Cairo, Egito, 21/7/2011 – As bombas que não explodiram e estão espalhadas em áreas povoadas da Líbia continuarão provocando mortes e mutilações muito depois de terminar a guerra entre forças rebeldes e leais ao líder líbio Muammar Gadafi. Mohammad, de 15 anos e natural da cidade de Misurata, em abril perdeu a maior parte da mão esquerda e foi ferido no abdome quando explodiu em suas mãos um projétil sem detonar com o qual brincava e que encontrara perto de sua casa.
“Era uma granada que ele trouxe para casa, e seus irmãos chegaram a brincar com ela por dois dias, mas, no terceiro, quando ele a levantou, explodiu”, contou à IPS o fotógrafo e gerente de comunicações do Grupo Assessor sobre Minas (MAG), Sean Sutton. “Teve muito sorte por sobreviver, mas a experiência foi profundamente traumática para ele e sua família”, acrescentou. “As crianças são, evidentemente, as mais vulneráveis nestes casos porque não sabem quais coisas são seguras e porque também tendem a brincar com estas munições”, disse o fotógrafo.
As bombas de fragmentação são armas explosivas que, uma vez lançadas do ar ou da terra, liberam até duas mil submunições cada uma, sendo que as que não explodem ficam espalhadas após um ataque e estão projetadas para explodirem mais tarde. Por isso, a morte ou a mutilação indiscriminada de civis continua muito tempo depois de realizado o ataque.
“As bombas de fragmentação causam dois riscos importantes. Primeiro, sua grande dispersão implica que não podem distinguir entre objetivos militares e civis, por isso seu impacto humanitário imediato pode ser extremo, especialmente quando usadas em zonas povoadas”, disse à IPS a diretora do grupo pelo desarmamento Coalizão Contra as Munições de Fragmentação (CMC), Laura Cheeseman. “Em segundo lugar, muitas submunições não detonam com o impacto e, de fato, se transformam em minas terrestres, mutilando as pessoas muito depois do final do conflito”, acrescentou a diretora da CMC. “Estas munições que não explodem são mais letais do que as minas antipessoais, e é mais provável que causem a morte”, ressaltou Cheeseman.
Adotada em maio de 2008, em Dublin, a Convenção sobre as Munições de Fragmentação proíbe os países que o ratificaram de usar este tipo der armas. A Convenção se converteu em lei internacional em agosto de 2010, e foi ratificada por 55 dos 108 Estados signatários. Nas sessões da Convenção realizadas em junho, “tanto a CMC como vários Estados-parte condenaram reiteradamente o uso indiscriminado dessas armas por parte de Gadafi, e pediram a adesão da Líbia à Convenção tão logo termine o conflito”, disse Cheeseman.
Em algumas cidades que foram cenário bélico, o retorno seguro de seus moradores depende da limpeza destes explosivos. O país vive desde fevereiro uma guerra civil entre rebeldes que buscam a queda do regime de Gadafi, no poder desde 1969, e forças leais ao líder líbio. Além disso, desde o final de março, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) realizou cerca de seis mil missões de bombardeio, inclusive 382 ataques a instalações de armazenamento de munições. Essas missões da Otan, que pretendem aplicar a resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas que exige a proteção da população civil líbia, acrescentaram mais riscos às milhares de munições sem explodir que já estavam em zonas habitadas.
“O perigo dos ataques da Otan é que as munições se espalhem pelas zonas aldeãs, sendo uma ameaça para a população civil até serem eliminadas”, alertou Mark Hiznay, pesquisador da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW). Nas cidades de Bengasi e Tobruk, no nordeste, e em Zintan, no noroeste, os civis conseguiram acesso a munições guardadas em instalações militares. “Estes artefatos podem ser instáveis e explodir com o simples contato”, ressaltou.
“As minas terrestres também são um problema cada vez maior. Os últimos informes indicam que estão sendo minados campos nos arredores de Zintan, perto de Misurata, em uma zona agrícola”, acrescentou Sutton. Na semana passada, pesquisadores líbios da HRW descobriram pelo menos três campos minados pelas forças de Gadafi com minas antipessoais e antiveículos nos arredores de al-Qawalish, nas ocidentais montanhas Nafusa. A HRW diz que os três campos minados estão em áreas de grande população civil. Muitas das 240 minas antipessoais encontradas são de fabricação brasileira, enquanto as 46 antiveículos são da China.
“As minas brasileiras que descobrimos são muito pequenas, quase totalmente feitas com plástico e podem ser muito difíceis de serem encontradas com detector de metais em uma zona desértica. Mas o Brasil é parte da convenção sobre proibição de minas e não as fabrica nem as vende desde 1989”, destacou Hiznay. “Por outro lado, é preocupante vermos tantas minas porque a China não assinou nenhuma das convenções. Esperamos que instrumentos como o Tratado sobre o Comércio de Armas comecem a abordar este negócio não regulado com regimes que possuem maus antecedentes em matéria de direitos humanos”, acrescentou o pesquisador da HRW.
A Líbia é um dos 37 Estados que não aderiram à Convenção sobre proibição de uso, armazenamento, produção e transferência de minas antipessoais e sobre sua destruição, adotado em 1997, que estabelece a eliminação de reservas deste armamento no período de quatro anos, a limpeza de áreas minadas em dez anos e assistência às vítimas. Envolverde/IPS