“Engana-se quem acha que esse excedente chinês salvará o sistema, porque são US$ 3 trilhões em comparação a US$ 30 trilhões do restante do mundo. Não significa nada.”
A crise não caiu do céu, ela foi gerada. Quais são as razões dessa crise? A dívida dos Estados Unidos é hoje algo em torno de US$ 14 trilhões. E esta é uma das dimensões que foi varrida para debaixo do carpete, US$ 14 trilhões da dívida norte-americana debaixo do tapete. E ela cresce cada vez mais. Agora eu pergunto, por quanto tempo isto pode seguir adiante? Nos Estados Unidos, no último mês, o desemprego aumentou depois que trilhões de dólares foram injetados na economia.
O presidente Obama disse certa vez que já podia ver a luz no final do túnel da crise. Eu concordo com ele, também vejo uma luz. Mas é a luz de um trem vindo em nossa direção. Na ocasião, ele disse que o déficit dos Estados Unidos seria reduzido pela metade, e eu afirmei que era mais provável que o déficit dobrasse, exatamente o que aconteceu. Agora o Congresso norte-americano é incapaz de estender o próprio limite do endividamento do país. E esta conjuntura é global, está conectada com todos os outros países. Não é um problema da Espanha, ou dos Estados Unidos, ou de Portugal. Pegue a Itália como exemplo, onde um palhaço criminoso governa o país, Silvio Berlusconi.
Eu prefiro chamá-lo de Burlesconi, que é especialista em inventar soluções artificiais e provisórias para os problemas da economia italiana. Ele sofreu importantes perdas eleitorais nos pleitos municipais, mas eu ainda insisto, o que mudará com essas eleições? Muito pouco. Na Grécia, por exemplo, um governo de centro-direita foi substituído pelo Partido Social-Democrata. A única coisa que mudou foi a revelação de uma dívida catastrófica que causou um pedido de resgate de UJS$ 100 bilhões para uma economia relativamente pequena. E, para piorar, eles precisam de um novo resgate. Por quanto tempo isso continuará a sufocar o sistema?
Os países encontraram um termo muito bonito para se referir a esse constante endividamento, “endividamento soberano”. Soberano é uma palavra que parece boa, mas estamos falando de algo em torno de US$ 30 trilhões, que está aumentando inexoravelmente. Os economistas dizem que o único país que não enfrenta isto é a China, que está sentada em um excedente de US$ 3 trilhões. Mesmo assim, engana-se quem acha que esse excedente chinês salvará o sistema, porque são US$ 3 trilhões em comparação a US$ 30 trilhões do restante do mundo. Não significa nada.
Agora, nenhuma das soluções para a crise virá do liberalismo. Os próprios limites do capitalismo precisam ser considerados, essa necessidade intempestiva por crescimento ilimitado. Isso significa exaurir nossos recursos estratégico-naturais. A própria questão da água, há muitas regiões no globo que a água não é mais apropriada para a produção e para o próprio consumo. Mesmo diante da exaustão gradual dos nossos recursos naturais, um imenso perigo, nós continuamos caminhando para a mesma direção do crescimento incontrolável. A própria solução para a crise financeira é crescer e crescer até superá-la.
As possíveis soluções para essa contradição assumem um caráter caricato. Karl Marx usou uma expressão interessante: “primeiro temos a tragédia, que depois transformamos numa farsa”. Isto se aplica ao capitalismo hoje, porque os especialistas dizem que nós vamos resolver os problemas da nossa relação com a natureza simplesmente reduzindo os níveis de emissão de carbono. Então é assim que vamos resolver o problema catastrófico do meio ambiente? Existe um limite para absolutamente tudo. É uma farsa porque todos os países, embora admitam que existe um grave problema a ser resolvido, continuam a consumir energia irresponsavelmente. A população dos Estados Unidos representa 4% do total mundial e consome 20% dos recursos, um absurdo. Esta “solução fácil” é uma farsa, porque, a não ser que a humanidade enfrente esse problema de maneira contundente – e aceite as consequências dessa escolha –, nós nos encontraremos em um cenário devastador.
* István Mészáros é húngaro, filósofo, professor emérito de Filosofia da Universidade de Sussex e um dos mais destacados marxistas da atualidade.
** Trecho de entrevista concedida a Matheus Pichonelli e Ricardo Carvalho.
*** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.