Porto Alegre, Brasil, 31/1/2012 – A ocupação, que movimentos tradicionais como os sem teto ou os sem terra utilizaram por anos como instrumento de pressão, é a chave para lutar contra o sistema capitalista em crise também no mundo virtual. Ao grito de “Vamos ocupar o Parque do Flamengo” (no Rio de Janeiro), representantes de movimentos sindicais, dos sem terras, de mulheres, indígenas, negros e quilombolas fecharam no final de semana o Fórum Social Temático (FST) em Porto Alegre (RS).
Durante a semana passada, o FST serviu como encontro preparatório para a Cúpula dos Povos, que acontecerá em junho de forma paralela à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). Enquanto isso, na reunião Conexões Globais, dentro do FST, ativistas convocaram uma campanha para bloquear sites de grandes empresas como forma de ocupação virtual.
O FST, um desdobramento do Fórum Social Mundial (FSM), propiciou uma discussão das formas modernas de protesto. Do encontro participaram, pessoalmente e pela internet, representantes dos movimentos populares Primavera Árabe, Ocupe Wall Street e dos “indignados” de Espanha, Estados Unidos e Grã-Bretanha. Dois temas atraíram a maior parte das atenções: o que fazer após as ocupações e como conseguir que as novas ferramentas informáticas possam favorecer movimentos sociais tradicionais que ainda não têm acesso a elas.
Em videoconferência a partir da Grã-Bretanha, o comunicador e pesquisador Matheus Lock não quis arriscar uma previsão sobre o futuro destas ocupações. “Durante o Ocupe Londres, as pessoas ficavam esperando orientações políticas pelo Twitter. Não há uma liderança. Há grupos de debates e alguns representantes. Participam, inclusive, os sem teto”, acrescentou.
No mesmo painel, Wilhelmina Trout, da Marcha Mundial das Mulheres, se referiu às dificuldades para informar ao mundo o que ocorria na África subsaariana, onde a maioria das pessoas não tem eletricidade e muito menos internet. O jornalista Emiliano Bos, que cobriu diversos conflitos no norte da África e no Oriente Médio, recordou como, no ano passado, um milhão de pessoas fugiram da Líbia para países vizinhos como Egito e Tunísia.
“Podíamos acompanhar a movimentação nas praças do Egito, mas não víamos que milhões de pessoas estavam se mobilizando, fora dos noticiários, em acampamentos para refugiados”, afirmou Bos. “Estas pessoas não estão representadas, não protestam, não ocupam. A única forma que têm de se expressar é por meio da fuga. Esperam um pedaço de papel que lhes permita sair dali”, comentou.
O marroquino Hamouda Soubhi, do Fórum Social do Magreb, afirmou: “As lutas são comuns, apesar de falarmos idiomas diferentes. Quando os meios de comunicação anunciaram que havia uma revolução no mundo árabe, também nos surpreendemos, porque por muitos anos denunciamos as violações dos direitos humanos e fomos presos, mas os ocidentais queriam manter o regime, porque podiam exportar o petróleo e retirar matérias-primas”.
“Para nós, não era uma revolução. Era apenas o direito de ter democracia, justiça e liberdade. Estamos diante de uma oportunidade histórica, e temos muitas: Rio+20, Fórum Social do Magreb, Fórum Social sobre a Palestina e os movimentos jovens da Europa e de diferentes partes do mundo que possibilitam mudanças, não amanhã, mas agora”, acrescentou Soubhi.
Na visão do sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC paulista, Sérgio Amadeu da Silveira, que participou das discussões na reunião Conexões Globais, afirmou que as mudanças passam pela criação de “democracias interativas” e não apenas participativas. “Falta os movimentos tradicionais unirem-se mais estreitamente com os ativistas da cultura hacker (piratas da informática), os ciberativistas. Assim se poderá construir uma nova esfera pública interativa, interligada, outro espaço para a formulação de políticas”, acrescentou.
Para isso, segundo Silveira, “é preciso abrir o código-fonte do poder”, em referência ao conjunto de linhas de texto que funcionam como instruções para um computador executar um programa. Corporações que tomam decisões importantes e podem causar devastações ambientais, sociais e econômicas podem ser responsabilizadas pela sociedade civil, disse o professor. Por exemplo, “o Ocupe Wall Street pode cobrar destas grandes corporações o preço da crise. Os partidos políticos, em geral, não podem, porque são financiados por essas empresas”, destacou.
Já o economista francês Gustave Massiah, ao falar na Sala dos Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirmou que a crise é social, geopolítica e ecológica, e que o desafio é conectar os novos movimentos populares com os grupos altermundistas que já lutavam contra o sistema. Com ele coincidiu o ativista Sam Halvorsen, do Ocupe Londres, que admitiu que a questão ambiental não é, até agora, uma preocupação central. “Estamos pensando em como vincular os problemas derivados da crise com as mudanças do clima. É o momento de pensar como formar vínculos”, explicou.
As mais de 30 organizações nacionais e internacionais que se reuniram no FST para definir as reivindicações que apresentarão na Cúpula dos Povos já utilizaram a internet para divulgar seu manifesto, embora saibam que precisarão mais do que isso para marcar uma diferença.
A agenda começará em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. A partir daí e a até o dia 10 haverá jornadas internacionais de “lutas, denúncias e articulações”. Os dias 15 e 16 servirão para discussões, enquanto em 17 de junho haverá uma marcha de abertura da Assembleia Permanente dos Povos, que estará reunida até o dia 21 do mesmo mês. No dia 20 de junho será convocada uma grande marcha no Rio de Janeiro, que os organizadores esperam ver repetida em todo o país e em várias cidades do mundo, com uma visível ocupação das ruas. Envolverde/IPS