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“A conferência de Doha será outro fracasso”

Bulawayo, Zimbábue, 28/11/2012 – Os governos do Norte carecem de vontade política para ajudar os países em desenvolvimento que sofrem o pior da mudança climática, e tampouco a solução sairá da conferência internacional que acontece em Doha, afirmou o especialista sul-africano Patrick Bond. “Enquanto as elites continuam se deixando desacreditar, a única solução é se afastar destas conferências destrutivas e, assim, evitar legitimá-las”, defendeu Bond, diretor do Centro para a Sociedade Civil da Universidade de KwaZulu Natal, da África do Sul. “Por isso é preciso analisar e construir o movimento mundial pela justiça climática e suas alternativas”, acrescentou.

A 18ª Conferência das Partes (COP 18) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que começou no dia 26 na capital do Catar, em Doha, não será a exceção, afirmou Bond, para quem as edições anteriores da COP foram “conferências de contaminadores”. “O Catar é um país apropriado como sede da próxima conferência climática fracassada. Por questões de gênero, raça, igualdade social, meio ambiente, voz da sociedade civil e democracia, é uma região feudal onde o melhor meio de comunicação do mundo árabe, a rede de televisão Al Jazeera, com sede em Doha, não pode dizer a verdade em sua casa”, afirmou Bond, também autor de Politics of Climate Justice (Políticas de Justiça Climática).

IPS: O que a África tem a perder ou ganhar nesta Conferência?

Patrick Bond: “É preciso construir um movimento mundial pela justiça climática”. Foto: Cortesia do entrevistado

PATRICK BOND: A melhor oportunidade é que, com o falecimento do primeiro-ministro da Etiópia, Meles Zenawi, há alguns meses, é possível que haja uma nova liderança, sem a carga de revelações sobre a influência de Washington. Meles foi descoberto como alguém capaz de ser comprado, segundo os telegramas do Departamento de Estado dos Estados Unidos, divulgados em fevereiro de 2010 pelo Wikileaks. Sua posição favorável a Washington fez com que, apesar de ser um dos governantes que mais denunciou a dívida climática e reclamou que o Norte diminuísse suas emissões contaminantes, foi difícil o continente ser levado a sério. Lamentavelmente, desde que se calou a eloquente voz sudanesa de Copenhague, Lumumba di Apeng (diplomata e negociador-chefe pelos países em desenvolvimento na COP 15), nenhum dirigente africano deixou uma impressão positiva. E, embora exista a possibilidade de chegar à África um pouco mais de fundos para adaptação, a evidência atual confirma que o Ocidente paga às elites africanas e não aos mais afetados. A reunião do Catar não mudará estes calamitosos problemas.

IPS: Quais avanços acredita que haverá em Doha com relação ao Protocolo de Kyoto?

PB: Nenhum. A única esperança é impulsionarem o Fundo Verde para o Clima, mas os grandes animadores, como os Estados Unidos, disseram que apesar de os US$ 100 bilhões anuais prometidos pela secretária de Estado, Hillary Clinton, em Copenhague, em 2009, não vão dar dinheiro. Isto é, o Fundo está vazio e não pode nem começar a cobrir as necessidades de mitigação ou adaptação.

IPS: Em seus escritos, você se mostra duro com o Fundo Verde para o Clima. Por que?

PB: Apesar da urgente necessidade de um vasto mecanismo de pagamento pela “dívida climática” do Norte com o Sul, provavelmente de US$ 1 trilhão ao ano, devemos ser críticos com o Fundo Verde proposto desde o começo, pois seu enorme potencial foi destruído desde sua concepção. Isto se deve, em parte, ao fato de governantes africanos, como o falecido Zenawi e o ex-ministro das Finanças da África do Sul, Trevor Manuel, desempenharem um papel fundamental de liderança desde 2009 até o ano passado. Devido à sua ideologia favorável ao mercado, Manuel, especialmente, apresentou a louca ideia de que o comércio de emissões poderia oferecer até metade da renda do Fundo, quando, na realidade, esses mercados cospem até morrer, como se viu em 2010 no principal mercado dos Estados Unidos, Chicago, e com o colapso do mercado europeu nos últimos 18 meses. Isto quer dizer que não há pressão suficiente sobre o Norte para que reúna fundos multando os contaminadores por suas emissões, e depois rapidamente proibindo-as. Também é provável que as ínfimas rendas do Fundo se desperdiçassem no que chamamos “falsas soluções”, uma variedade de truques criados pelas corporações para poderem continuar contaminando. É necessária uma ampla gama de investimentos para uma sociedade pós-fóssil, bem como mecanismos de reparações para que os recursos cheguem às pessoas que sofrem a mudança climática, como uma “renda básica” para os moradores de zonas afetadas, sem interferência de tiranos locais. Um estudo-piloto para isto foi realizado na área rural da Namíbia, com fundos de igrejas alemãs, e apresentou resultados dos mais animadores.

IPS: Como funciona a governança climática global?

PB: Como demonstrou o desastre de Durban (COP 17), a ideia de uma gestão global da catástrofe climática, devido ao atual equilíbrio adverso de forças, é ridículo, em termos gerais. Já não resta nenhuma dúvida de que todo avanço no âmbito multilateral exige dois ingredientes. Primeiro, outro colapso do experimento do comércio de emissões para acabar com a ficção de que um mercado dominado por banqueiros internacionais pode resolver o problema de contaminação causado por mercados desregulados. Segundo, proibir as delegações de Washington, a saber do governo dos Estados Unidos e das instituições de Bretton Woods, pois esta é a cidade mais influenciada pelos negadores da mudança climática. Portanto, toda iniciativa do Departamento de Estado equivale a sabotagem.

IPS: E como foram as negociações prévias à conferência de Doha deste ano?

PB: Para cada pequeno passo conseguido em Durban, em um contexto em que se prevê a morte precoce de mais 200 milhões de africanos neste século devido a secas e inundações extremas, houve retrocessos a passos agigantados. Graças ao Wikileaks, sabemos com luxo de detalhes que o Departamento de Estado suborna de forma solapada até as ocasionais delegações valentes, como a de Maldivas após o fiasco de Copenhague. Com este grau de suborno, intimidação e corrupção de Washington, por que deveríamos esperar que o sistema das COP funcione de repente?

IPS: Qual o futuro das negociações em matéria de mudança climática?

PB: O futuro de qualquer possível negociação de sucesso se encontra, de fato, entre os ativistas e o apoio popular à causa que se alcance, por um lado, e os governos e as corporações que costumam ser controlados, por outro. Até a consciência pública mudou rapidamente como resultado de eventos climáticos extremos nas regiões mais atrasadas do mundo. Estas são as únicas luzes de esperança para frear a mudança climática, e creio que, se mais pessoas conhecerem estas histórias, perderão seu ânimo e atuarão contra os contaminadores locais e os governos amigos das corporações. Envolverde/IPS