Yuba, Sudão do Sul, 5/10/2011 – As comunidades que vivem na fronteira entre Sudão do Sul e Sudão podem ser vítimas de um genocídio se não forem resolvidas as tensões entre os dois países pelo controle das reservas de petróleo. Cada vez ocorrem mais combates entre o exército das Forças Armadas do Sudão (FAS) e o Exército de Libertação do Povo do Sudão-Norte (SPLA-N) nos estados sudaneses de Kordofã do Sul e Nilo Azul, bem como entre comunidades fronteiriças.
Kordofã do Sul limita a oeste com a região de Darfur. Por sua vez, Nilo Azul limita a leste com a Etiópia. Esta situação ocorre quando as comunidades desses Estados petrolíferos se armam de forma acelerada. As armas são cada vez mais acessíveis para os civis, segundo informe de uma organização não governamental local.
“Um dia, as comunidades na fronteira acabarão sofrendo um genocídio ou haverá uma sangrenta guerra, já que os governos dos dois países não dão valor à vida das pessoas, mas apenas aos recursos onde estão. Estes recursos prejudicarão o valor das vidas humanas”, disse à IPS o coordenador da não governamental Organização de Fortalecimento Comunitário para o Progresso (Cepo), Edmund Yakani. “Os governos nos dois países veem a fronteira do ponto de vista do lucro econômico em lugar de uma perspectiva das comunidades que ali vivem”, acrescentou.
Yakani disse que definir as fronteiras é fundamental, porque a fortaleza dos dois países é determinada ali. “O petróleo está na fronteira, por isso o governo do NCP (Partido Nacional do Congresso) em Cartum está dizendo que áreas como Heglig, perto do Estado de Unidad (Sudão do Sul), e Kaka, no Estado de Alto Nilo (onde há uma grande produção de petróleo), são áreas em disputa”, afirmou.
O território do Sudão do Sul contribui com 85% de todo o petróleo produzido no que antes de 9 de julho era um só Sudão. Contudo, aproveitar e exportar esse óleo depende de refinarias, oleodutos e outros serviços industriais que ficam no norte. Grande parte do petróleo procede dos Estados fronteiriços de Bentiu e Alto Nilo. Mas também existe em Jonglei, que fica no interior do Sudão do Sul.
Um informe da Cepo, divulgado no dia 17 de setembro, alerta que as comunidades na fronteira entre os dois países estão fortemente militarizadas e sofrem insegurança e violência. O estudo afirma que há “um rápido fluxo de armas para a população civil do lado do Sudão, para instigar ações violentas contra os que vivem do outro lado da fronteira”. “No Sudão do Sul, os civis também adquirem armas, supostamente para defesa própria contra o que veem como uma agressão e invasão de Cartum”, afirma o documento.
“O sul mostra uma extraordinária contenção diante da extrema agressão de Cartum”, disse o analista em assuntos sudaneses Eric Reeves, pesquisador do Smith College, dos Estados Unidos. “Não respondeu com a força, apesar dos contínuos bombardeios sobre seu próprio território que começaram há quase um ano, em novembro, e aos sistemáticos ataques com aviões militares e a tomada de Abyei”, território disputado cujos moradores devem decidir pelo voto se querem pertencer ao norte ou ao sul, disse Reeves à IPS.
Yuba, capital e sede do governo do Sudão do Sul, “até agora evitou unificar forças com os combatentes das montanhas Nuba (Kordofã do Sul) ou de Nilo Azul. Mas isto não vai durar muito”, acrescentou Reeves. Se prosseguir a ofensiva de Cartum contra Kurmuk, reduto do SPLA-N na fronteira com a Etiópia, crescerá a probabilidade de uma frente unida contra o governo do presidente Omar al-Bashir. “Cartum mobiliza uma brigada blindada para Kurmuk, capital do Movimento de Libertação do Povo do Sudão-Norte’ (SPLM-N, cujo braço militar é o SPLA-N), disse Reeves à IPS.
Se essa localidade cair, começará “uma prolongada guerra de guerrilhas como a que vemos em Kordofã do Sul”, acrescentou Reeves. “Esta não é uma guerra de guerrilha ordinária. Os que combatem contra Cartum podem não ter tantos equipamentos como a SAF, mas estão muito motivados e bem treinados, por isso não podem ser derrotados facilmente”, ressaltou.
