Washington, Estados Unidos, e Bangcoc, Tailândia, abril/2011 – Apesar de a junta militar birmanesa montar um grande espetáculo com sua aparente cessão do poder ao Parlamento, e proclamar uma vitória para o apregoado “mapa do caminho para a democracia”, do general Than Shwe, a realidade mostra que se trata de uma farsa.
Como bem se sabe, para conseguir a verdadeira democracia é necessário um árduo trabalho e muito mais do que um “mapa do caminho”. Por exemplo, falta cumprir “desagradáveis” requerimentos, tais como realização de eleições livres, respeito aos direitos humanos e igualdade perante a lei. Por isto, a maioria dos birmaneses, incluindo as mulheres e as minorias étnicas, não acredita na farsa.
Mais de dois mil presos políticos jazem nas prisões birmanesas em detestáveis condições. As comunidades étnicas vivem com o medo e perambulam pela selva noite após noite para evitar que seus membros sejam executados ou forçados a realizar trabalhos forçados. As jovens e as mulheres estão à mercê de grupos de paramilitares que as violam, mutilam e torturam. As crianças são sequestradas e obrigadas a trabalhar para os soldados ou são usadas em varredura de minas terrestres e, muitas vezes, morrem fazendo isso. Seguramente, isto não é o que a democracia implica.
A líder moral da Birmânia, Aung San Suu Kyi, repetidamente exortou pela reconciliação nacional, processo no qual a Liga Nacional pela Democracia, as nacionalidades étnicas e o regime poderiam se comprometer em um diálogo genuíno. Entretanto, não há sinais de que tal diálogo esteja na agenda do regime.
As eleições de novembro de 2010 não foram livres nem justas, por isto não surpreende que o “novo” parlamento se pareça tanto com o velho governo militar. Sua direção inclui Thein Sein, chefe do partido pró-militar e estreito aliado do general Shwe. Recentemente, a Economic Intelligence Unit resumiu assim a situação: “O país continua sendo uma ditadura militar em tudo, menos no nome”.
Estranhamente, muitos países fazem vista grossa, apesar da evidente ausência de uma mudança real na Birmânia. Algumas nações democráticas, como Índia e Alemanha, tomaram a libertação de Aung San de sua prisão domiciliar em novembro de 2010 como um sinal de que era hora de a comunidade internacional relaxar em seus esforços para democratizar a Birmânia.
A triste verdade é que Aung San não está em liberdade.
Apenas três meses após o fim de sua prisão domiciliar, um comentário no jornal estatal New Light incluiu a seguinte ameaça: “Se Suu Kyi e seu partido seguirem o caminho equivocado, terão um fim trágico”. E depois de meses de silêncio, ainda não foram concedidos vistos às ganhadoras do Prêmio Nobel que apoiam continuamente Aung San e pretendem visitá-la em Rangum. É um claro sinal de que o regime vê o trabalho de Aung San junto com ativistas internacionais como uma ameaça para o status quo.
Entretanto, a Birmânia viola diariamente as leis internacionais e não há indicações de que a situação vá mudar proximamente. O Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos na Birmânia, Tomás Ojea Quintana, certamente reconhece esta realidade. Na mais recente sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, reiterou suas recomendações para criação de uma Comissão Investigadora da ONU sobre a situação na Birmânia.
Tal ação tem forte apoio das mulheres birmanesas.
Representando milhares de outras mulheres, no ano passado, 12 valentes birmanesas viajaram a Nova York para testemunhar em um tribunal internacional, quando descreveram as atrocidades sofridas sob a ditadura militar. Elas acreditavam que seus testemunhos assentariam as bases para a criação de uma Comissão Investigadora da ONU. Contudo, é triste ver que um ano depois a comunidade internacional não igualou a coragem dessas mulheres. A situação atual na Birmânia não representa o amanhecer de uma nova, mas de uma sinistra continuidade. Com os militares aferrados ao poder, as mulheres e as comunidades étnicas continuarão sofrendo as mesmas atrocidades nas mãos do novo regime “civil”.
É hora de a comunidade internacional demonstrar que está comprometida com o povo da Birmânia, bem como está com os movimentos pró-democracia na Líbia.
A criação de uma Comissão Investigadora não pode demorar mais, já que tem o potencial para um verdadeiro mapa do caminho rumo à democracia. Envolverde/IPS
* Jody Williams é Prêmio Nobel da Paz em 1997 e presidente da Iniciativa das Mulheres Prêmio Nobel. Tin Tin Nyo é secretária-geral da Liga de Mulheres da Birmânia.