Istambul, Turquia, 12/7/2013 (EurasiaNet) – Enquanto os habitantes desta cidade turca comemoram a reabertura do Parque Gezi, espaço verde central que deu origem aos protestos de junho contra o governo, outra demolição estava para acontecer… e também outro protesto. Desta vez o motivo foram os jardins que ficam dentro das muralhas da parte antiga de Istambul, que datam do século 6. Mas, por acaso o Parque Gezi deixou uma lição que agora possa influir na resposta de funcionários e manifestantes?
Os protestos do mês passado ocorreram porque em Gezi, um dos últimos espaços verdes da cidade, se queria construir um centro comercial. Depois que as autoridades fecharam o Parque por várias semanas, este foi reaberto brevemente ao público no dia 8, repleto de flores novas. Um tribunal de Istambul determinou em junho que a renovação do Gezi proposta pelo governo não era de interesse público, embora ainda possa haver apelação da sentença.
No entanto, o Parque não ficou aberto muito tempo. Após três horas a polícia resolveu fechá-lo antes de uma mobilização noturna da Plataforma da Solidariedade com Taksim, a coalizão que antes ocupara o lugar. Centenas de manifestantes contra o governo tentaram chega ao local e à vizinha Praça Taksim, mas a polícia antidistúrbios os frustrou, cercando o lugar com cordas e usando gás lacrimogêneo para dispersá-los.
Cidadãos comuns, que saíam do trabalho e tentavam voltar para suas casas caminhando, também foram dispersados junto com os manifestantes. Porém, nem estes e nem a polícia, que sentem contar com o apoio do governo, parecem estar dispostos a abandonar seu objetivo, o que converte em pânico e gás lacrimogêneo a nova normalidade para este bairro de Istambul.
Essa resolução já parece ter algum efeito em um grupo muito menor, mas não menos determinado. Na manhã do dia 8, cerca de 50 pessoas se reuniram para defender os jardins de Yedikule, uma área de verdes terrenos que foi ampliada ao longo das muralhas da era bizantina, local protegido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
A municipalidade de Fatih, dona dos jardins, pretende construir um parque em pelo menos quatro dos cerca de dez terrenos que há dentro das muralhas. Não está claro o alcance do projeto, que foi aprovado no dia 5 deste mês. Os críticos afirmam que a demolição dos jardins, depois dos protestos do Parque Gezi, são outro exemplo da primazia dos programas de construção do governo acima de todas as demais considerações.
“Quando alguém faz algo como isto, é como cortar as árvores do Parque Gezi. É o mesmo conceito”, disse Alessandra Ricci, uma arqueóloga italiana que estudou o local e criticou a Unesco por não se manifestar sobre a destruição dos jardins. “As autoridades estão destruindo o patrimônio cultural da cidade”, acrescentou. Günhan Börekçi, professor-adjunto de história na Universidade Sehir, de Istambul, disse que, “em termos gerais, na municipalidade há pessoas orientadas para os projetos, mas não se importam realmente com o que se perde”. Börekçi assistiu a manifestação de Yedikule. Pelo menos um jardim já estava parcialmente coberto de lixo.
O setor da construção é crucial no crescimento econômico da Turquia, e também ajuda a expandir sua influência regional. As empresas turcas do setor operam em cerca de 100 países, levantando desde edifícios de branco marfim em Ashgabat, capital do Turcomenistão, até aeroportos em múltiplas capitais dos Bálcãs. Em território turco, Istambul, a cidade mais conhecida do país, é cenário da maior parte das construções.
O analista político Cengiz Aktar, da Universidade de Bahçe?ehir, acredita que o governo turco ainda não conseguiu equilibrar novas obras, renovação e preservação do passado da cidade. Por outro lado, é dada ênfase nos lucros de curto prazo, apontou. “Não há um plano para a cidade. Não há planejamento urbano. Cada espaço que existe é bom para construir, aos olhos do governo. Há apetite por dinheiro rápido”, acrescentou. Porém, ao mesmo tempo, os políticos acreditam que estão fazendo de Istambul um lugar melhor, “entendem a modernidade urbana de um modo muito particular. Estão imitando o que, provavelmente, foi feito há cem anos nos Estados Unidos. É um conceito totalmente antiquado”, afirmou.
Mustafá Demir, prefeito de Fatih, deu a impressão de realmente acreditar em seu projeto de renovação quando se reuniu com os que protestavam contra a destruição dos jardins de Yedikule. Em meio a uma discussão entre moradores do lugar, chegou com um séquito que portava cartazes mostrando um rio artificial e espaços verdes no lugar dos jardins. Os residentes que apoiaram a renovação acreditam que a mudança aumentará a segurança e os valores das propriedades deste bairro. Os que discordam temem por sua renda, que procede da venda de verduras cultivadas nos jardins.
Quando começou uma discussão e uma pequena briga, os manifestantes se retiraram. A multidão se desfez gradualmente enquanto um velho ônibus da municipalidade, cheio de policiais, circulava através de um poeirento terreno rumo ao jardim. Um morador repetiu várias vezes o nome do lugar, e depois encolheu os ombros. Caroline Finkel, historiadora especialista na era do Império Otomano, que vive em Istambul, disse que, segundo registros bizantinos, os jardins datam do século 6, e devem ser preservados não só por seu valor histórico, mas também porque proporcionam o sustento da população.
A prefeitura está expulsando as pessoas de suas terras de maneira muito cruel e sem lhes dar nenhuma ajuda, afirmou Finkel. Pelo menos o inquilino de um jardim já pagou o aluguel de todo o ano. Não se sabe se a municipalidade compensará os afetados. Não foi possível obter declarações de representantes do governo de Fatih. Estes projetos estão em marcha há anos, lembrou Aktar, mas o movimento do Parque Gezi mudou o modo como o público vê estas iniciativas de “gentrificação”, ou “aburguesamento”. O movimento do Parque Gezi “sem dúvida ajudou a conscientizar sobre a potencial destruição que podem causar estes enormes projetos de construção”, afirmou. Envolverde/IPS
* Justin Vela é jornalista independente radicado em Istambul. Este artigo foi publicado originariamente por EurasiaNet.org.