Em 1992 o mundo tinha 5,5 bilhões de pessoas e vivia a desregulamentação dos mercados e a redução do papel do Estado. Vinte anos depois, o planeta tem sete bilhões de habitantes e vive a ressaca do neoliberalismo e dos limites impostos pela natureza.

O Brasil, que recebeu no Rio de Janeiro os chefes de Estado que vieram para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, era tão diferente do Brasil de hoje que um desavisado visitante que retornasse poderia se imaginar em outro país. Fernando Collor foi o anfitrião, já em processo de despejo do Planalto, e o cenário econômico não poderia ser pior, com inflação galgando a casa dos milhares por cento ao ano (em 1992, chegou a 1.174% e, em 1993, ultrapassou 2.500%). Mesmo assim, vista em perspectiva, a contribuição da Rio 92, também conhecida como Cúpula da Terra, foi decisiva para mudar o entendimento do mundo sobre o desenvolvimento sustentável. O economista Ignacy Sachs, veterano das conferências da ONU, conta que aquela foi uma reunião na contramão da história. “Desenvolvimento sustentável precisa de planejamento, o que não é possível sem a presença de um Estado atuante, e nos anos 1990 estava na moda o Estado mínimo”, explica Sachs.

O cenário global hoje também não lembra em nada o início dos anos 1990. Os países pobres e em desenvolvimento amargavam crises cambiais e a incapacidade de arcar com o peso de suas dívidas externas e Estados Unidos e Europa ditavam os rumos da economia global após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Hoje, esses países trocaram de lado, os ricos derrapam em uma crise financeira que se arrasta desde 2008, e os antigos países subdesenvolvidos são tratados como emergentes e suas economias seguram o comércio global. Brasil, Índia e China lideram em desempenho econômico e ganham peso político no cenário global. O Século 21 chegou carregado de surpresas e arrancou os países de seus berços esplêndidos em direção a um futuro muito mais imprevisível.

Praticamente nenhuma das metas ambientais acertadas nestes 20 anos foi cumprida. No entanto o tema sustentabilidade ganhou espaços mais nobres na mídia, deixou as páginas de ciência para crescer nas páginas de economia. O furacão Katrina, que devastou New Orleans, nos Estados Unidos, em 2005, ganhou manchetes como o mais caro da história do mercado segurador mundial, com indenizações de mais de US$ 40 bilhões. O segundo lugar nesse ranking é ocupado pelo tsunami de Fukushima, em 2011, que envolveu pagamentos de prêmios de US$ 35 bilhões. Em março de 2004, o Brasil registrou o primeiro furacão da história no Hemisfério Sul, o Catarina, que deixou 11 mortos e prejuízos de R$ 830 milhões no Estado de Santa Catarina. E os eventos climáticos extremos aumentaram em frequência e intensidade, como a seca que atingiu a Amazônia em 2005, uma das mais severas já registradas na região.

Diante desse mosaico de transformações no mundo e na economia as questões ambientais entraram definitivamente na agenda dos governos, das empresas e da sociedade em geral. O Brasil que abre a Rio+20 se arrasta em temas relevantes como o saneamento básico, que ainda passa ao largo de mais da metade dos domicílios, ou cerca de 25 milhões de lares, que não possuem sequer ligação com a rede coletora de esgoto e tem 80% dos esgotos lançados diretamente nos rios e no oceano sem nenhum tipo de tratamento. No entanto, esse mesmo país avança com a criação de uma moderna Política Nacional de Resíduos Sólidos, que propõe uma avançada cadeia de valor por meio da logística reversa de materiais. Também conta com metas ambiciosas em relação às mudanças climáticas, apresentadas pelo governo em 2009, durante a COP-15, Conferência das Partes sobre Clima de Copenhague, que depois foram consolidas em uma Política Nacional de Mudanças Climáticas. A mesma COP que não conseguiu um novo acordo global para substituir as metas do Protocolo de Kyoto, que desde 1997 vem sendo empurrado pelos Estados Unidos e não conseguiu impor ao mundo suas metas de redução de emissões de CO2.

