Imagine que você está faminta e se sente incapaz de fazer qualquer coisa para saciar sua fome. Não tem dinheiro e nem alimentos para preparar. Então, alguém lhe chega com um pedaço de pizza. Provavelmente, você se sentirá muito feliz e agradecida por poder, finalmente, acalmar seu estômago.
Então, imagine que, daqui em diante, todos os dias, essa mesma pessoa lhe traga um novo pedaço de pizza para salvar sua vida. É quase certo que, em muito pouco tempo, você passará a considerá-la como algo vital para o seu bem-estar e a sua felicidade, sem a qual seria impossível continuar existindo. E pensará sentir por ela o maior amor do mundo, ao mesmo tempo em que também aumentam o seu apego e o medo de que ela simplesmente deixe de vir lhe visitar um dia.
Ao menor sinal de que, talvez, ela queira dar esse pedaço de pizza a outra pessoa faminta, você se sentirá indignada, insegura, ciumenta, possessiva. E fará uma série de cobranças a esse suposto ser amado, na tentativa de garantir que ele continue por perto. Nessas condições, essa pessoa salvadora também pode lhe pedir qualquer coisa, até mesmo que passe por cima de algo que é muito importante para você. E você terá que se submeter, afinal, é a sua sobrevivência e o tal pedaço de pizza diário que estão em jogo.
Agora imagine que você tem à sua disposição uma cozinha mágica, com todos os ingredientes em quantidades ilimitadas para as receitas mais variadas e deliciosas do planeta e uma criatividade infinita que lhe mostra como preparar todas elas. A que você quiser, na hora em que quiser.
Se nessa nova condição alguém bate à sua porta com um pedaço de pizza e lhe pede que deixe de ser você mesma em troca daquele alimento, você simplesmente lhe dirá: “Obrigada, eu não preciso desse pedaço de pizza, tenho aqui uma cozinha mágica e sou capaz de me oferecer um verdadeiro banquete”.
É essa a metáfora que o xamã da filosofia tolteca, Don Miguel Ruiz, usa para descrever as relações amorosas que vivemos atualmente, em seu livro O Domínio do Amor. Segundo ele, nos esquecemos de que cada um de nós possui, internamente, essa capacidade inata de fazer alquimias incríveis e nos proporcionar todos os sentimentos e sensações que gostaríamos de experimentar.
Desse modo, não precisamos ser dependentes de ninguém para sentir amor ou para nos sentirmos amadas. Não precisamos permanecer em relações que nos fazem mal, apenas por medo de não conseguir sentir algo tão grande e bonito como parece ser nosso atual sentimento. Ora, mesmo um pedaço de pizza amanhecido pode nos parecer o melhor alimento do mundo quando desconhecemos as outras possibilidades.
Não precisamos deixar de ser quem verdadeiramente somos apenas para que alguém fique ao nosso lado e, teoricamente, continue a nos amar. Não precisamos temer que ela dê o seu amor a outros. Não precisamos implorar para que essa pessoa fique em nossa vida, mesmo quando deseja ir embora.
Porque o amor está dentro de cada um de nós. No entanto, precisamos aprender a acessá-lo. Quando nos damos conta de que podemos fazer por nós tudo o que esperamos que os outros façam, começamos a descobrir esses ingredientes internos. E com um pouco de paciência, boa vontade ou mesmo de animação, os pratos que começam a surgir em nossa cozinha podem ser surpreendentes.
Não importa se você está sozinha há algum tempo, se está terminando um relacionamento agora, se está começando um namoro novo, se está casada com alguém. Sempre é possível começar a pôr a mão na massa nessa cozinha interior.
Comece fazendo uma lista de todas as coisas que são importantes para você num relacionamento e, uma a uma, vá as colocando em prática no seu relacionamento com você mesma. E quando você passar a se ouvir mais, a ser mais compreensiva, a ser mais gentil, a lhe dar mais atenção, a gostar mais de você, a se amar mais, a se presentear mais, a fazer mais programas que lhe dêem prazer, a ter mais tempo para você mesma (coloque aqui o que mais estiver faltando na sua listinha), será muito mais fácil encontrar a pessoa certa com quem se relacionar, sem achar que ela é a responsável pela sua felicidade ou mesmo pela sua sobrevivência.
E depois de tantas descobertas em nossa cozinha interna, aí sim, pode ser uma ótima ideia encontrar outras pessoas que também estejam se dando conta de suas cozinhas mágicas para trocar algumas receitas, misturar ingredientes, descobrir pratos preferidos em comum ou mesmo fazer uma bela festa.
Bom apetite!
* A Revista Tato aborda o feminino com respeito à individualidade e escolhas de cada mulher, e é realizada pelas jornalistas Manoella Oliveira e Thays Prado e a designer Vanessa Siqueira. E-mail: [email protected].
** Publicado originalmente no site EcoD.