Especialistas apontam continente controlado por instituições financeiras.
A Itália tem 120% do Produto Interno Bruto (PIB) em dívidas públicas. O país protagoniza o novo capítulo da crise econômica mundial. Entretanto, os italianos apenas reforçam o diagnóstico de uma economia regional contaminada. A Irlanda está devendo 114% do PIB e a Grécia, 152%. Portugal e Espanha também agonizam com 90% e 63% do PIB a pagar, respectivamente. Dívidas baseadas em anos de crédito fácil e fomentadas pela especulação financeira, que hoje força cortes em receitas sociais e provoca desemprego (na Espanha é de 20%).
A “navalha” da austeridade, imposta pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como condição a empréstimos bilionários a esses países, agrava ainda mais a contradição que existe dentro mercado único europeu.
Mostra também a ingerência de instituições financeiras sobre a vida dos cidadãos do continente. É o que pensa o historiador espanhol Jorge Costa Delgado, historiador da Universidade de Cádiz e membro do movimento 15M (15 de maio).
Ditadura
O historiador Delgado acredita que uma das chaves do processo de crise é a incapacidade dos governos nacionais. Para ele, isso inclui a Alemanha e a França, nessa impotência frente ao processo de pressões dos mercados e, particularmente, à desestabilização que fomentam as agências de qualificação de riscos. Ou seja a ditadura dos mercados que desacredita profundamente os sistemas democráticos nacionais aos olhos dos cidadãos.
Uma “ditadura” apoiada desde o centro do capitalismo global. Isso porque o endividamento desses países traz benefícios ao sistema econômico vigente, a personagens da geopolítica global, e até mesmo, a especuladores do sistema financeiro.
Em artigo, o professor Michael Hudson, da Universidade de Missouri, aponta que a “linha dura” do Banco Central Europeu é apoiada pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, justamente para que as instituições estadunidenses não percam as suas apostas nas jogadas com derivativos [títulos] que assinaram.
O recente derramamento de dólar no mercado estadunidense levou a fortes movimentações de especulação que favorecem ainda mais o aumento da dependência de países endividados, como a Grécia. É vantagem comprar títulos da Grécia por causa de seu alto grau de endividamento. “Se o Brasil se transformou num cassino nos anos de 1980, agora, por causa do excesso de dólar, acontece o mesmo na Europa. E com o excesso de dólares, o capital compra títulos gregos, tendo depósito como custódia do Banco Europeu e pega o ‘euro”, explica o economista Paulo Passarinho.
Por seu lado, os banqueiros tentam obter grandes receitas por meio da dívida como forma de realizar aquilo que era antes levado a cabo pela guerra. Como afirma professor Michael Hudson, “exigem a privatização do patrimônio público (a crédito, com benefícios fiscais para os juros, de modo a que ganhe mais dinheiro para seus cofres)”.
Segundo ele, a única base legal para a exigência do pagamento por parte da União Europeia do resgate dos bancos franceses e alemães – assim como a exigência do secretário do Tesouro americano Tim Geithner – é a aceitação e consentimento público dessas políticas, como referendos.
Integração
Apesar da ditadura do capital financeiro aos direitos dos povos europeus, não é plausível apontar para uma “regressão” no que se refere a integração econômica entre os países do bloco. É a leitura que o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Virgílio Arraes faz. Para ele, na crise que se agiganta no velho continente “o problema em si não advém da união de seus povos, porém do grau de democracia aplicado nos últimos anos, em que as tecnocracias adquiriram maior desenvoltura, por conta das recomendações neoliberais”.
De acordo com ele, o problema é que “se pregava a defesa de sua competência [administrativa], imune à emoção de eleitores ou de partidos, e, logo, de medidas populares ou mesmo populistas”.
Desse modo, o resultado aflorado é adverso e mesmo diante do fracasso são elas mesmas [tecnocracias] que recomendam as prescrições, contrárias novamente à população. “Enterrou-se de vez o mote neoliberal de que regimes socialdemocratas, embora mais justos no curto prazo, eram caros, portanto, inviáveis no longo. Diante da conta atual, qual teria sido a vantagem em abraçar o neoliberalismo, uma vez que o eleitorado pouco se beneficiou dele?”, questiona, Arraes.
* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.