efeito sobre o consumo e sobre o investimento. A instabilidade do setor financeiro tende a reduzir o crescimento real da economia mundial e a paralisia da política norte-americana (com a habitual ajuda do Fed, o banco central daquele país) tende a desvalorizar o próprio dólar, medido com relação à cesta de moeda dos países que transacionam com os Estados Unidos. A cada desvalorização de 1% do dólar norte-americano (que valoriza o real) o preço médio das commodities (CRB) tende a cair 3%, o que ameniza a pressão inflacionária. O efeito sobre os preços das commodities pode ainda ser ampliado pela redução do crescimento da China, em consequência do desaquecimento da economia mundial.
Apesar de tudo, há alguma esperança no caminho de uma lenta recuperação europeia com a posse do excelente economista e experiente administrador Mario Draghi na presidência do Banco Central Europeu (BCE). Ele foi diretor do Banco Mundial durante seis anos e tornou-se famoso nos anos 90 do século passado quando salvou a Itália do default, como ministro do Tesouro, com um duro programa de corte das despesas públicas. Fez uma ampla privatização e desvalorizou a lira para prepará-la para a entrada no euro. Conquistou, com isso, o título de “Super-Mario”. Em 2002, foi contratado pela Goldman Sachs como seu vice-presidente e diretor-executivo, onde ficou, com magníficos resultados, até 2005. Assumiu, então, a presidência da Banca d’Italia. Trata-se do economista italiano de maior reputação no mundo, reconhecida durante sua extraordinária liderança no Financial Stability Board, que é constituído pelos reguladores globais.
Draghi não é classificável facilmente. A definição de quem o conhece bem é a de que “se trata de um economista eclético, com forte formação analítica, pragmática e experimentado no trato político”. Com Draghi, o Banco Central Europeu será mais arejado e vai ter de internalizar a ideia de que o euro não é moeda alemã. É a moeda da Eurolândia e tem de servir aos interesses de todos os seus membros.
Draghi começou bem, baixando 0,25% a taxa de juros logo no dia seguinte à sua posse na presidência do BCE.
* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.