As dúvidas e os impasses para colocar em prática o piso salarial são grandes ainda, mas a lei não pode colocar gestores contra professores. Foto: Silvia Zamboni/Folhapress

Mesmo após a publicação do acórdão do Supremo Tribunal Federal, no fim de agosto, que julgou constitucional a lei do piso salarial nacional do magistério, ainda são muitas as dúvidas e os desacordos sobre como criar uma base de remuneração para professores. Vigência, formato da correção, ampliação da jornada de hora-atividade, adequação e impacto nos planos de carreira são algumas questões que emperram o pretenso processo de consolidação da carreira e resgate da dignidade dos professores da Educação Básica.

Um dos principais impasses são os valores de correção dos salários que não se enquadram na lei do piso, isto é, aqueles que não estão no início da carreira. Explica-se: prefeituras e governos estaduais precisam garantir, neste momento, o pagamento de 1.187 reais para os professores que têm formação em nível médio, estão no início da carreira e trabalham 40 horas semanais. Para outras cargas horárias, o princípio da proporcionalidade deve ser aplicado e a boa e velha regra de três pode indicar os valores.

Reajustar o salário dos que já estão no magistério é uma função de cada plano de carreira e não da lei do piso. A previsão orçamentária e a realidade de arrecadação de cada município e estado devem ser consideradas para essa definição. Daí a necessidade da construção ou adequação dos planos de maneira democrática, sem jamais desconsiderar o impacto da alteração na carreira de cada educador e nas finanças públicas.

Para acabar com os principais dilemas sobre o mecanismo e a data de reajuste do piso, um projeto de lei aguarda para ser votado na Câmara. Se aprovado (já passou pelo Senado), o substitutivo vai garantir o reajuste todos os anos em maio. E mais: o porcentual de correção será definido pelo aumento do valor aluno/ano, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), das séries iniciais do Ensino Fundamental urbano. Em abril, a cada ano, o ministro da Educação deverá baixar um ato confirmando o porcentual. A aprovação do texto dará concretude ao projeto e evitará polêmicas judiciais.

E onde não há dinheiro suficiente para pagar o piso? A edição da Portaria 213/11 do MEC prevê a ajuda aos entes governamentais para garantir o cumprimento do valor do piso. Os recursos para a complementação vêm do aporte que a União faz ao Fundeb e, portanto, neste momento, somente podem atender os municípios e -estados que recebem complementação ao fundo, que são Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí (veja ao lado o que devem cumprir para receber a complementação). A senadora Marinor Brito (PSOL-PA) apresentou um projeto de lei que prevê a extensão da ajuda a todo o País. O projeto tramita a passos lentos. A Portaria 213 prevê seis critérios para o enquadramento dos entes que desejam solicitar a ajuda, bem como estabelece quatro parâmetros para diferenciar o grau de necessidade. Gestores e trabalhadores aguardam o Fundo Nacional de Desenvolvimento a Educação (-FNDE) -regulamentar a portaria para que os municípios possam requerer a ajuda ainda em 2011.

Diante do contexto, a lei do piso não pode estabelecer uma batalha entre gestores e profissionais do magistério. Pelo contrário, deve servir como ponto de partida para um esforço coletivo em torno da discussão do projeto de lei 8035/2010, que cria o Plano Nacional de Educação (PNE). As metas de formação e valorização do magistério poderão se concretizar à medida que o texto do novo PNE garantir novos recursos para a educação e definir claramente as responsabilidades entre os entes federados. E, claro, que determine uma participação financeira maior da União.

Outras demandas

Levantamento realizado em 2008 pela Undime, que representa os secretários municipais de educação, indicou que, na média, os municípios deveriam contratar um número 20% maior de novos professores para atender a ampliação do tempo reservado à hora-atividade. No ano seguinte, a crise financeira mundial fez cair em quase 10% a receita da educação por causa da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), entre outros. Esse fato preocupou os gestores e em poucas redes e sistemas a ampliação foi conquistada.

Agora, diante da demanda de expansão prevista na Emenda Constitucional 59 (de que todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar matriculados até 2016) e da necessidade de ampliação de investimentos para garantir a efetiva melhoria da qualidade, coerente seria o estabelecimento de uma mesa de negociação envolvendo gestores e trabalhadores em cada município e estado. É evidente a necessidade de uma regra de transição, pois não há condições de elevar de 20% para 33% o tempo reservado para o professor em atividades extraclasse.

Para fortalecer essa iniciativa, o MEC poderia aproveitar a Comissão Intergovernamental que discute o Exame para Ingresso na Carreira do Magistério e inserir essa discussão. Representantes em nível nacional dos gestores estaduais, municipais e dos trabalhadores, ao lado do ministro, conseguiriam diminuir a tensão e avançar nas conquistas em todas as redes e sistemas de educação.

* Carlos Eduardo Sanches é ex-presidente da Undime Nacional.

** Publicado originalmente no site da revista Carta capital.