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Nem dólar, nem euro. Ouro!

Londres, Inglaterra, 21/7/2011 – A preocupação da China pelo lento falecimento do dólar justifica sua propalada compra de dívida de governos europeus. Porém, com a crise do euro amadurecendo, os mandarins financeiros chineses buscam um pilar mais sólido para suas reservas de divisas, que já somam US$ 3 trilhões. Enquanto a crise de endividamento da zona do euro se espalha de Grécia e Portugal para países como a Itália e ameaça a própria sobrevivência do euro, financistas e economistas chineses se voltam novamente para o ouro a fim de garantir estabilidade.

Yu Yongding, ex-assessor do Banco Central da China e duro crítico da compra de bônus do tesouro dos Estados Unidos, pede urgência às autoridades no sentido de diversificarem o mais possível os valores da carteira do país para proteger-se da debilidade do dólar. Aproximadamente US$ 1,2 trilhão de reservas chinesas estão investidos em bônus do tesouro norte-americano. A dívida dos Estados Unidos aumenta e piora sua relação com o produto interno bruto, afirmou Yu em um fórum econômico realizado esse mês em Pequim.

Yu também previu problemas com os ativos norte-americanos e a economia global e concorda com bancos como Goldman Sachs quanto a prever o lento e sustentado declive do dólar. Entre 1929 e 2009, o poder de compra da divisa norte-americana caiu 94%, disse Yu. O Goldman Sachs prevê que perderá 15% de seu valor em relação à libra britânica nos próximos 12 meses. Numerosos investidores de diferentes partes do mundo começaram a guardar suas reservas em outras divisas para evitar se expor a uma queda maior.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, na semana passada precisou sair em defesa da atribulada economia de seu país, e insistiu que não tem os mesmos problemas que Grécia ou Portugal. Diante da possibilidade de empresas qualificadoras de risco, como Standard & Poor’s e Moody’s, reduzirem a nota máxima que a dívida norte-americana ainda ostenta, cresce o temor de que o país não possa continuar pagando os juros aos seus credores, especialmente a China.

Diante dos problemas do dólar, Pequim começou há três anos a mover parte de suas reservas para o euro, outro pilar do sistema monetário internacional em problemas. O governo chinês contribuiu, no ano passado, para evitar uma profunda crise do euro ao comprar bônus gregos em troca de um contrato de arrendamento por 35 anos do Porto de Pireu, em Atenas. Depois, comprou US$ 1,4 bilhão em bônus espanhóis, impulsionando a confiança do mercado em relação à Espanha.

Quando o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, visitou três países europeus em junho fez saber a sua intenção de adquirir uma participação no fundo de resgate do euro da União Europeia (UE). A generosidade da China com a Europa levou o Conselho Europeu de Relações Exteriores, um influente grupo de estudos, a alertar que o “interesse de Pequim pela Europa prejudica os interesses do continente” e ameaça colocar em risco valores da UE em troca de investimentos.

Contudo, há capitalistas chineses que consideram um risco necessário investir na dívida europeia. “Colocar dinheiro para salvar a Europa não é de todo ruim”, escreveu o analista de assuntos financeiros Ming Jinwei no semanário Economic Observer. “Já não se pode ignorar a qualificação do crédito dos Estados Unidos nem a depreciação do dólar. Aproximando-se da Europa, a China pretende libertar a si mesma e o sistema financeiro mundial da dependência dos Estados Unidos e de sua divisa”, acrescentou.

A China nunca ocultou seu interesse em ver sua moeda, o yuan, em algum momento substituir o dólar como divisa de câmbio, mas seus esforços para ampliar essa influência têm efeito contrário. A estratégia de Pequim para impor o yuan como divisa se acelera com a incorporação de cada vez mais membros ao clube comercial desta moeda.

Nos últimos dois anos, Brasil e China acertaram vários intercâmbios de divisas entre seus bancos centrais para manter seu comércio sem utilizar o dólar. Acordos semelhantes foram feitos com Argentina, Índia, Rússia e África do Sul, entre outros países. No primeiro trimestre deste ano, cerca de 7% do intercâmbio comercial da China foi realizado com sua própria moeda, uma proporção 20 vezes superior à de 2010.

Entretanto, em lugar de reduzir sua dependência em relação ao dólar, a rápida internacionalização do yuan está conseguindo o contrário, ressaltou Yu Yongding. Já que acreditam que o yuan será valorizado, os que comercializam com a China estão dispostos a aceitar pagamento nessa moeda, mas depois são reticentes em soltá-la e preferem pagar com outras divisas. Assim, a China paga cada vez mais importações em yuan enquanto acumula mais e mais divisas estrangeiras.

A China precisa de uma “urgente” revisão de sua estratégia de reservas de divisas, disse Xia Bin, assessor do Banco Central. Em lugar de comprar dívida do Ocidente, o país asiático deveria investir em ativos estratégicos e acumular ouro “comprando ações em baixa”, recomendou. Pequim reconhece ter duplicado suas reservas de ouro, que chegam a 1.054 toneladas, equivalentes a US$ 54 bilhões. E prevê aumentar esse volume para oito mil toneladas. Envolverde/IPS