Como é amplamente difundida, a propaganda é a alma do negócio. Deixando para lá a hipótese de a afirmação ser, em si mesma, uma mera propaganda, não nos resta dúvidas que, se ela vier a ser exaustivamente repetida, o seu efeito é bastante eficaz. Mesmo sendo uma grosseira mentira, de acordo com o que afirmava o ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels.
Tenho constantemente defendido que a popularidade de Lula, o ex-operário e ex-presidente, não teria sido possível de se consolidar sem o fortíssimo apoio que mereceu da mídia dominante. Mídia não somente nacional, mas internacional. Esta é uma realidade que tenta ser deformada, pelos lulistas, a partir de abordagens que procurariam denunciar uma suposta e permanente conspiração dos meios de comunicação contra os seus dois mandatos.
Não há dúvidas que há veículos da grande imprensa – o caso mais notório é o da Revista Veja – que abusam de certo sensacionalismo de escândalos, beirando o ridículo. Contudo, como regra geral, o que temos é o mais amplo, geral e irrestrito apoio midiático às ações que foram continuadas por Lula em relação ao período de FHC, ou introduzidas por seus governos.
O caso mais notório diz respeito ao entusiasmo em relação à linha econômica adotada por Lula e, particularmente, aos efeitos do modelo econômico em curso, no tocante à distribuição de renda que, supostamente, teria tido a virtude de nos produzir uma nova classe média, com milhões de brasileiros ascendendo na pirâmide social.
Desde julho de 1994, quando foi lançado o Plano Real – plano de estabilização monetária combinado com a criação de uma nova moeda nacional, atrelada ao dólar -, temos observado, de fato, uma melhoria da distribuição de rendas entre os assalariados e todos aqueles que vivem de rendimentos do trabalho.
As razões para esse fato, comprovado pela evolução do coeficiente de Gini, calculado pelos dados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD’s) do IBGE, se relacionam a alguns fatores facilmente constatáveis. A própria redução dos índices mensais de inflação; os reajustes do salário mínimo, desde 1994, sempre com índices de correção acima da inflação; os efeitos dessa política de valorização real do salário mínimo sobre o piso do valor dos benefícios previdenciários; e a adoção e ampliação dos programas de transferência de renda aos mais pobres produziram esse efeito de diminuir a distância entre os mais pobres e os segmentos de renda mais elevada, dentro do mundo daqueles que vivem do seu trabalho.
Entretanto, esses resultados não devem ser absolutizados, para fins de análise do quadro mais geral da distribuição de renda no país. Isso se deve ao fato de os resultados das PNADs não captarem os chamados rendimentos típicos dos capitalistas – juros, lucros e aluguéis. Essas pesquisas, por amostras domiciliares, recolhem com mais precisão os dados referentes aos rendimentos típicos dos trabalhadores – salários, diárias, rendimentos de autônomos e dos informais. Desse modo, o que podemos afirmar é que os rendimentos dos trabalhadores menos qualificados ficaram menos distantes daqueles dos trabalhadores melhor remunerados, cujos rendimentos não tiveram os mesmos efeitos dos ganhos da base da pirâmide salarial.
Esse, sem dúvida, é um aspecto positivo, porém muito insuficiente para afirmarmos que houve uma melhora substantiva na distribuição geral da renda no país. O aspecto mais relevante a ser destacado é que continuamos a ter e conviver com uma estrutura tributária extremamente regressiva, onde, proporcionalmente ao que ganham, os pobres são mais penalizados do que os ricos, e, ao mesmo tempo, os gastos do governo privilegiam as despesas financeiras – na forma de juros – e beneficiam, assim, aos mais ricos.
Em termos salariais, o fato é que quase 70% dos assalariados encontram-se na faixa de rendimentos de até dois salários-mínimos (R$ 1.222,00), quando o salário mínimo calculado pelo Dieese – de acordo com o mínimo de renda para o sustento de uma família de dois adultos e duas crianças – deveria estar, agora em maio de 2012, em R$ 2.383,00. Grosso modo, em termos de renda per capita, o mínimo, portanto, necessário ao sustento de um membro dessa família seria de algo próximo a R$ 600,00.
Como explicar, desse modo, a superlativização dos efeitos distributivos de renda, que estariam ocorrendo atualmente e que são abundantemente noticiados pela mídia, para muitos, “golpista”? E como, particularmente, poder-se-ia explicar o surgimento de uma nova classe média?
A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, comandada por Moreira Franco, nos dá a pista. No final do mês de maio, foi divulgado um estudo que estabelece novos critérios para a identificação da classe média brasileira. De acordo com esse estudo, a “nova” classe média é composta por famílias com renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019, segundo os dados da composição da renda em 2009.
Isso mesmo, se o leitor se espantar com esses números, sugiro uma consulta à página na internet da própria SAE. Lá, será possível observar que houve um trabalho detalhado, que não somente classifica o que vem sendo chamado de classe média, como apresenta diferentes faixas de renda para a classificação dos vários extratos de renda do país. Os pobres, ou na terminologia da SAE “classe baixa”, dividem-se em “extremamente pobres”, com renda familiar per capita até R$ 81; “pobres”, com renda entre R$ 82 e R$ 162; e “vulneráveis”, com renda per capita entre R$ 163 e R$ 291.
Já a “nova classe média” também se divide em três faixas: entre os valores de R$ 292 e R$ 441, encontram-se os componentes da “baixa classe média”; a “média classe média” possui renda familiar per capita entre R$ 442 e R$ 641; e a “alta classe média” situa-se entre os valores de R$ 642 e R$ 1.019.
Completando esse curioso estudo, foram definidas também as faixas de renda da “classe alta”: de R$ 1.020 a R$ 2.481, temos a “baixa classe alta” e todos aqueles com rendimentos familiares per capita acima de R$ 2.482 passam a pertencer à “alta classe alta”.
Com base nesses números, o governo sustenta a sua informação que, de acordo com os critérios adotados, a classe média brasileira cresceu 10 pontos percentuais, de 2001 a 2009, passando de 38% da população para 48%. A estimativa da SAE, a partir de projeções da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), é que a classe média represente 54% dos brasileiros no final de 2012.
Sugiro que, a partir dessas informações, o leitor faça a sua opção: a propaganda é a alma do negócio ou a mentira repetida à exaustão vira uma verdade?
* Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.