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A cidade do apartheid reverdece

De um lado, barracos com conexões ilegais à rede elétrica e, do outro, casas ecológicas. Foto: Lee Middleton/IPS

Atlantis, África do Sul, 16/12/2011 – Há um distrito no sul da África do Sul que carrega o peso de ter sido destinado à população “de cor” expulsa da Cidade do Cabo pelo regime de segregação racial que governou este país até o começo da década de 1990. Agora, pode mudar sua imagem. Trata-se de Atlantis, criada para abrigar as pessoas “de cor”, como são chamados na África do Sul os que apresentam ampla mescla social, com origens asiáticas, africanas e europeias, que não são considerados nem negros e nem brancos. A construção de casas amigáveis com o meio ambiente e de baixo consumo para setores pobres é o caminho escolhido para a mudança.

Lançado pela municipalidade da Cidade do Cabo, o projeto tem o objetivo de levantar “casas ecológicas” para 2.400 famílias de Witsands, o bairro mais pobre de Atlantis, onde reside a minoria de língua xhosa da cidade. As autoridades esperam que a iniciativa seja uma referência para a construção de casas sustentáveis de baixo custo. Dentro do Programa de Desenvolvimento e Reconstrução (PDR), que promete uma casa para cada sul-africano, foram entregues 800 residências ecológicas desde o começo de 2005. A iniciativa é uma colaboração entre a empresa Peer Africa, as universidades da Cidade do Cabo e de Johannesburgo, a companhia nacional de eletricidade Eskom e várias organizações não governamentais.

Voltadas para o norte, as casas de baixo consumo usam o modelo de desenvolvimento de assentamentos humanos com um custo energético e ambiental otimizado, criado pela Peer Africa. O projeto prevê que todas as unidades tenham janelas dando para o norte – o que permite concentrar o escasso sol do inverno –, um telhado projetado para proteger as casas das altas temperaturas no verão, e isolamento, especialmente no telhado, que mantém as temperaturas mais quentes e mais amenas. “No começo foi difícil fazer as pessoas entenderem”, recordou Fundiswa Makeleni, integrante da comunidade contratada pela Peer Africa para ensinar aos moradores do bairro o novo conceito. “Mas, quando lhes mostrei as casas, gostaram”, disse esta mulher de 34 anos.

A aceitação pela comunidade foi fundamental para o sucesso do projeto na medida em que os planos avançaram para além da orientação norte-sul das janelas. O pacote inclui também árvores, arbustos e cobertura vegetal, que exigem manutenção contínua. “Temos que devolver o que tiramos”, disse Beth Basset, da Comunidades Verdes, uma organização que oferece jardins para as casas, além de hortas e outros espaços, como parques e áreas de recreação.

Como muitas construções da província de Cabo Ocidental, Witsands está construído sobre dunas. São comuns ventos fortes e temperaturas extremas, exacerbadas por um ambiente despojado. “Levaram todo um ecossistema, colocaram as casas e partiram. Não havia caminhos em volta das casas. O vento levava toda a areia e deixava até um metro de fundações descoberto”, afirmou Basset se referindo a outros projetos PDR. Com déficit superior a dois milhões de moradias, o impacto de um modelo eficiente que promove uma vida sustentável pode ser enorme. “No atual contexto de mudança climática, trata-se de substituir os ecossistemas, estabilizar o solo, conservar a água e reciclar. Precisávamos construir imediatamente um modelo que deixasse a região verde”, acrescentou.

“A Cidade do Cabo está em uma área de muito vento, com areia solta, o que torna instáveis as estruturas. O verde ao redor das casas é um mecanismo para manter o terreno e prevenir a erosão. Também é uma oportunidade para experimentar e ver como se pode criar um estilo de vida sustentável”, afirmou Ernest Sonnenberg, conselheiro do comitê sobre Assentamentos Humanos da prefeitura local. “Somos os mais pobres dos pobres. Entretanto, usamos a natureza para amenizar o clima em nossa casa. Temos painéis e aquecedores de água solares e economizamos energia. Cada unidade não gasta mais do que 50 rands (US$ 6) por mês com eletricidade”, destacou Makeleni.

A segunda etapa do projeto, que começou em 2010 com o propósito de construir 1.835 unidades, das quais já entregou 350, acrescentou aquecedores de água solares, módulos fotovoltaicos para iluminar e carregar telefones celulares, e, por fim, sistemas de recuperação de águas pluviais. Makeleni pertence a um grupo de mulheres que economiza dinheiro graças ao menor consumo de energia e combustível. “Todos os meses nos reunimos para juntar nossas economias e guardar no banco. Anualmente, dividimos o dinheiro e podemos comprar coisas que precisamos”, contou. Ela pretende investir sua parte em sementes para plantar em canteiros tubulares que a organização Comunidades Verdes ajuda a construir.

As vantagens econômicas da casa ecológica são óbvias, e também proporcionam benefícios em outras esferas da vida. Várias mães destacaram a segurança dessas moradias. Por não precisarem de aquecedores que utilizam querosene, lâmpadas de óleo e não precisar fazer uma fogueira, são evitados acidentes, como choque por ligações elétricas ilegais, de má qualidade e problemas de saúde derivados da queima de combustíveis. “Nas moradias precárias se usa querosene, que é perigoso, suja e consome cerca de 200 rands por mês”, afirmou Vuyokazi Damane, de 31 anos. Além disso, gera um sentimento de comunidade, com lugares com parques e áreas verdes.

“Não se trata só de construir casas, mas uma comunidade. É a primeira vez que algumas dessas crianças pisam na grama. O verde promove a saúde e o bem-estar das pessoas. Todas as crianças estão no parque e os mais velhos sentam nos bancos. Assim são criados bairros”, ressaltou Basset. As casas ecológicas também melhoram a gestão municipal. “Se a região é arenosa e a poeira entra em casa, precisamos limpar mais para evitar inundações quando chove”, alertou Sonnenberg.

Uma casa “normal” do PDR custa cerca de US$ 12 mil. Deixá-la ecológica agregando painéis solares implica US$ 3 mil a mais, o que não é uma quantia insignificante quando só em Cabo Ocidental faltam 400 mil moradias. Contudo, agora a estatal Eskom assume o gasto. “Naturalmente, gostaríamos, como cidade, de reduzir nossa pegada de carbono. Necessitamos buscar formas inovadoras para construir casas mais baratas e de baixo consumo”, acrescentou o conselheiro.

Segundo Sonnenberg, “ainda há lições a aprender com a fase dois de Witsands, que servirão para nossos futuros projetos, mas estamos encantados com os resultados, e só o que podemos dizer é que a cidade deve investir em iniciativas desta natureza”, acrescentou. Envolverde/IPS