Mesmo sem grandes acordos, a Rio 92 deixou heranças importantes, entre elas o senso comum de que o planeta ficou pequeno, deixou de ser um aglomerado de nações para se tornar uma sociedade global, com dilemas e desafios que transcendem as fronteiras humanas. Desde os anos 1980, o sistema ONU dava mostras de preocupação. Em 1987, a Comissão Brundtland, liderada pela médica e ex-primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland, divulgou o relatório Nosso Futuro Comum, encomendado pela ONU, com alertas sobre os excessos na exploração de recursos naturais. É dela a definição de sustentabilidade que aponta o “desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades da geração presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Nesta linha, um dos principais problemas é o desperdício de recursos, principalmente nas cadeias de produção de alimentos, onde a FAO (organização da ONU sobre agricultura) aponta que quase 50% do que se planta não chega às mesas, com perdas em quase todos os elos da cadeia de produção, venda e consumo. “Podemos alimentar mais do que os atuais sete bilhões de habitantes do mundo”, diz Ignacy Sachs, mas alerta que é preciso mais planejamento na produção de alimentos.

O principal documento da Rio 92 é a Agenda 21, que mesmo não tendo força legal apontou rumos para o planejamento do desenvolvimento sustentável em todos os níveis de gestão. Ela orienta os países e governos locais a atuarem no combate à pobreza, proteção à atmosfera, planejamento do uso do solo, combate ao desmatamento e à desertificação, cuidado com os recursos hídricos e proteção à biodiversidade, tratamento e destinação responsável de resíduos urbanos e industriais e educação ambiental. Do ponto de vista das empresas, os avanços se deram nos processos de gestão, com a criação de índices de sustentabilidade nas principais bolsas do mundo, como o Dow Jones Sustainability, em Nova York, e o ISE na Bolsa de Valores de São Paulo, a BM&FBovespa. Além disso, um componente novo entrou no cenário, o Relatório de Sustentabilidade, que, mesmo ainda não sendo uma peça legítima de transparência corporativa, é um avanço diante da completa ausência de informações que vigorava no Século 20.

Ao final da Cúpula da Terra do Rio a mídia se apressou em anunciar o fracasso da Conferência. Vinte anos mais tarde alguns dados apontam que o desenvolvimento sustentável avançou pelo menos uma parte do caminho: no consenso global sobre os conceitos e princípios fundamentais da sustentabilidade, nos mecanismos e ferramentas para a sua implantação e no arcabouço legal para uma governança ambiental do planeta. A nova Conferência, que acontece este mês, vai debater como aplicar esses conhecimentos em uma governança global pela sustentabilidade e na implementação de uma economia verde, focada na inclusão e na distribuição mais equitativa dos recursos do planeta.

Os documentos da Rio 92

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Tem 27 princípios para guiar os países nas suas políticas de desenvolvimento sustentável. O Artigo 15, por exemplo, advoga o uso do princípio da precaução, que propõe não avançar em temas sobre os quais não existam certezas de que os impactos ambientais ou sociais não sejam importantes.

Declaração de Princípios sobre Florestas – Primeiro acordo global a respeito do manejo, conservação e desenvolvimento sustentável de todos os tipos de florestas.

Agenda 21 – Programa de transição para o desenvolvimento sustentável inspirado no Relatório Brundtland. Com 40 capítulos, tem sua execução monitorada pela Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável da ONU (CDS) e serviu de base para a elaboração das Agendas 21 nacionais e locais.

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) – Disponível para assinaturas na Eco-92, vigora desde março de 1994, reconhecendo que o sistema climático é um recurso compartilhado cuja estabilidade pode ser afetada por atividades humanas – industriais, agrícolas e o desmatamento – que liberam dióxido de carbono e outros gases que aquecem o planeta Terra, os gases de efeito estufa.

Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB) – Aberta para assinaturas na Rio-92, começou a valer em dezembro de 1993. Desde então, já foram aprovados dois protocolos da CDB – o de Cartagena sobre Biossegurança, vigorando desde setembro de 2003, e o de Nagoya, adotado em outubro de 2010. O Protocolo de Nagoya institui princípios para o regime global de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios de sua utilização, um dos três objetivos centrais da CDB. Os outros dois são a conservação e o uso sustentável da biodiversidade.

Convenção sobre Combate à Desertificação – Adotada em junho de 1994, fruto de uma solicitação da Rio-92 à Assembleia Geral da ONU, entrou em vigor em dezembro de 1996 e lida com desafios de superação da pobreza nas regiões áridas e semiáridas e medidas de controle da desertificação.

Dal Marcondes é jornalista especializado em jornalismo econômico, diretor e editor responsável da Envolverde Revista Digital e presidente do Instituto Envolverde.

** Conteúdo produzido pela Envolverde e publicado originalmente no suplemento Carta Verde, na revista Carta Capital.