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A China foca na paz na África

Trabalhadores chineses diante de um hotel cinco estrelas de US$ 90 milhões no Malawi. Foto: Claire Ngozo/IPS

Bishoftu, Etiópia, 16/10/2012 – A China logo poderá estender sua participação na África a assuntos de paz e segurança, segundo funcionários, pesquisadores e acadêmicos do gigante asiático e deste continente. Não deve surpreender o interesse de Pequim, disse à IPS o diretor do Instituto de Estudos de Paz e Segurança da Etiópia, Mulugeta Gebrehiwot, organizador do segundo Fórum de Grupos de Estudo China-África. “Não há nada que não esteja vinculado à paz e à segurança, seja em matéria de colaboração em investimentos, operações econômicas ou outros assuntos. Para tudo deve haver paz e segurança, que formam o instrumento central que mantém o clima de qualquer outra interação e colaboração”, afirmou.

Autoridades e destacadas figuras acadêmicas, entre elas o vice-primeiro-ministro da Etiópia, Demeke Mekonnen, e o vice-presidente da Universidade de Assuntos Exteriores da China, professor Zhu Liqun, participaram do Fórum de Bishoftu, 45 quilômetros ao sul da capital da Etiópia, realizada nos dias 12 e 13 deste mês.

“Nossa política de não interferência na África não significa que sejamos indiferentes. Somos contra alguns países que, com a desculpa de estarem preocupados com o próximo, interferem em assuntos internos”, disse à IPS o diretor-geral do departamento de assuntos africanos do Ministério das Relações Exteriores da China, Lu Shaye. A participação chinesa consiste em apoiar as organizações e instituições regionais do continente, pontuou. “Demos fundos à União Africana (UA) e vamos fortalecer esse apoio. Vamos colaborar com a UA e outras organizações regionais para compreender melhor este assunto. Vamos acelerar a ajuda para essas entidades”, destacou.

Até agora, o papel da China na África se concentrou principalmente no desenvolvimento econômico. O comércio bilateral chegou a US$ 166 bilhões no ano passado, segundo o Ministério de Comércio chinês. A política de não interferência de Pequim facilitou o fluxo de dinheiro para a África sem os compromissos que costumam exigir as potências ocidentais, o que permitiu a rápida construção de infraestrutura, segundo especialistas.

As empresas chinesas dominam o setor da construção neste continente, com participação maior do que França, Itália e Estados Unidos juntos, segundo o artigo O Papel da Indústria da Construção da China no Desenvolvimento da Infraestrutura na África, escrito por Bridgette Liu e Richard Stocken e publicado pelo Guia para as Transações Financeiras na África 2012, do Standard Bank.

“A arrecadação das construtoras na África central e austral aumentaram 31,7% em 2009, somando US$ 27,52 bilhões. No norte cresceram 30,8%, com US$ 29,29 bilhões”, diz o artigo. “Ao mesmo tempo, a participação das empresas chinesas no mercado africano aumentou de forma significativa, ao passar de 26,9% em 2007 para 42,4% em 2008, e baixou um pouco, para 36,6% em 2009”, acrescenta.

Além disso, “instituições financeiras estatais como o China Ecim Bank e o China Development Bank se tornaram importantes organismos de crédito na África, competindo com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) em termos de participação econômica no desenvolvimento”, segundo Liu e Stocken. Muito se escreveu sobre os empréstimos do Banco Mundial e do FMI neste continente.

Por exemplo, um artigo informativo da organização humanitária Oxfam, de 2006, com o titulo Kicking the Habit (Eliminando o Hábito) diz que a ajuda utilizada para conseguir as reformas econômicas nos países em desenvolvimento, com privatizações e liberalização comercial, fez com que no Mali, “longe de haver crescimento e diminuir a pobreza, aumentaram os preços da eletricidade, o que, provavelmente, afeta os algodoeiros, atrasa o fluxo de assistência e causa impactos negativos nas políticas de propriedade da terra no país”.

O presidente da China, Hu Jintao, anunciou há dois meses que seu país investirá US$ 20 bilhões a mais na África, mas acrescentou que Pequim tomará as medidas para apoiar a paz e o desenvolvimento. Já conta com rascunhos que descrevem com melhorará sua participação no continente. A China é a maior sócia comercial da África e o país que mais contribui para as forças de paz em relação aos outros membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

Porém, seu papel na África é controvertido para o Ocidente. Seu aporte à construção de uma nova sede da UA em Adis Abeba foi motivo de crítica entre os que afirmam que a nova potência econômica está comprando sua entrada no continente. As potências ocidentais alertaram em várias oportunidades que a participação de Pequim na África possui tendências colonialistas, ou que apoia regimes opressivos e tenta se aproveitar dos recursos naturais do continente.

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, disse, em sua última visita a esse continente, em agosto, que seu país defende os direitos humanos e a democracia, “embora fosse mais fácil e rentável olhar para o outro lado, para que os recursos continuassem fluindo”.

O especialista independente em paz e segurança Mehari Taddele Maru, cuja apresentação na conferência levou o título de Relações entre China e África: Áreas de Reforma para uma Associação Sustentável, questionou essa postura e disse que Pequim tem boa reputação no continente porque os países africanos sentem que seus sócios asiáticos respeitam outros povos, outras culturas e outros Estados.

A participação da China em questões de paz e segurança na África pode ser benéfica para todas as partes. Mas “A cooperação da China com a África será um problema para o futuro se continuar ocorrendo guerras civis”, disse à IPS o professor Liu Hongwu, diretor do Instituto de Estudos Africanos da Universidade Normal, na província chinesa de Zhejiang.

A paz é um assunto mais amplo do que a segurança entendida como ausência de enfrentamentos violentos. Também tem a ver com a segurança alimentar e a luta contra o vírus HIV – causador da aids – e outras enfermidades.

Hongwu acrescentou que a Pequim não interessa manter a paz apenas treinando soldados. “Também podemos melhorar a capacidade para manter a segurança capacitando os países em setores como finanças, educação e tecnologia”, acrescentou. A China capacita mais de seis mil africanos em diferentes setores e oferece cerca de 5.500 bolsas aos países da África. Envolverde/IPS