“Um alto funcionário do SPLM-N me disse que muitos soldados do norte não têm estômago para essa guerra. Isso faz os generais de Cartum recorrerem mais à artilharia, aos tanques e aviões, uma forma eficaz de matar civis, mas não de desarticular uma força militar (de guerrilha). Assim, estamos definitivamente diante de um conflito prolongado”, acrescentou o pesquisador. “Se os combatentes do Sudão do Sul e de Nuba se unirem às forças do SPLA-N no Nilo Azul e com os rebeldes de Darfur veremos uma guerra desde a fronteira do Chade até a fronteira com a Etiópia, e potencialmente até à da Eritréia também”, destacou Reeves.
O conflito afetou a produção de petróleo, pois os terceirizados se afastam das áreas de violência. Atualmente, 98% da renda do Sudão do Sul procede do petróleo. O subsecretário do Ministério de Mineração e Petróleo do Sudão do Sul, David Loro Gutbek, disse à IPS que a extração diminuiu nas áreas de fronteira. “Nossa produção no Sudão do Sul caiu de 85 mil barris (de 159 litros) diários para 60 mil”, afirmou.
Negociar as fronteiras definitivas e a forma de compartilhar as riquezas de hidrocarbonos é o ponto mais importante. Entretanto, as conversações não deram resultados. Três poços estão produzindo menos em Unity, principal distrito petrolífero, enquanto a produção de Melut, no Alto Nilo, não é afetada. “Do lado sudanês, a queda é de 60 mil para 48 mil barris diários”, disse Gutbek. Em condições normais, Sudão do Sul extrairia 300 mil barris por dia, acrescentou.
No entanto, com a violência não se pode manter a segurança nos campos de petróleo e, assim, “pessoas desconhecidas” estão realizando atos de sabotagem contra a indústria. “Cortam cabos nos campos, é preciso consertar, e isso faz cair a produção”, disse Gutbek, que reconheceu à IPS que se a violência continuar a produção seguirá baixando. Contudo, tem esperanças de que se chegue a uma solução e haja segurança na fronteira. “Yuba e Cartum tomarão medidas para garantir que nada interfira com a extração de petróleo. Um comitê de segurança, formado por autoridades do Sudão e do Sudão do Sul, acordou vigiar a situação e melhorar a segurança na fronteira”, acrescentou.
Para o economista ambiental Spencer Kenyi, consultor do Banco Mundial sobre desenvolvimento do setor privado do Sudão do Sul, a violência na fronteira forçaria este país a desenvolver sua própria infraestrutura petrolífera e assim evitar a dependência de seu vizinho. Trata-se de um plano que existe há tempos, mas talvez tenha de ser acelerado, disse Kenyi à IPS. “A violência não é bem-vinda, mas vai gerar algo positivo no Sudão do Sul, cujo governo deverá pensar em criar suas próprias instalações, como oleodutos e refinarias”, acrescentou.
Os planos do Sudão do Sul incluem construir três refinarias e um oleoduto de 3.600 quilômetros, até o porto queniano de Lamu. No momento, Yuba paga tarifas que considera exorbitantes para usar os oleodutos e outros serviços do Sudão, que tem três refinarias, em Cartum, porto Sudão e El-Obeid. A central de refino de Cartum ampliou sua capacidade em 2006, de 50 mil para 100 mil barris diários. E a de Porto Sudão, perto do Mar Vermelho, pode processar 21.700 barris por dia.
A violência “levará o Sudão do Sul a reorientar sua estratégia petrolífera e a acelerar a implementação de seus próprios meios de transporte de petróleo para exportação”, disse Kenyi. Mas se os combates aumentarem, é possível inclusive que o país tenha de cessar completamente seu setor petrolífero, ainda que temporariamente. “Assim, terá que se dedicar ao desenvolvimento agropecuário como principal motor da economia”. acrescentou.
Isto, por sua vez, “quebraria a lógica dos conflitos violentos que surgem em torno da riqueza petrolífera e fronteiriça e, em consequência, um esforço posterior para demarcar os limites dos dois países seria muito mais amigável e pacífico”, disse Kenyi. Envolverde/IPS