Hoje a prerrogativa do sacrifício humano pertence ao capital. Ele decide quem deve morrer. E quem morre são indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e o meio ambiente.
Finalmente alguém no poder é honesto em suas declarações. Quando Curt Trennepohl, presidente do Ibama, disse a uma jornalista australiana que seu trabalho “não é cuidar do meio ambiente, mas minimizar os impactos”, e que o Brasil vai fazer “com os índios o que os australianos fizeram com os aborígenes” (Folha S.Paulo 15/7/11), foi de uma honestidade rara e cruel. A declaração é um horror, uma proclamação de genocídio.
Porém, é o que está diante de nossos olhos todos os dias. A tarefa do Ibama é tentar pôr remendo novo em pano velho, isto é, amenizar os estragos feitos pelas grandes obras, seja de iniciativa particular ou oficial. A prevenção e a precaução não fazem parte do roteiro governamental.
A CPT, juntamente com o Cimi, sabe que anda muito só ultimamente nas suas lutas pelo campo. As populações mais vitimadas pelo modelo atual, e pelo governo atual, são exatamente os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Os movimentos da Via Campesina se defendem melhor, até por sua proximidade com o governo. Porém, na hora da luta concreta, as comunidades tradicionais estão enfrentando uma solidão cósmica.
Porém, a honestidade do ministro não anula a dimensão cruel, anti-humana, que permeia a política desenvolvimentista atual. Antes, a prerrogativa do sacrifício humano pertencia às religiões. Os que têm descendência bíblica acabaram com essa crueldade quando o Deus bíblico não permitiu que Abraão sacrificasse Isaac. Ele não precisava do sacrifício humano, embora judeus e cristãos depois tenham sacrificado multidões ao longo dos séculos. Mas, astecas, incas e outras tradições religiosas sacrificaram pessoas enquanto seus impérios duraram.
Hoje a prerrogativa do sacrifício humano pertence ao capital. Ele decide quem deve morrer. E quem morre são indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e o meio ambiente.
Se quisermos manter um pingo de dignidade humana, devemos nos afastar não só da direita, mas também das esquerdas que aceitam o sacrifício humano em nome do desenvolvimento, da revolução, ou de qualquer outra causa onde a vida humana seja o combustível.
Na luta contra as mudanças no Código Florestal, Belo Monte, Transposição, enfim, contra o modelo predador imposto, podemos identificar perfeitamente quem é quem no Brasil de hoje.
* Roberto Malvezzi (Gogó) é assessor da Comissão Pastoral da Terra.
** Publicado originalmente no site Brasil de Fato.