A cúpula mundial do microcrédito e o futuro da inclusão financeira

Soraya Rodríguez Ramos

Madri, Espanha, novembro/2011 – Abrir uma pequena loja em um povoado de Bangladesh, fundar uma cooperativa de artesãos no Peru, montar uma exploração agrária na África subsaariana, ou fomentar agrupações econômicas de mulheres em qualquer parte do mundo. São exemplos concretos da finalidade dos microcréditos, um novo sistema financeiro implantado há décadas em Bangladesh pelo professor Mohamed Yunus, um dirigente social que nos últimos anos recebeu prêmios de destaque como o Príncipe de Astúrias (1998) e o Nobel da Paz (2006).

Atualmente, a Espanha é o segundo doador mundial no setor das microfinanças, atrás da Alemanha. O decidido apoio da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid) a estas políticas levou a Microcredit Summit Campaign (MCS) a escolher a Espanha como país anfitrião de sua V Cúpula Mundial, que acontecerá em Valladolid, entre 14 e 17 de novembro.

Os microcréditos se revelaram um eficaz meio de luta contra a pobreza extrema em um fenômeno onde as mulheres de países em vias de desenvolvimento se constituem habitualmente nas protagonistas. Agora, nos últimos dois anos, abriu-se um ponto de inflexão. Primeiro, o próprio setor das microfinanças enfrenta um importante debate em torno de seus objetivos. O impacto do microcrédito está em plena discussão tanto teórica quanto prática. Os dramáticos casos de não pagamento e morosidade dos programas de microcréditos, que apareceram nos meios de comunicação nos últimos meses, nos mostram que um programa de microcrédito mal dirigido, ou cujos riscos não são adequadamente calibrados, pode se converter em um obstáculo para sair da pobreza.

Os estudos mais recentes insistem no efeito positivo do microcrédito, desde que este instrumento esteja vinculado a políticas públicas de coesão social e luta contra a pobreza, tais como acesso a saúde e educação, um contexto institucional adequado e uma infraestrutura econômica capaz de gerar oportunidades reais de emprego e trabalho por conta própria.

Outro fator é a evolução do setor microfinanceiro, que deixou de ser liderado por organizações não governamentais e cooperativas para contar com novas entidades que oferecem uma carteira de serviços mais ampla, incluindo os microsseguros, a micropoupança ou o banco móvel, enquanto se sofistifica a captação de recursos por intermédio de fundos de capital de risco ou a emissão de bônus.

Além disso, interrompeu novas fontes de financiamento e, especialmente, as remessas dos imigrantes, que em várias economias em desenvolvimento são a primeira fonte de financiamento externo, bem como as remessas internas. Estas novas fontes oferecem um financiamento muito capilar dirigido às famílias, e em muitos casos destinado ao consumo direto, com escasso impacto em projetos empresariais.

Em quarto lugar, e fruto do anterior, o estabelecimento de padrões internacionais, guias de desempenho social e financeiro e mecanismos de gestão homologados em níveis nacional e internacional.

A esses fatores, na Espanha se soma o próprio processo de transformação dos instrumentos financeiros da cooperação. O Fundo para a Promoção do Desenvolvimento (Fonprode), criado em outubro de 2010, assume a constatação estratégica de que a simples concessão de fundos não basta para garantir a luta contra a pobreza. O financiamento externo deve ser acompanhado de um adequado desenvolvimento, tanto no âmbito regulatório como de infraestruturas financeiras, bem como na solvência e efetividade das instituições financeiras. Por outro lado, o Fonprode adotou um código de financiamento responsável, que impõe o estabelecimento de rigorosos controles em matéria de impacto social, ambiental e de gênero.

A V Cúpula Mundial do Microcrédito não consiste, no entanto, apenas em um fórum de debate e intercâmbio de experiências. Acima de tudo, pretende impulsionar duas metas básicas: a primeira, conseguir que cerca de 175 milhões de famílias, as mais pobres do mundo, e, especialmente, as mulheres, tenham acesso a serviços financeiros básicos até o final de 2015. A segunda, conseguir que aproximadamente cem milhões das famílias mais pobres melhorem sua renda acima do nível de um dólar diário entre 1990 e 2015. Se formos capazes da dar passos adiante em busca destes objetivos, o encontro de Valladolid ganhará todo seu sentido. Envolverde/IPS

* Soraya Rodríguez Ramos é secretária de Cooperação Internacional e presidente da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid).