Entre setembro de 2008 e janeiro de 2009 o Painel sobre Câncer dos Estados Unidos (espécie de conselho assessor do presidente da República) convocou quatro encontros para avaliar o estado atual da pesquisa, política e programas sobre o câncer provocado por fatores ambientais. O Painel recebeu o testemunho de 45 especialistas convidados da academia, governo, indústria e grupos ligados a pessoas com câncer e ao meio ambiente. Em abril de 2010, foi publicado o relatório sintetizando as conclusões do Painel, baseadas nos testemunhos recebidos e em informações adicionais.
O documento enfatiza que as crescentes evidências relacionando a doença à exposição a fatores ambientais e ocupacionais têm tornado o público cada vez mais consciente do quanto tais riscos poderiam ser prevenidos com medidas governamentais apropriadas.
Foi analisada uma ampla gama de fatores ambientais relacionados ao risco de câncer, incluindo as exposições industriais, ocupacionais e na agricultura, além das exposições relacionadas à prática médica, atividades militares, estilo de vida moderno e fontes naturais.
Uma das principais preocupações apresentadas no relatório é a constatação de que o peso dos fatores ambientais indutores de câncer foram até hoje grosseiramente subestimados. Há atualmente cerca de 80 mil químicos no mercado dos Estados Unidos, muitos dos quais são usados por milhões de norte-americanos em suas vidas diárias e são pouco ou nada estudados, além de não monitorados — ou seja, a exposição a potenciais carcinogênicos ambientais está amplamente disseminada. Um dos exemplos mencionados é o Bisfenol A (BPA), componente de plásticos e outros materiais ainda encontrado em muitos produtos destinados aos consumidores, e que permanece no mercado do país sem qualquer tipo de regulamentação, apesar das crescentes evidências que relacionam a substância a várias doenças, incluindo cânceres (o BPA também é amplamente usado no Brasil em plásticos e no verniz interno de latas que acondicionam alimentos e bebidas; já é sabido que a substância pode migrar dos recipientes para o alimentos). Mas, enquanto o BPA tem recebido considerável atenção da imprensa, o público continua a ignorar muitos outros carcinogênicos ambientais comuns.
O relatório destaca ainda que a pesquisa sobre as causas ambientais do câncer foi até hoje limitada pela baixa prioridade e pelo “financiamento inadequado”.
Como resultado, o quadro de oncologistas ambientais é relativamente pequeno e as consequências da exposição cumulativa ao longo da vida a carcinogênicos conhecidos, bem como a interação de contaminantes ambientais específicos, continuam muito pouco estudadas. “Falta ênfase na pesquisa ambiental como um caminho para a prevenção do câncer, comparando-se, em particular, com a ênfase dada a pesquisas sobre os mecanismos genéticos e moleculares da doença”, diz o documento.
Os pesquisadores ressaltam ainda que os atuais testes de toxicidade e métodos usados para estabelecer os níveis aceitáveis de exposição às substâncias não são capazes de representar com exatidão a natureza das exposições humanas a químicos potencialmente perigosos. Segundo eles, “os atuais testes de toxicidade se baseiam fundamentalmente em estudos com animais que utilizam doses substancialmente maiores do que aquelas às quais os humanos são normalmente expostos. Estes dados — e os limites de exposição extrapolados a partir deles — não levam em conta os efeitos danosos que podem ser provocados apenas por doses muito baixas. Além disso, como regra, os químicos são administrados quando os animais de laboratório estão em sua adolescência, um método que não dá conta de avaliar os impactos no útero, na infância e nas exposições cumulativas ao longo da vida. Mais ainda, as substâncias são testadas isoladamente e não em combinação”.
Outro aspecto de grande importância ressaltado no relatório é que a abordagem da regulamentação adotada nos Estados Unidos é “reacionária” e não “precaucionária”. Ou seja, ao invés de adotar medidas preventivas quando há existência de incerteza acerca do potencial dano que um químico ou outro contaminante ambiental pode provocar, uma evidência de dano precisa ser incontestavelmente comprovada antes que possa ser tomada qualquer medida restritiva. Além disso, ao invés de exigir que a indústria ou outros proponentes da liberação comercial de químicos, utensílios ou atividades comprovem sua segurança, é o povo que arca com o ônus de provar que uma dada exposição ambiental é prejudicial. Como exemplo, o relatório cita que apenas algumas centenas dos mais de 80 mil químicos em uso nos Estados Unidos tiveram sua segurança testada.
Observe-se que esta “abordagem reacionária” é a mesma adotada no Brasil, tanto para a liberação de agrotóxicos como de sementes transgênicas. Os estudos para atestar a segurança dos produtos são apresentados pelas próprias empresas proponentes. Se os órgãos reguladores (Anvisa, Ministério da Agricultura e Ministério do Meio Ambiente, no caso dos agrotóxicos, e CTNBio no caso dos transgênicos) não comprovarem, cientificamente, a existência concreta de danos, o produto caminha naturalmente para a autorização.
Fonte: Reducing Environmental Cancer Risk – What We Can do Now – 2008-2009 Annual Report – The President’s Cancer Panel, April 2010 – U.S. National Cancer Institute, National Institutes of Health, Department of Heath and Human Services.
* Publicado originalmente no AS-PTA e retirado do site Mercado Ético.