Pacientes com a doença acabam sendo tratados como malucos por amigos e familiares.
De uma hora para outra, a pessoa passa a falar com um sotaque diferente, aparentemente estrangeiro. A família e os amigos começam a achar que é brincadeira, depois indicam um psicólogo. Mas a resposta para esse tipo de problema, em geral, está nos consultórios de outro tipo de especialista: os neurologistas. A síndrome do sotaque estrangeiro, como o distúrbio é chamado, pode ser provocada por isquemias cerebrais, hemorragias ou traumas.
“Na maioria das vezes, ela está atrelada a uma lesão estrutural súbita no cérebro. Que eu tenha conhecimento, em apenas um paciente, a causa não ficou definida. E são raríssimos os casos de o problema ser oriundo de uma causa psicogênica”, explica Paulo Bertolucci, professor de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Para ele, o caso recente de uma americana que saiu de uma cirurgia odontológica com sotaque parecido com o britânico pode ter sido provocado por uma embolia e uma isquemia após a anestesia.
A fala da pessoa afetada continua compreensível, mas o ritmo é que torna-se incomum. Bertolucci explica que a modificação na cadência não quer dizer que a pessoa adquiriu um idioma diferente ou que está pronunciado de forma parecida com uma outra língua que ela já falava. Na verdade, a síndrome do sotaque estrangeiro não apresenta característica de nenhum idioma existente. “Os dois pacientes que já atendi com essa disfunção tinham um sotaque que parecia de um falante de inglês. Mas, se você pega um nativo do idioma, ele não reconhece a semelhança”, afirma Bertolucci.
Segundo o especialista, o que acontece, na maioria dos casos, é que a área responsável pela linguagem no cérebro é afetada e ocorre uma mudança nos pontos de articulação da fala. Quando crianças, aprendemos esses pontos, que são característicos do idioma que usamos. Ao alterarmos esses pontos de produção de fonemas, acabamos falando com outra entonação.
O tratamento é basicamente feito com fonoaudiólogos. Bertolucci ressalva, no entanto, que as sessões podem suavizar o problema, embora seja difícil o paciente voltar a falar normalmente como antes. Um tratamento psicológico pode ser feito para ajudar o portador da síndrome do sotaque estrangeiro a retomar sua autoestima e sua identidade.
“A síndrome não provoca nenhuma limitação séria no dia a dia. Pode até afetar a linguagem propriamente dita, mas esta é uma condição mais rara ainda. O problema é mais psicológico já que essas pessoas adquirem um sotaque aparente de outro lugar sem terem optado por isso. Um sergipano que eu atendi me disse que o que lhe incomodava era esse jeito de falar de gringo. Ele virou uma coisa que ele não queria.”
Ainda são muito poucos os casos registrados da doença, até porque muitas das vezes não é feito um diagnóstico correto. No Brasil, Bertolucci estima que haja apenas 12 casos relatados. Diante da falta de conhecimento sobre o problema, o especialista ressalta que é importante que tanto a população quanto a comunidade médica recebam mais informações sobre a doença.
“A família acha que a pessoa pirou de vez ou que amanheceu incorporando um espírito. Depois, procuram psiquiatras, que muitas vezes não conhecem a síndrome. Mas devemos ficar atentos a essa possibilidade para ajudarmos quem tem o problema a enfrentá-lo sem se sentir um maluco. É fundamental deixar claro que isto é uma condição neurológica, e não que a pessoa está zureta.”
* Publicado originalmente no site Opinião e Notícia.