A economia dependente da política

“Hoje na Europa temos um encontro com o destino e a salvação virá da política e não da economia. Mas a política não pode cometer mais erros e, como no Titanic, nem mesmo os passageiros de primeira classe podem salvar a si mesmos”, declarou o ministro italiano das Finanças, Giulio Tremonti ao Financial Times.

Escrevo esta coluna, em férias, em Florença. Ela terá diferenças claras em relação às anteriores, quando o dia a dia dos mercados ocupa espaço importante nos meus pensamentos e marca minhas reflexões. Uma rotina mais suave – e esta tem sido a marca dos últimos dias – me permite acompanhar os acontecimentos com uma visão diferente da que estou habituado. Também a distância da internet, e sua substituição pelos jornais impressos, tem permitido um tempo maior para a análise.

Uma primeira impressão que fica da leitura dos jornais é que a política voltou a comandar as questões econômicas na Europa Unida e nos Estados Unidos. A crise financeira nessas duas regiões conhecidas como o mundo desenvolvido – o Japão é hoje outro caso, vivendo seu próprio e único drama – trouxe ao nível do consciente as divisões políticas que estavam mascaradas por um longo período de crescimento.

Na Europa, a utopia de uma só nação criada após a queda do Muro de Berlim por uma geração de políticos ainda influenciados pela II Grande Guerra, caiu sob o peso dos interesses e valores de seus vários países. Nos Estados Unidos, o conflito entre os liberais e os conservadores atinge novos níveis de violência e irracionalidade, e leva perigosamente o país à beira de uma moratória da dívida pública. Em ambos os casos, o esgotamento da capacidade do Estado de se endividar coloca a sociedade diante de escolhas definitivas e que vão mudar as prioridades de seus governos.

E esse verdadeiro ajuste de contas com o passado ocorre em um momento em que as lideranças políticas são frágeis e comandadas mais pelas pesquisas de opinião pública do que por valores programáticos. O jornal francês Le Monde resumiu esse dilema ao dizer que o momento exige na Europa políticos maduros e não infantis como os que existem hoje. E citava o presidente francês, o primeiro ministro italiano e a chanceler alemã como exemplos desses líderes nanicos, ridículos e incapazes.

Mas, nos Estados Unidos, também, esse conflito entre a complexidade dos problemas fiscais que terão que ser enfrentados e a qualidade das lideranças políticas se coloca de forma dramática. O Partido Republicano está hoje paralisado por um movimento demagógico e retrógrado, chamado de Tea Party, o que, em um sistema bipartidário forte como o norte-americano, representa um risco de ingovernabilidade muito grande.

A parte mais visível dessa grave crise que estamos vivendo é fiscal, com os investidores e mercados financeiros acordando para a questão dos limites da dívida pública, mesmo nos países mais ricos. Com raras exceções – a Alemanha é a mais importante delas – as nações do Velho Continente vão ter que cortar suas despesas sociais e recolocar o Estado dentro dos limites de sua capacidade de arrecadar impostos. Outros – como a Itália – terão que ir mais longe e desmontar mecanismos de proteção de suas empresas e abrir seus mercados para um maior grau de concorrência. Uma tarefa gigantesca dada a imobilidade da política nas últimas décadas e as aspirações de sociedades acostumadas ao Estado Provedor de um sistema de segurança social abrangente.

Já nos Estados Unidos a questão fiscal será ainda mais difícil de ser tratada, pois esse país enfrenta além dos compromissos com seus gastos militares derivados de sua posição de Super Potência, as despesas com um crescente sistema de proteção social. Para tornar esse desafio ainda mais difícil de ser vencido, temos agora esse movimento histérico contra qualquer aumento de impostos liderado pelo tal Tea Party. Na Europa ainda existe um espaço para algum tipo de cooperação política – como mostrou recentemente a Itália –, mas na maior economia do mundo o radicalismo entre democratas e republicanos, em função das eleições presidenciais do próximo ano, não permite isso.

Toda essa crise pode abrir um espaço enorme para o Brasil. Em função da crise fiscal, o crescimento econômico no G-7 será medíocre nos próximos anos, fazendo com que as empresas e os investidores voltem seus olhos – e seus investimentos – para o mundo emergente. Além disso, as condições monetárias no primeiro mundo serão necessariamente expansionistas e com juros muito baixos, criando forças expansionistas e estímulos importantes para economias como a brasileira. Como a China, peça fundamental para o nosso crescimento, também estará fora da confusão da dívida pública no mundo desenvolvido, poderemos nos aproveitar dessa nova situação. Mas para que isso ocorra será preciso que o governo Dilma acorde para esses novos tempos e refaça seu plano de voo. O fato de termos hoje um endividamento público decente representa um ativo que precisa ser preservado via uma política de gastos responsável e o abandono de políticas esdrúxulas como a de apoio ao capitalismo nacional e a construção de pirâmides como o trem bala Campinas-Rio.

* Publicado originalmente pelo jornal Valor e retirado do site IHU On-Line.