Sertãozinho, São Paulo, Brasil, 7/4/2011 – “Uma decepção”, assim foi o contato inicial com sua nova cidade. Era pequena, com metade da população de Barretos, de onde vinha, e “com iluminação fraca”, conta Marcelo Pelegrini ao recordar sua mudança, aos nove anos de idade, em razão da transferência profissional de seu pai.
Era 1975 e começava o Programa Nacional do Álcool para substituir o petróleo, então encarecido, cujas importações estrangulavam a economia brasileira. A consequente expansão da cana-de-açúcar transformou Sertãozinho no centro industrial da principal zona açucareira do Brasil, no nordeste do Estado de São Paulo. A prosperidade, baseada principalmente em suas 550 indústrias e sete usinas produtoras de açúcar e etanol, triplicou sua população desde então, a ponto de agora superar os 110 mil habitantes, igualando-se à vizinha Barretos, com a vantagem de oferecer mais empregos qualificados.
Hoje Marcelo ri de sua impressão inicial da cidade, inclusive porque se tornou um protagonista do dinamismo econômico local, como secretário municipal de Indústria e Comércio, Abastecimento, Agricultura e Relações do Trabalho, desde 2002. Contudo, não administra apenas bonança. A economia de Sertãozinho sofreu o impacto da crise financeira internacional surgida em 2008 nos Estados Unidos, refletida na perda de 2.400 postos de trabalho no município em 2009, depois de um auge que gerou quase 11 mil novos empregos nos quatro anos anteriores, explicou.
“Foi a pior crise de nossa história. Sem crédito, os clientes perderam capacidade de pagar”, muitos projetos foram cancelados ou paralisados e “nossa arrecadação caiu pela metade”, disse Cristiane Câmara Braz, gerente de Mercado da Sermatec, uma das principais fabricantes de grandes equipamentos para a indústria canavieira, como caldeiras ou mesmo usinas completas. O Brasil viveu uma febre de investimentos no setor de 2005 a 2007, o que permitiu inaugurar 55 novas usinas em 2007 e 2008. Mas a crise abortou muitos projetos nos anos seguintes, deixando dívidas impagáveis.
Os efeitos, que atingiram a indústria de Sertãozinho, aparecem também na atual escassez de etanol, que forçou sua importação dos Estados Unidos para abastecer o mercado interno até o começo da colheita deste ano, este mês. Além disso, muitas empresas brasileiras em dificuldades tiveram que vender suas centrais sucroalcooleiras para capitais estrangeiros.
A Sermatec se recupera após mudar sua gestão, desenvolvendo novas tecnologias e buscando novos mercados, como petroleiro, siderúrgico e minerador. Antes, 90% das encomendas eram do setor canavieiro, agora “diversificar é o lema”, disse Cristiane. A empresa tem atualmente 1.200 empregados diretos, após readmitir parte dos demitidos em 2008 e 2009. Domina 40% do mercado nacional de caldeiras de biomassa, procuradas por novos projetos e antigos em fase de modernização, e exporta seus equipamentos, inclusive unidades completas para África e outros países da América Latina.
A indústria de base para o setor canavieiro nasceu, em geral, em oficinas de conserto e manutenção de máquinas e equipamentos açucareiros importados. Depois passaram a fabricar e, em alguns casos, como no da Sermatec, acumularam conhecimentos para projetar e montar usinas inteiras. A história da indústria de Sertãozinho começou com a Zanini, uma oficina criada em 1950 que se converteu em importante indústria de equipamentos pesados nos anos 1970 e desenvolveu inovações tecnológicas. Na década de 1990 sucumbiu à crise do etanol, deixando muitas empresas herdeiras, que aprenderam a trabalhar em conjunto.
Algumas, como a Sermatec, começaram como subsidiárias, outras foram criadas por ex-técnicos da Zanini, cujo sócio e diretor, Maurílio Biagi, é “um visionário que estimulou o espírito empreendedor e formou novos empresários”, reconheceu o responsável de Comunicação do grupo TGM, Adalberto Marchiori. A TGM, com “donos e técnicos procedentes da Zanini”, começou prestando assistência técnica e dando manutenção. Em 1994, passou a produzir turbinas a vapor, acabando por ser a maior fabricante da América Latina, exportando para 30 países, incluindo Alemanha e Estados Unidos. Conta atualmente com 1.100 funcionários.
