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“A classe média tem voz e se faz ouvir no Brasil"

Rebeca Grynspan: “É preciso prestar muita atenção à expansão da classe média, que traz consigo novas demandas aos Estados”. Foto: Gentileza do Pnud
Rebeca Grynspan: “É preciso prestar muita atenção à expansão da classe média, que traz consigo novas demandas aos Estados”. Foto: Gentileza do Pnud

Rio de Janeiro, Brasil, 4/7/2013 – Os protestos que tomam as ruas de centenas de cidades do Brasil são resultado da expansão da classe média, que agora busca ser ouvida em suas demandas, afirmou Rebeca Grynspan, após visitar este país para inaugurar o Centro Mundial de Desenvolvimento Sustentável.

Secretária-geral adjunta da Organização das Nações Unidas (ONU) e administradora associada do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Rebeca defendeu uma agenda construtiva para incluir a participação de toda sociedade no sistema político de tomada de decisões. O Pnud estima que 80% da classe média do mundo viverá em países em desenvolvimento até 2050 e, portanto, haverá maior demanda social sobre esses Estados.

O centro internacional conhecido apenas como Rio+ foi criado pelo governo de Dilma Rousseff, com apoio do Pnud, e tem por objetivo abordar questões relacionadas com o clima, a redução da pobreza, as problemáticas das cidades e contribuir, em geral, para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

IPS: O que representa o recém-lançado Centro Rio+ justamente um ano depois da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20)?

REBECA GRYNSPAN: O Centro Rio+ é realmente a concretização do que falamos na Rio+20, quando decidimos pela criação desta entidade e assinamos com o governo brasileiro. Trata-se de aproveitar este momento em que há uma conversação global sobre como este mundo levará adiante uma agenda de desenvolvimento única que abrigue tudo o que aprendemos nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e o contexto do crescimento sustentável.

IPS: Como pensar uma agenda de desenvolvimento única para o mundo? Quais são os desafios para o Centro Rio+?

RG: Procurar reunir as soluções nos três pilares do desenvolvimento sustentável, que são econômicas, sociais e ambientais, e mudar o discurso de negativo para positivo. Para isso é preciso unir as comunidades profissionais. O diálogo dos três grupos setoriais é o mesmo que levar o ministro da Fazenda para dialogar com seu colega do Meio Ambiente, que sozinho não pode fazer a transformação, além de comungar com uma comunidade mais ampla, acadêmica, setor privado e organizações da sociedade civil. É o legado do que o Brasil fez. Tivemos a Cúpula da Terra de 1992, a Rio+20 no ano passado, e ambas são turning points (pontos de inflexão) em termos da discussão do desenvolvimento sustentável. Me parece muito simbólico colocá-lo aqui no Rio.

IPS: Para a senhora, o mundo precisa se apressar ou temos tempo até 2015? Há alguma perspectiva para definir os ODS?

RG: O painel de alto nível entregou um relatório ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e agora também está fazendo o mesmo um grupo de trabalho interagências. Com esses dois insumos, Ban irá à Assembleia Geral da ONU, em setembro, para informar sobre o andamento dos ODS. Esperamos que, nesta ocasião, tenham sido reunidos todos os elementos para tomar uma decisão sobre os ODS e o contexto do desenvolvimento que o mundo quer para o futuro.

IPS: Quais aspectos os ODS devem conter? Serão uma continuidade dos ODM?

RG: Os ODM foram muito importantes, traçaram ação em níveis nacional e internacional, uma contribuição importante para a educação, a igualdade entre meninos e meninas, o combate à pobreza e a aids, tuberculose e malária. Porém, há vários elementos que se espera sejam superados na próxima agenda, porque não são universais. A maioria dos ODM era para os países em desenvolvimento, só havia um para todos que era o último, a cooperação global. A agenda dos ODS tem de ser universal. Terá que dar um espaço para se adaptar às condições específicas de cada país. Existe um chamado para não se basear apenas em médias, mas em desagregar os indicadores. Em países e sociedades desiguais, as médias escondem mais do que revelam. O painel de alto nível propôs 12 ODS para até 2030.

IPS: Qual papel o Brasil pode ter na formulação dos ODS?

RG: O Brasil pode exercer um grande peso nas decisões, pois tem uma grande liderança, uma grande capacidade para negociar, e possui um alto entendimento do que é fazer isto a partir de um país em desenvolvimento. Precisamos disto para, efetivamente, conseguir a convergência nos ODS, que devem ser ambiciosos e possíveis

IPS: O Brasil conseguiu tirar 40 milhões de pessoas da pobreza, mas agora houve uma explosão social de protestos. Como vê este cenário?

RG: Uma das coisas que está acontecendo no Sul é a expansão da classe média, e isso aumentará até 2050, quando 80% dos habitantes estiverem nessa faixa social. Deve-se prestar muita atenção a este fenômeno de progresso, que traz consigo demandas ao Estado de melhores educação e saúde, bem como cidades mais preparadas, e governança adequada. Não são fenômenos divorciados, mas parte do progresso, e a classe média tem voz e é o que estamos ouvindo neste momento. Houve um rápido avanço, tão rápido que a qualidade dos serviços que a classe média demanda está atrasada.

IPS: Como o Brasil pode consolidar seu crescimento e a demanda social por serviços e políticas públicas de qualidade?

RG: Tenho uma grande confiança no sistema democrático brasileiro, que conseguirá processar as demandas da população em uma agenda construtiva mais adiante. Suas autoridades podem ver isto como uma chamada de atenção para que o sistema político consiga processar reclamações muito mais fortes da classe média, que não se conformará e exigirá qualidade e participação. Se os partidos políticos usarem estes protestos para construir e responder a essas demandas, o Brasil seguirá por um caminho de progresso democrático. Envolverde/IPS