Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação.
O orçamento geral da União de 2010 foi de R$ 1,4 trilhão de reais. Este valor é dividido, como gasto público, com base nas prioridades do governo federal. Foram destinados R$ 635 bilhões (44,93%) do total do orçamento a pagamentos de juros e amortizações das dívidas do governo federal, enquanto a educação recebeu somente 2,89% do valor total.
Neste processo de priorizar o pagamento das dívidas e o financiamento de projetos do capital, crescem as iniciativas sociais de “recuperação da educação pública brasileira”, protagonizadas pelas organizações sem fins lucrativos (ONGs).
Amigos da Escola e Todos pela Educação são exemplos da lógica dominante de aparente socorro do público pelo privado, que mascara a condução política dos recursos públicos pelo grande capital.
O projeto Todos pela Educação, criado em 2006, traça cinco metas para o período de 2006-2022 que, segundo seus porta-vozes, deverão reverter o quadro de dependência e sujeição histórica da fração mais pobre da sociedade brasileira.
As metas são: 1) toda criança e jovem de quatro a 17 anos na escola; 2) toda criança plenamente alfabetizada até os oito anos; 3) todo aluno com aprendizado adequado à sua série; 4) todo jovem com o Ensino Médio concluído até os 19 anos; 5) investimento em educação ampliado e bem gerido.
Entre os patrocinadores do projeto estão: Santander, DPaschoal, institutos Unibanco, HSBC, Camargo Correa, Odebrecht, Itaú Social, Gerdau, fundações Bradesco e Suzano Papel e Celulose. A Rede Globo entra como parceira e Amigos da Escola e Microsoft, apoiadores.
Estas pessoas jurídicas acima são o corpo social do grande capital, cuja razão real de ser é desconhecida por grande parte da sociedade brasileira. O que caracteriza a responsabilidade social? Quanto uma fundação que executa atividades como estas pode isentar-se de parte dos impostos devidos sobre sua base de lucros no ano corrente?
Também chama a atenção no site Amigos da Escola a concepção de trabalho voluntário, a partir da consciência individual sobre a participação para um futuro inclusivo para fração da sociedade.
Em nenhum destes programas o problema central da educação nos remete ao processo político dos gastos públicos brasileiros, que transforma o essencial em periférico, como é o caso da educação.
Estes projetos contam com todos os recursos para propagandear suas verdades, uma vez que consolidam a concepção do voluntário cidadão que está servindo ao futuro da nação, ao destinar seu tempo e coração a estas ações.
Os trabalhadores voluntários merecem nossa atenção, dada a disputa que necessitamos realizar. Mas os que convocam, são usurpadores do tempo, do trabalho, da cidadania participativa concreta.
2. Luta pela educação como direito
O que estes projetos ocultam, na faceta de amigos e todos pela escola, é a real necessidade do direito democrático e popular do povo brasileiro de exigir e lutar por/pela:
– uma educação pública de qualidade com o compromisso do Estado de cumprir com sua função republicana de destinar uma verba compatível com aquilo que recebe de impostos de sua sociedade, 10% do PIB para a educação já;
– condições dignas de trabalho e de remuneração para os educadores e funcionários públicos da educação, que têm atuado, a partir dos salários que recebem, como voluntários pela justiça social;
– garantia de acesso-permanência da criança e do jovem na escola e de uma aprendizagem de saberes múltiplos que remetam o papel essencial da escola na vida destes sujeitos. A escola como espaço fomentador de beleza e cultivo, próprio para gerar algo para além de seus muros, a realização dos sonhos potencializada pela educação pública de qualidade;
– realização de uma alimentação escolar digna. Na atualidade, tanto as crianças como as merendas são tratadas como recursos em disputa a serem barateados;
– conformação de um serviço público prioritário, em que não se terceirizem funções estratégicas do cuidar, como a limpeza, a segurança e a manutenção geral do ambiente escolar.
3. Sujeitos de direitos x amigos da escola
Agiremos em prol da educação como cidadãos se deixarmos de sermos amigos e passarmos à condição de sujeitos de direitos e deveres em pé de igualdade. Isto requer ver a escola não a partir do que cada um possa dar, mas pela instituição do caráter legítimo e legal de que todos devem ter acesso a educação de qualidade, como direito.
Tomar as ruas, lutar por direitos, assumir bandeiras coletivas, eis a função social real de nos movermos todos pela educação.
Gerar um antivalor à educação projetada pelo capital, associado à governança pública, cuja ação é a de substituir direito por benevolência, recursos públicos por trabalho voluntário, consciência de classe por doação individual de seus saberes.
A movimentação social da educação mineira, há mais de cem dias em greve, nos dá ares reais da necessidade de reversão do histórico quadro de precarização da educação pública. Mexeu com o professor, mexeu conosco em qualquer parte do país e do mundo!
A escola pública brasileira não necessita de amigos. Necessita de políticas públicas que consolidem direitos e garantam a prioridade na formação da infância e da juventude. Há um projeto em disputa. É necessário que compremos a briga, que declaremos nossas diferenças, que instituamos nossas verdades frente à fantasia organizada pelo grande capital.
* Roberta Traspadini é educadora e economista.
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.