A grande escala de produção que alcançou a cana no nordeste do Estado de São Paulo criou condições excepcionais para o nascimento e a expansão dessa indústria de base, que emprega 18 mil pessoas em Sertãozinho, segundo Marcelo. Isto representa um terço da mão-de-obra ocupada do município. A tecnologia é desenvolvida em estreita interação com as centrais açucareiras e destilarias, respondendo às suas necessidades. As caldeiras “variam de projeto para projeto”, segundo as condições e os objetivos de cada um, explicou Cristiane. A crescente geração de eletricidade, aproveitando o bagaço da cana, ampliou as usinas.
Com a demanda constante de trabalhadores capacitados, que voltou a crescer depois da crise, o município atrai mão-de-obra de outras cidades e procura formar novos técnicos locais. Várias instituições especializadas ampliaram suas instalações e seus cursos na cidade e o Centro Nacional das Indústrias do Setor Sucroalcooleiro e Biocombustíveis (Ceise) criou em dezembro sua Universidade Corporativa, junto com um instituto de ensino à distância.
O objetivo é aumentar o conhecimento do setor, promovendo inclusive cursos de Bioenergia, para presidentes de empresas, e outros de gestão, de nível superior, segundo Janaina Calor, gerente-executiva do Centro. O Ceise nasceu em 1980, em Sertãozinho, como uma associação limitada das indústrias locais. No ano passado, decidiu se transformar em um órgão de representação nacional, agregando Br às suas siglas e assumindo a missão de estimular o desenvolvimento do setor industrial sucroenergético.
Para orientar seu futuro, criou um Núcleo de Inteligência Competitiva, com dez comitês de especialistas avaliando aspectos da cadeia produtiva, como inovações, logística e comércio internacional, e novos produtos da cana, como bioquímicos e eletricidade. “Será uma revolução”, afirma o presidente do Ceise-Br, Adezio Marques. Esse setor “era muito desunido e ignorava o conceito da cadeia produtiva”, com industriais açucareiros, cultivadores de cana e indústria de bens de capital negociando separadamente com o governo nacional, até que o Ceise-Br “buscou a unidade”, acrescentou.
A mecanização da colheita no Estado de São Paulo, que deverá estar completa até 2014, ampliou o mercado de máquinas agrícolas, em cuja produção Adezio estima empregar dois milhões de pessoas em toda a cadeia brasileira, que compreende quatro mil empresas, mais serviços de logística, fornecedores de insumos e outras atividades afins.
No item equipamentos para produção de cana, se reconhece como grande inventor Luiz Antonio Pinto, por muitos chamado de “professor Pardal” do setor, fundador da empresa Santal, em Ribeirão Preto, a 20 quilômetros de Sertãozinho. Luiz Antonio construía colheitadeiras, adaptando modelos australianos, desde a década de 1960, mas “custavam mais do que a mão-de-obra” abundante que então chegava do Nordeste brasileiro. Essa indústria se tornou viável ultimamente, ao ganhar “mais eficiência e obter menores custos”, enquanto a mão-de-obra encareceu, explicou.
A proibição, a partir de 2014, da queima da cana para facilitar a colheita manual, deixará o campo para as máquinas. Por isso, a Santal se prepara para produzir colheitadeiras dotadas de esteiras para competir com empresas transnacionais, como as norte-americanas Deere e Case. Das cerca de mil colheitadeiras vendidas anualmente no Brasil, 95% são de esteiras, por serem mais estáveis e compactarem menos o solo. A Santal, que até agora as faz com quatro rodas motrizes, vende apenas 30 a 40 unidades por ano.
A companhia é pioneira na fabricação de veículos de transporte, que levam a cana colhida para os caminhões, que as transportam até a central açucareira e também para as máquinas plantadoras. Entretanto, o invento de Antonio Pinto que, provavelmente, mais contribuiu para o sucesso do álcool, como substituto da gasolina, foi o densímetro, de fácil leitura e instalado em todas as bombas de combustível, que indica a porcentagem de água misturada ao etanol, mostrando sua qualidade como combustível. Envolverde/IPS