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A ameaça vem do Norte golpeado

Genebra, Suíça, 30/5/2011 – OS Estados Unidos vivem a mais fraca recuperação econômica desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com alto desemprego e sem muitos investimentos devido ao seu superendividamento, enquanto os países da zona do euro se mostram instáveis e irregulares, segundo um estudo do Centro do Sul. Por sua vez, as economias em desenvolvimentos e emergentes (EDE) aparecem com certo grau de vulnerabilidade aos riscos financeiros originados pelos mais avançados (EMA), conforme descreve o quadro de situação mundial traçado por Yilmaz Akyüz, economista-chefe do Centro do Sul (South Centre), a organização intergovernamental de países em desenvolvimento, com sede em Genebra.

As EDE, com taxas de juros mais altas e melhores perspectivas de crescimento, atraem grandes quantias de capitais especulativos, assegurou Akyüz em uma conferência desta organização, na semana passada, dedicada ao exame das turbulências financeiras mundiais e às opções que se apresentam aos países em desenvolvimento. Quase todas as EDE enfrentam valorização de suas moedas, embora em um ritmo maior nos países deficitários em conta corrente, como Brasil, Índia, África do Sul e Turquia, do que nas nações com excedente nesta área, como China, Coreia do Sul e as nações do Sudeste asiático.

Muitos destes países também enfrentam bolhas nas áreas de crédito e ativos, bem como um aquecimento de suas economias e o risco de uma aterrissagem forçada. Akyüz disse que as EDE mais vulneráveis são aquelas que desfrutam dos benefícios da expansão mundial da liquidez, das altas dos preços dos produtos básicos e dos fluxos de capitais. Brasil, Rússia e África do Sul figuram entre essas nações mais ameaçadas, que poderiam repetir as experiências vividas pelo México nas décadas de 1970 e 1980, acrescentou.

O prognóstico do Centro do Sul, instituição criada em 1995 e mantida por países em desenvolvimento dedicada ao estudo dos problemas das nações mais pobres, diz que o crescimento vai se moderar de forma ordenada na Ásia, região que não aparece vulnerável aos riscos de crise de divisas e de balança de pagamentos. Por outro lado, África e América Latina lidarão com o crescimento de maneira menos ordenada devido à sua vulnerabilidade diante do endurecimento das condições financeiras mundiais e a uma possível deterioração dos mercados de produtos básicos, disse o Akyüz. Algumas das maiores EDE, que se tornam cada vez mais dependentes dos fluxos de capitais, sofrerão crise em suas balanças de pagamentos, alertou.

Diante desse quadro, o economista e jornalista Chakravarthi Raghavan, estimou que é necessária a “cooperação entre os países do Sul” e colocar em primeiro lugar “na ordem do dia a questão da cooperação política”. Raghavan disse à IPS que a economia mundial ainda está exposta a numerosos riscos e problemas em sua marcha para a recuperação, devido à grande recessão originada na crise financeira surgida em 2008 nos Estados Unidos e que em seguida passou para a União Europeia.

Cabe recordar que esta crise é o resultado “da conduta temerária, às vezes também fraudulenta e criminosa, de empresas financeiras e do desmantelamento, por razões ideológicas, da supervisão e do controle regulador”, denunciou o jornalista. Entretanto, o caminho para um futuro melhor e mais seguro está repleto de obstáculos. Não há soluções únicas ou simplistas que possam ser aplicadas a todos os países. Tampouco há espaço para o abuso de orientações econômicas teológicas, acrescentou.

Raghavan disse que a recuperação e a saída da economia mundial deste labirinto pedem uma variedade de medidas, diferentes de acordo com os países, e também no plano internacional. A melhor solução seria uma total cooperação internacional, que colocasse travas à liberdade ilimitada do capital financeiro e garantisse que o sistema sirva aos interesses da economia real em todos os países, afirmou.

Isto pode exigir controles de capital, mesmo em países como Estados Unidos, especialmente sobre o movimento de investimentos de curto prazo e outras operações comerciais. O controle pode incluir, ainda, os empréstimos de dinheiro dos bancos centrais, em particular o norte-americano, a taxas de juros próximas de zero, e a colocação desses fundos nos mercados das economias emergentes mediante investimentos especulativos de curto prazo, disse Raghavan. No entanto, ressaltou que os Estados Unidos e outros países que dançam ao som do grande capital financeiro não imporão esses controles.

Portanto, as maiores economias emergentes precisarão adotar outras soluções alternativas, como restrições ao fluxo e à fuga de dinheiro especulativo de seus mercados de investimentos e operações comerciais no curto prazo, e a imposição de impostos a esses capitais e aos seus lucros, entre outras travas. Estas soluções alternativas não são as mais eficazes. Porém, esperar a ocasião apropriada é como pegar uma miragem, reconheceu o especialista.

Durante todo o processo, os países em desenvolvimento se verão envolvidos em outras crises, pois Estados Unidos e União Europeia contagiarão as economias mais pobres e emergentes do Sul. Por isto, é necessária a cooperação entre os países do Sul e colocar em primeiro lugar da agenda a questão da cooperação política, resumiu.

Akyüz observou que muitos dos problemas da economia mundial têm origem em defeitos sistêmicos da governança econômica mundial. A falta de disciplinas multilaterais sobre políticas macroeconômicas, de taxas de juros e financeiras exerce influência significativa sobre as condições econômicas financeiras mundiais, destacou.

Como Raghavan, o especialista do Centro do Sul mencionou a ausência permanente de controles eficazes sobre os mercados financeiros, os fluxos de capital e a especulação. Akyüz encerrou suas análises com uma referência ao G-20, integrado por nações industrializadas e em desenvolvimento, que “apesar de um início promissor assegurando uma resposta política à crise, falhou em encarar essas questões sistêmicas fundamentais”. Envolverde/IPS